A fome é um fenômeno
multidimensional. São muitos os fatores que explicam os elevados níveis de
desnutrição e de insegurança alimentar, tais como: o monopólio na produção e
comercialização de alimentos, a desigual distribuição de renda entre as classes
sociais, a falta de emprego e capacidade de compra da população, a ausência de
um sistema de proteção social, o desperdício na produção, comercialização e
consumo de alimentos, etc.
O International Food
Policy Research Institute (IFPRI) atualizou em 2013 o Índice Global da Fome
(IGF). O índice é calculado para os países em desenvolvimento e varia em uma
escala de 0 a 100 pontos. A situação da fome é classificada em 5 categorias:
baixa (menos de 5 pontos), moderada (de 5 a 10), séria (10 a 20), alarmante (de
20 a 30) e extremamente alarmante (acima de 30 pontos).
O relatório do IFPRI
mostra que a fome varia bastante entre as regiões, com os mais altos índices
ocorrendo na África Subsaariana e em algumas partes da Ásia. A maioria dos
países da América Latina estão classificados nas categorias baixa e moderada,
com exceção do Haiti que apresenta IGF de 28 pontos e está classificado na
categoria alarmante. No mundo, além do Haiti, existem outros 25 países que
apresentam fome e insegurança alimentar em níveis alarmantes ou extremamente
alarmantes.
Os dados mostram que
existe uma alta correlação entre o Índice Global da Fome (IGF) e a Taxa de
Fecundidade Total (TFT). De fato, as principais vítimas da fome são as
crianças. Os países que possuem IGP elevado, em geral, apresentam altas taxas
de fecundidade.
Países com famílias
numerosas tendem a ter relações desiguais de gênero e, em geral, sobrecarregam
o sexo feminino com os encargos da reprodução. Mulheres com muitos filhos têm
dificuldade de conseguir emprego remunerado e estão sobre representadas nas
situações de pobreza. Estes dois fenômenos (alta fecundidade e fome) ocorrem
concomitantemente devido à falta de direitos humanos básicos para a população,
como educação, habitação adequada, saneamento básico, saúde, saúde reprodutiva,
etc. Sem uma boa governança e sem os direitos de cidadania a população não tem
autonomia para definir os rumos de suas vidas.
Na República
Democrática do Congo, por exemplo, o IGF registrou aumento de 63% devido aos
conflitos internos e instabilidade política. A Somália, outro exemplo de país
que apresenta índices de fome extremamente alarmantes, tem estado em guerra
civil nas últimas décadas e sem um governo capaz de efetivar qualquer política
pública para melhorar a qualidade de vida da população. A situação de pobreza é
agravada por uma taxa de fecundidade de mais de 6 filhos por mulher, baixa
esperança de vida ao nascer e um elevado crescimento demográfico. A população
da Somália passou de 2,3 milhões, em 1950, para 6,6 milhões, em 1990, para
cerca de 10 milhões, em 2012, e deve chegar a 28,2 milhões de habitantes em
2050, segundo dados da Divisão de População da ONU.
Neste sentido, foi
importante a iniciativa do governo do Reino Unido e da Fundação Bill and
Melinda Gates que organizaram, em julho de 2012, a “Cúpula sobre o Planejamento
Familiar”, em Londres, visando levantar fundos e ações para a “universalização
da saúde reprodutiva”. Nesta mesma linha o Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA) lançou em novembro de 2012 o Relatório sobre a Situação da População Mundial
2012: “Por escolha, não por acaso: Planejamento Familiar, Direitos Humanos e
Desenvolvimento”. O estudo apresenta evidências do impacto econômico positivo
do planejamento familiar nas famílias, comunidades e países. Sem dúvida, a
transição da fecundidade é um processo que ajuda a reduzir as situações
alarmantes de fome.
Segundo a Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), metade dos cerca de 870
milhões de pessoas passando fome no mundo são crianças. Isto acontece
principalmente naqueles países que possuem os chamados “Estados falidos”, ou
seja, nações pobres onde o governo não tem condições de implementar políticas
públicas universais de acesso à educação, moradia, saneamento básico e saúde,
especialmente saúde reprodutiva. Como a cidadania é o melhor contraceptivo, a
falta de direitos humanos básicos reforça um círculo vicioso que joga grandes
contingentes populacionais nas mais graves situações de pobreza.
Além, disto as
monoculturas de alimentos que usam muitos fertilizantes e agrotóxicos
contribuem para a redução da biodiversidade e aumentam a poluição nas terras,
rios e lagos. Aumentar a produção de alimentos com base na redução da
biodiversidade e da biocapacidade é um caminho insustentável que pode
comprometer o futuro da segurança alimentar.
Portanto, o problema
da fome, da alta fecundidade e da biodiversidade tem que ser atacado de forma
conjunta, capacitando as populações mais pobres e desassistidas a implementarem
a autodeterminação reprodutiva, terem uma inserção produtiva decente,
respeitarem o meio ambiente e serem proprietárias do próprio destino.
(EcoDebate)
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