Coleta seletiva ainda enfrenta gargalos para se tornar
abrangente no país
Gargalos impedem
avanço da reciclagem e deixam empresas com até 30% de capacidade ociosa.
A coleta seletiva
ainda enfrenta gargalos para se tornar abrangente no país, como determina a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, que entrará em vigor na segunda metade
do ano que vem. A avaliação foi feita por André Vilhena, diretor do Compromisso
Empresarial pela Reciclagem (Cempre), fórum que reúne 38 grandes empresas nacionais
e multinacionais desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio 92.
Vilhena destaca que
um dos entraves para o avanço da coleta seletiva no Brasil é a falta de
qualificação dos gestores locais responsáveis por elaborar os planos municipais
de resíduos sólidos: “O envolvimento das prefeituras é o ponto de partida.
Temos hoje poucos municípios fazendo a coleta seletiva e, principalmente,
fazendo a coleta seletiva de forma abrangente. Para mudar isso, os gestores públicos
necessitam de treinamento para que possam efetivamente implantar os programas
em seus municípios”.
A falta de
capacitação é mais grave no interior, mas também está longe do ideal nas
grandes cidades: “Vamos pegar os exemplos das maiores cidades do Brasil: os
programas tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro são muito pouco
abrangentes, precisam passar por uma reformulação e ampliação significativas.
Sem dúvida alguma, no curto espaço de tempo, precisamos melhorar muito os
programas de coleta seletiva nas cidades brasileiras, especialmente nas
maiores”.
Com programas de
coleta seletiva pouco organizados, a indústria recicladora padece de pouca
oferta de matéria-prima e, segundo estimativas do Cempre, funciona, em média,
com capacidade ociosa entre 20% e 30%. Levantamento feito pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2010 já mostrava que o Brasil deixava de
movimentar R$ 8 bilhões anualmente por não aproveitar o potencial do setor. De
acordo com o Cempre, apenas 14% das cidades brasileiras têm coleta seletiva,
sendo 86% delas no Sudeste.
Outro entrave para a
reciclagem no Brasil, segundo Vilhena, é o peso tributário sobre o setor, que
se beneficiaria de mudanças na cobrança de impostos: “De cara, deveria ser
dispensado o recolhimento do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços] na venda de sucatas e materiais recicláveis, além de produtos com
100% de material reciclado. Poderia ser feita, a partir disso, uma redução
gradativa do imposto conforme o percentual de material reciclado na
composição”, defende ele, que acredita haver bitributação no caso do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI): “em alguns setores, o produto já teve a
cobrança do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]. quando foi
descartado, e tem o desconto de novo durante a reciclagem”.
Edson Freitas, da
organização não governamental EccoVida, concorda com as duas análises: “muita
gente prefere a informalidade por causa dos impostos. Pago uns 30% de imposto
sobre minhas garrafas e ainda tenho que pagar para destinar o lixo não
aproveitável. Um dos projetos que desenvolvo, de produção de telhas a partir de
PET [politereftalato de etileno, utilizado na fabricação de embalagens e outros
produtos], eu trouxe de Manaus, porque lá não era viável por falta de plástico
selecionado”.
Em seu galpão, o
presidente da ONG conta que processa mil toneladas de material reciclado por
mês, mas a falta de oferta o impede de vender o dobro disso de matéria-prima
para fábricas como a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), que usa suas
PETs na produção de garrafas 100% recicladas, que corresponderam a 28% da
produção em 2012 e devem chegar a 40% em 2013. No ano passado, a companhia
reutilizou 60 milhões de PETs na produção, número que deve saltar para 130
milhões neste ano, com a autorização da Anvisa para o uso de material
reciclável em mais três fábricas da empresa, somando seis homologadas.
A produção de PET a
partir de material reciclável economiza 70% de energia e reduz em 70% a emissão
de gás carbônico na atmosfera. Além das PETs, a Ambev também produz, em sua
fábrica de vidro, sete em cada dez garrafas desse material inteiramente com
cacos reciclados, sendo 88% deles provenientes da própria cervejaria e 12% de
cooperativas.
O problema da falta
de material de que Freitas se queixa, no entanto, não é causado só pela
escassez de planos municipais. Para Vilhena, é preciso maior envolvimento da
população: “Temos que melhorar o engajamento do cidadão brasileiro nos
programas de coleta seletiva, que ainda estão aquém do desejado”.
Edson Freitas destaca
que é preciso uma mudança de pensamento em relação aos materiais recicláveis:
“nem chamo de lixo uma PET ou uma embalagem de papelão, porque não são lixo.
Têm o mesmo valor que tinham quando o produto estava armazenado dentro delas. É
só limpar que continua a ser material com valor comercial e utilidade”. (EcoDebate)
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