No artigo publicado em que propus a ideia de montar uma UTI
virtual para tratar de assuntos ambientais, terminei deixando um gancho para
análise do recurso água, dizendo que a sua ocorrência ou não em determinada
área está condicionada ao desenvolvimento do ciclo hidrológico e da circulação
atmosférica. Vamos ao diagnóstico pertinente.
A água está constantemente ao nosso redor, na forma líquida,
sólida ou de vapor. Mesmo quando olhamos em volta e não vemos nada parecido com
água, ela estará presente; pode até ser em pequenas quantidades, mas se estamos
respirando é porque há ar disponível e se há ar ele sempre conterá algumas
moléculas de água na forma de vapor. A água é brincalhona, gosta de aparecer e
sumir de nossas vistas; também de nos pregar peças desagradáveis, muitas vezes,
como se estivesse protestando contra a nossa falta de habilidade de lidar com
ela.
A água na Terra está em armazenamentos e em movimentos de um
armazém para outro. Felizmente os armazéns têm características de
almoxarifados, ou seja, recebendo e entregando mercadorias. Às vezes a
estocagem é por períodos mais longos, como no caso das geleiras ou dos
reservatórios subterrâneos mais profundos, confinados entre camadas rochosas.
Mas pode, também, ser por períodos curtos, em reservatórios naturais ou
artificiais, por exemplo, sujeitos a altas taxas de evaporação. O aparecimento
e o desaparecimento pode ser resultado de fenômeno natural ou de atividade
humana.
Todas essas andanças e descansos da água estão contidos no
ciclohidrológico; aquele que já vimos muitas vezes nos esquemas publicados em
livros didáticos e em obras científicas, ou seja, ele transita bem tanto no
meio ambiente da Terra, quanto nas figuras de páginas diversas. Entendê-lo bem
é a condição primeira para a compreensão dos excessos e ausências de água em
determinados locais ou regiões. Se o leitor não tem um ciclo hidrológico na
memória, e se tiver ficado curioso para saber do que se trata, basta ir ao
Google e solicitar imagens do mesmo. Há inúmeras alternativas de representação,
com mais ou menos detalhes. Vai encontrar, também, inúmeros textos explicativos
das várias fases do ciclo hidrológico. Mas tanto as figuras como os textos
mostram o trânsito da água entre os armazéns terrestres (geleiras, aquíferos e
lagos), oceânicos e atmosféricos. Os movimentos entre eles se dão,
principalmente, por evaporação e por cursos d’água. Há, ainda, movimentações
dentro dos próprios armazéns, pois moléculas de água escoam pelos aquíferos e
se movimentam nos oceanos, nos lagos e na atmosfera.
O mais importante meio de movimentação da água na terra é o
atmosférico. A água evaporada dos almoxarifados pode alimentar precipitações em
regiões distantes dos pontos de evaporação. E aí entra a circulação atmosférica
como fator fundamental. Exemplos são as zonas de convergência, muito citadas
nas previsões de tempo da televisão, como a do Atlântico Sul, que acaba
trazendo vapor d’água originado na Amazônia para ser precipitado na região
Sudeste. Já o Semiárido, da região Nordeste, sofre tanto pela falta de
evaporação local (pouco armazenamento), como pela falta de correntes de ar que
levem vapor d’água do oceano Atlântico para até aquelas áreas interioranas. E
como qualquer movimentação exige energia, o sol supre as demandas evaporativas,
as diferenças de pressão e a rotação da Terra, criam correntes de ar para
transporte de vapor e a gravitacional o fluxo dos cursos d’água.
O desconhecimento ou o abandono do ciclo hidrológico é que
faz com que estejamos sempre bombardeados pela ideia de que uma nascente ou um
rio pode ser mantido apenas com a proteção de pequenas faixas de seus entornos.
Tal conceito é uma perigosa tendência de simplificar um fenômeno natural bem
mais complexo. E quando ele é repassado para alunos de cursos fundamentais,
então, a coisa fica muito mais grave. Precisamos ter cuidado com aquelas belas
imagens de alunos plantando árvores às margens de rios. É preciso dar a elas o
verdadeiro significado ambiental e não vender apenas desejos não embasados no
ciclo hidrológico. Rios, córregos, ribeirões, riachos e outras denominações
regionais são frutos da bacia hidrográfica e do ciclo hidrológico que nela se
desenvolve.
Em tempo
O leitor pode estar achando que teria sido mais fácil se eu
tivesse colocado um esquema de ciclo hidrológico, com a respectiva descrição.
Talvez, mas isso já pode ser facilmente encontrado em busca na internet, como
já indiquei, e a intenção, com os artigos da série “UTI ambiental”, é provocar
a curiosidade dos que se interessarem pelos temas. No caso, eles poderão, pelo
menos, rabiscarem um esboço dos caminhos da água, que está sempre brincando de
esconde-esconde. (EcoDebate)
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