sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A Inserção da Reciclagem nos Mercados de Carbono

A Inserção da Reciclagem nos Mercados de Carbono: Avaliação da situação e estudo do caso de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
1. Introdução
Diferentemente de países onde a valorização econômica dos resíduos sólidos urbanos fez com que passasse de problema à solução, esta gestão no Brasil ainda carece de significativa evolução. A Lei 12.305/2010 trouxe um novo horizonte para este desenvolvimento, porém sua implementação está lenta e aquém das necessidades. Dentre os problemas encontra-se o baixo aproveitamento dos recicláveis, ainda muito desperdiçados por disposições em aterros e lixões. Além do subaproveitamento econômico, a reciclagem brasileira também mostra-se insustentável pela ótica ambiental e social. Ambientalmente, por razões como a exploração das matérias-primas e energia acima da capacidade de recuperação do planeta, além da poluição por resíduos, efluentes e emissões. Socialmente, por não dar condições dignas de vida à significativa parcela de trabalhadores que vive da catação.
Além da insustentabilidade econômica, social e ambiental, o desperdício de recicláveis resulta na perda de oportunidades para mitigação do aquecimento global, visto que a utilização de insumos recicláveis em substituição a insumos virgens nos processos produtivos reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Deste cenário resultou o problema da pesquisa que avaliou as condições de acesso da reciclagem brasileira e da Coleta Seletiva de Porto Alegre às receitas decorrentes dos serviços climáticos prestados pela atividade, através do acesso aos mercados regulados e voluntários de carbono, e identificou condições institucionais necessárias para a viabilidade de projetos desta natureza.
Além da avaliação destas condições sob aspectos técnicos, econômicos e sociopolíticos, a pesquisa procurou aquilatar o grau de importância das causas antrópicas no aquecimento global e as repercussões das suas consequências como indutoras de políticas de mitigação; verificou a importância do setor de reciclagem na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE); e estimou a situação atual e potencial da reciclagem brasileira e porto-alegrense nas reduções de GEE.
2. Metodologia
A pesquisa apresentou caráter exploratório, em face da sua originalidade frente a estudos prévios ou referenciais bibliográficos existentes. Para seu desenvolvimento foi utilizada pesquisa bibliográfica, documental, exploratória e estudo de caso. Foram realizadas visitas técnicas às Unidades de Triagem (UT) da Coleta Seletiva de Porto Alegre, a intermediários comerciais comparadores de recicláveis daquelas UTs, à empresa recicladora de plásticos e ao DMLU, departamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre responsável pela gestão dos resíduos sólidos.
A investigação sobre o fenômeno do aquecimento global, nível de convicção científica de sua existência, natureza antrópica e dimensão das consequências futuras, caso suas causas não sejam mitigadas, foi realizada a partir de diversificada gama de publicações, em especial daquelas que compõem o 4º Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC, 2007).
Para a verificação da importância do setor de reciclagem no universo das ações de mitigação foram analisadas metodologias, programas computacionais e estudos que se ocupam da medição da pegada de carbono relacionada à gestão de resíduos sólidos. A principal fundamentação teórica utilizada para a análise da viabilidade técnica do acesso aos mercados de carbono foi a Análise de Ciclo de Vida (ACV) (REBITZER et al., 2004; PENNINGTON et al., 2004), base das metodologias utilizadas na quantificação das reduções das reduções de emissões propiciadas pela reciclagem.
A quantificação das reduções de emissões pela reciclagem foi dimensionada em três níveis, nacional, municipal e Coleta Seletiva, com base na metodologia AMS-III.AJ do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (UNFCCC, 2012) e pela aplicação dos fatores de reduções de GEE estimados pela United States Environmental Protection Agency (USEPA) (USEPA, 2006).
A quantificação dos recicláveis em nível nacional baseou-se em dados agregados de consumo aparente publicados por entidades representativas dos segmentos estudados: embalagens de alumínio, embalagens de aço, papéis, plásticos e vidros. Na quantificação local foi utilizada como proxy a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional e local. Para a Coleta Seletiva foram utilizadas as quantidades de comercialização obtidas na pesquisa de campo, ajustadas com base nos preços de comercialização e na remuneração média dos recicladores.
O estudo da viabilidade econômica e sociopolítica da inserção da reciclagem nos mercados de carbono utilizou fundamentos relacionados àqueles mercados (LABATT; WHITE, 2007; BAYON et al., 2007), além de conceitos sobre a nova governança (SALAMON, 2000) e à autogestão nas Entidades de Economia Solidária (EES) (CANÇADO, 2008), entre outros. Foi aplicada de forma exemplificativa a Metodologia do Carbono Social (MCS) (REZENDE; MERLIN, 2003).
3. Resultados e discussão 
Com relação ao aquecimento global, embora as conclusões apresentadas assentem-se em bases probabilísticas, entende-se que o Princípio da Precaução fornece sustentação legal para as ações na direção da Economia de Baixo Carbono. De acordo com este Princípio, e consideradas as evidências sobre a magnitude das consequências do aquecimento global, todas as ações que resultam em menores emissões de GEE apresentam-se como urgentes e imprescindíveis, nas quais o setor de resíduos tem papel de destaque, pois representa cerca de 4% das atuais emissões diretas (UNEP, 2012). A Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (GIRS), além de permitir a redução nesta indesejada contribuição, pode contribuir com as emissões de outros setores, como energético, transportes e uso da terra, pela otimização da valorização econômica dos resíduos sólidos urbanos, através das ações voltadas à minimização, reuso, reciclagem e recuperação energética.
A revisão da literatura evidenciou as limitações da metodologia ACV diante da complexidade do objeto de análise, bem identificadas por Morrissey e Browne (2004), de modo que a aplicação da ferramenta, seja através de planilhas, programas computacionais ou pela aplicação direta de fatores de reduções, demandam o claro delineamento dos escopos e objetivos assumidos pelos estudos, com os resultados tomados como estimativas.
No caso de USEPA (2006), além das limitações relatadas pela própria metodologia, surge outra, decorrente da transposição simples dos resultados para a realidade brasileira. Não obstante, a revisão bibliográfica permitiu a conclusão de que a substituição de insumos virgens por reciclados nos processos industriais promove reduções nas emissões de GEE, resultando em contribuição efetiva para a redução das concentrações daqueles gases na atmosfera, de modo que o fomento da atividade de reciclagem presta efetivos serviços climáticos, na medida em que reduz as pegadas de carbono nas sociedades onde é praticada, devendo compor o universo das ações de mitigação englobadas na Economia de Baixo Carbono.
A Tabela 1 resume os principais resultados quantitativos obtidos pelo estudo, relacionados às reduções de emissões de GEE pela reciclagem e as receitas teóricas, com base na estimativa de R$ 13,08 para a comercialização dos créditos de carbono.
Tabela 1 – Estimativas e reduções de GEE e de receitas brutas pela reciclagem brasileira e porto-alegrense em mercados de carbono, ao ano.
                          Brasil                                Porto Alegre             Coleta Seletiva PA                      
                          Reduções-Receitas           Reduções-Receitas   Reduções-Receitas
                          Mil tCO2 – R$ milhões _ Mil tCO2 – R$ mil _ Mil tCO2 – R$ mil
Potencial           41477 - 542,5                   134,1 - 6346,4           27,9 - 1157,6
Situação atual     22771 - 297,8                   71,3 - 3483,2           14,7 - 558,5
Adicionalidade   18705 - 244,7                   62,8 - 2864,5           13,2 - 599,1
Para a efetiva inserção da reciclagem brasileira e porto-alegrense nos mercados de carbono foram encontradas dificuldades nas três dimensões – técnicas, econômicas e sociopolíticas. Porém, concluiu-se que os principais obstáculos encontrados são de natureza sociopolítica, relacionados à autogestão das entidades, às práticas públicas de governança e ao contexto institucional da sociedade brasileira.
4. Conclusões
O estudo evidenciou que os serviços ambientais proporcionados pela reciclagem não vêm sendo adequadamente remunerados pelos mercados de carbono ou devidamente valorizados pelas políticas públicas. A metodologia disponibilizada pelo MDL para este fim – AMS-III.AJ – mostrou-se bastante restritiva tanto em termos de escopo, por quantificar apenas as reduções relativas aos plásticos, como pelas exigências para enquadramento, como o controle da procedência dos materiais reciclados, limitando sobremaneira sua aplicabilidade. Entretanto, a inclusão das reduções de emissões propiciadas pelo uso de outros insumos reciclados, em substituição aos insumos virgens, como as embalagens de aço, papel, alumínio e vidro, poderia viabilizar economicamente esta metodologia.
A análise empreendida no estudo permitiu a identificação de quatro fatores básicos para a inserção da reciclagem nos mercados de carbono: (i) o associativismo dos recicladores em escala suficiente para viabilizar economicamente os projetos; (ii) a evolução da gestão de modo a viabilizar o monitoramento das reduções de emissões; (iii) o empoderamento sociopolítico destes trabalhadores para a autogestão; e (iv) a evolução das práticas da gestão pública na direção da nova governança.
O desenvolvimento do estudo mostrou como viável a tese da inserção da reciclagem nos mercados de carbono, desde que os cenários técnico, econômico e sociopolítico no qual a atividade está inserida evoluam de modo a atender aos fatores básicos anteriormente citados. (EcoDebate)

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