A Inserção da Reciclagem nos Mercados de Carbono: Avaliação
da situação e estudo do caso de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
1. Introdução
Diferentemente de países onde a valorização econômica dos resíduos
sólidos urbanos fez com que passasse de problema à solução, esta gestão no
Brasil ainda carece de significativa evolução. A Lei 12.305/2010 trouxe um novo
horizonte para este desenvolvimento, porém sua implementação está lenta e aquém
das necessidades. Dentre os problemas encontra-se o baixo aproveitamento dos
recicláveis, ainda muito desperdiçados por disposições em aterros e lixões.
Além do subaproveitamento econômico, a reciclagem brasileira também mostra-se
insustentável pela ótica ambiental e social. Ambientalmente, por razões como a
exploração das matérias-primas e energia acima da capacidade de recuperação do
planeta, além da poluição por resíduos, efluentes e emissões. Socialmente, por
não dar condições dignas de vida à significativa parcela de trabalhadores que
vive da catação.
Além da insustentabilidade econômica, social e ambiental, o desperdício
de recicláveis resulta na perda de oportunidades para mitigação do aquecimento
global, visto que a utilização de insumos recicláveis em substituição a insumos
virgens nos processos produtivos reduz as emissões de gases de efeito estufa
(GEE).
Deste cenário resultou o problema da pesquisa que avaliou as condições
de acesso da reciclagem brasileira e da Coleta Seletiva de Porto Alegre às
receitas decorrentes dos serviços climáticos prestados pela atividade, através
do acesso aos mercados regulados e voluntários de carbono, e identificou
condições institucionais necessárias para a viabilidade de projetos desta
natureza.
Além da avaliação destas condições sob aspectos técnicos, econômicos e
sociopolíticos, a pesquisa procurou aquilatar o grau de importância das causas
antrópicas no aquecimento global e as repercussões das suas consequências como
indutoras de políticas de mitigação; verificou a importância do setor de
reciclagem na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE); e estimou a
situação atual e potencial da reciclagem brasileira e porto-alegrense nas
reduções de GEE.
2. Metodologia
A pesquisa apresentou caráter exploratório, em face da sua originalidade
frente a estudos prévios ou referenciais bibliográficos existentes. Para seu
desenvolvimento foi utilizada pesquisa bibliográfica, documental, exploratória
e estudo de caso. Foram realizadas visitas técnicas às Unidades de Triagem (UT)
da Coleta Seletiva de Porto Alegre, a intermediários comerciais comparadores de
recicláveis daquelas UTs, à empresa recicladora de plásticos e ao DMLU,
departamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre responsável pela gestão
dos resíduos sólidos.
A investigação sobre o fenômeno do aquecimento global, nível de
convicção científica de sua existência, natureza antrópica e dimensão das
consequências futuras, caso suas causas não sejam mitigadas, foi realizada a
partir de diversificada gama de publicações, em especial daquelas que compõem o
4º Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC, 2007).
Para a verificação da importância do setor de reciclagem no universo das
ações de mitigação foram analisadas metodologias, programas computacionais e
estudos que se ocupam da medição da pegada de carbono relacionada à gestão de
resíduos sólidos. A principal fundamentação teórica utilizada para a análise da
viabilidade técnica do acesso aos mercados de carbono foi a Análise de Ciclo de
Vida (ACV) (REBITZER et al., 2004; PENNINGTON et al., 2004), base das
metodologias utilizadas na quantificação das reduções das reduções de emissões
propiciadas pela reciclagem.
A quantificação das reduções de emissões pela reciclagem foi dimensionada
em três níveis, nacional, municipal e Coleta Seletiva, com base na metodologia
AMS-III.AJ do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (UNFCCC, 2012) e pela
aplicação dos fatores de reduções de GEE estimados pela United States Environmental Protection Agency (USEPA) (USEPA,
2006).
A quantificação dos recicláveis em nível nacional baseou-se em dados
agregados de consumo aparente publicados por entidades representativas dos
segmentos estudados: embalagens de alumínio, embalagens de aço, papéis, plásticos
e vidros. Na quantificação local foi utilizada como proxy a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional e
local. Para a Coleta Seletiva foram utilizadas as quantidades de
comercialização obtidas na pesquisa de campo, ajustadas com base nos preços de
comercialização e na remuneração média dos recicladores.
O estudo da viabilidade econômica e sociopolítica da inserção da
reciclagem nos mercados de carbono utilizou fundamentos relacionados àqueles
mercados (LABATT; WHITE, 2007; BAYON et al., 2007), além de conceitos sobre a
nova governança (SALAMON, 2000) e à autogestão nas Entidades de Economia
Solidária (EES) (CANÇADO, 2008), entre outros. Foi aplicada de forma
exemplificativa a Metodologia do Carbono Social (MCS) (REZENDE; MERLIN, 2003).
3. Resultados e discussão
Com relação ao aquecimento global, embora as conclusões apresentadas
assentem-se em bases probabilísticas, entende-se que o Princípio da Precaução
fornece sustentação legal para as ações na direção da Economia de Baixo
Carbono. De acordo com este Princípio, e consideradas as evidências sobre a
magnitude das consequências do aquecimento global, todas as ações que resultam
em menores emissões de GEE apresentam-se como urgentes e imprescindíveis, nas
quais o setor de resíduos tem papel de destaque, pois representa cerca de 4%
das atuais emissões diretas (UNEP, 2012). A Gestão Integrada de Resíduos
Sólidos (GIRS), além de permitir a redução nesta indesejada contribuição, pode
contribuir com as emissões de outros setores, como energético, transportes e
uso da terra, pela otimização da valorização econômica dos resíduos sólidos
urbanos, através das ações voltadas à minimização, reuso, reciclagem e
recuperação energética.
A revisão da literatura evidenciou as limitações da metodologia ACV diante
da complexidade do objeto de análise, bem identificadas por Morrissey e Browne
(2004), de modo que a aplicação da ferramenta, seja através de planilhas,
programas computacionais ou pela aplicação direta de fatores de reduções,
demandam o claro delineamento dos escopos e objetivos assumidos pelos estudos,
com os resultados tomados como estimativas.
No caso de USEPA (2006), além das limitações relatadas pela própria
metodologia, surge outra, decorrente da transposição simples dos resultados
para a realidade brasileira. Não obstante, a revisão bibliográfica permitiu a
conclusão de que a substituição de insumos virgens por reciclados nos processos
industriais promove reduções nas emissões de GEE, resultando em contribuição
efetiva para a redução das concentrações daqueles gases na atmosfera, de modo
que o fomento da atividade de reciclagem presta efetivos serviços climáticos,
na medida em que reduz as pegadas de carbono nas sociedades onde é praticada,
devendo compor o universo das ações de mitigação englobadas na Economia de
Baixo Carbono.
A Tabela 1 resume os principais resultados
quantitativos obtidos pelo estudo, relacionados às reduções de emissões de GEE
pela reciclagem e as receitas teóricas, com base na estimativa de R$ 13,08 para
a comercialização dos créditos de carbono.
Tabela 1 – Estimativas e reduções de GEE e de
receitas brutas pela reciclagem brasileira e porto-alegrense em mercados de
carbono, ao ano.
Brasil Porto
Alegre Coleta Seletiva PA
Reduções-Receitas Reduções-Receitas Reduções-Receitas
Mil tCO2 – R$ milhões _ Mil tCO2 – R$ mil _ Mil tCO2 – R$ mil
Potencial 41477 - 542,5 134,1 - 6346,4 27,9 - 1157,6
Situação atual 22771 - 297,8 71,3 -
3483,2 14,7 - 558,5
Adicionalidade 18705 - 244,7 62,8 - 2864,5 13,2 - 599,1
Para a efetiva inserção da reciclagem brasileira e porto-alegrense nos
mercados de carbono foram encontradas dificuldades nas três dimensões –
técnicas, econômicas e sociopolíticas. Porém, concluiu-se que os principais
obstáculos encontrados são de natureza sociopolítica, relacionados à autogestão
das entidades, às práticas públicas de governança e ao contexto institucional
da sociedade brasileira.
4. Conclusões
O estudo evidenciou que os serviços ambientais proporcionados pela
reciclagem não vêm sendo adequadamente remunerados pelos mercados de carbono ou
devidamente valorizados pelas políticas públicas. A metodologia disponibilizada
pelo MDL para este fim – AMS-III.AJ – mostrou-se bastante restritiva tanto em
termos de escopo, por quantificar apenas as reduções relativas aos plásticos,
como pelas exigências para enquadramento, como o controle da procedência dos
materiais reciclados, limitando sobremaneira sua aplicabilidade. Entretanto, a
inclusão das reduções de emissões propiciadas pelo uso de outros insumos
reciclados, em substituição aos insumos virgens, como as embalagens de aço,
papel, alumínio e vidro, poderia viabilizar economicamente esta metodologia.
A análise empreendida no estudo permitiu a identificação de quatro
fatores básicos para a inserção da reciclagem nos mercados de carbono: (i) o
associativismo dos recicladores em escala suficiente para viabilizar
economicamente os projetos; (ii) a evolução da gestão de modo a viabilizar o
monitoramento das reduções de emissões; (iii) o empoderamento sociopolítico
destes trabalhadores para a autogestão; e (iv) a evolução das práticas da
gestão pública na direção da nova governança.
O desenvolvimento do estudo mostrou como viável a tese da inserção da
reciclagem nos mercados de carbono, desde que os cenários técnico, econômico e
sociopolítico no qual a atividade está inserida evoluam de modo a atender aos
fatores básicos anteriormente citados. (EcoDebate)
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