Brasil mais quente e seco pode desencadear crise nos setores
agropecuário e energético
Com aumento da
temperatura e queda das chuvas, estudo diz que floresta amazônica pode virar
savana até 2100. Cenário ameaça desencadear crise nos setores agropecuário e energético.
Até 2100, a robusta
floresta amazônica pode dar lugar a uma paisagem dominada pela savana. A
Caatinga, bioma do semiárido mais rico em fauna e flora do mundo, vai virar
deserto. Em todo o território nacional, a temperatura média pode aumentar 6ºC.
As projeções fazem parte do primeiro estudo que analisa os efeitos das mudanças
climáticas no Brasil, e estão sendo apresentadas no Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC), que segue até a próxima sexta-feira (13/09).
Com um Brasil mais
quente e mais seco, o setor energético e a agricultura serão os mais atingidos.
“Essas informações científicas devem ser consideradas no planejamento
energético do país. Para a agricultura é a mesma coisa”, avalia Andrea Santos,
secretária-executiva do PBMC.
No futuro, a mudança
de cenário vai forçar a migração de algumas culturas – como a do café, que
precisa de um clima mais ameno. “Esses impactos no setor agrícola vão demandar
melhoramento genético e recursos para a adaptação”, complementa Andrea.
“Daqui a 100 anos, a
agricultura brasileira terá que ser diferente para se adaptar às mudanças
climáticas”, sentencia por sua vez Carlos Nobre, membro do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e secretário do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Não é muito correto fazer previsões e dizer
que não haverá adaptação que faça frente”, adiciona, lembrando que medidas de
adaptação estão em curso.
Temperatura deve
aumentar 6°C na Amazônia
Força-tarefa nacional
O relatório é fruto
do trabalho de 345 pesquisadores. Eles vasculharam as publicações científicas
dos últimos seis anos e o relatório do IPCC. Concluíram que, até 2100, a queda
no volume de chuvas na Amazônia deve chegar a 45%, e a temperatura aumentará
até 6°C na região. Somadas aos efeitos do desmatamento, as mudanças climáticas
vão contribuir para a savanização.
Os cenários
climáticos previstos pelo relatório apontam o aumento das secas e estiagens
prolongadas não só na Amazônia, mas também no Cerrado e na Caatinga e uma
elevação da temperatura em todo o país, causando alterações nos ecossistemas.
Para a Caatinga, é
esperada uma elevação de até 4,5°C na temperatura e uma redução de até 50% da
precipitação. “Essas mudanças podem desencadear o processo de desertificação”,
conclui o relatório. No Cerrado, para o mesmo período, estima-se um aumento de
5,5°C e uma diminuição de 45 % no volume de chuva.
Já nos Pampas, deve
ocorrer um aumento de 40% na precipitação e de 3°C na temperatura até 2100.
Apesar de as previsões terem sido formuladas para ao longo do século, algumas
transformações no clima já podem ser percebidas atualmente.
“Nós já observamos
aumento de temperatura e alteração no padrão de precipitação em várias regiões
do Brasil, bem como o aumento das frequências de eventos climáticos extremos
como chuvas e inundações”, afirma Paulo Artaxo, coordenador do programa da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre estudos em
mudanças climáticas, que também participou do relatório.
Crise anunciada
As periferias nas
grandes cidades são as regiões mais expostas aos efeitos das mudanças
climáticas. “O processo desordenado de ocupação gerou grande vulnerabilidade”,
pontua Nobre. Há algumas décadas, catástrofes provocadas por chuvas intensas,
por exemplo, eram registradas a cada dez anos. Atualmente, são de dois a três
episódios por ano.
Outro impacto muito
sério apontado por Nobre é a tendência de haver menos água disponível na região
semiárida do Nordeste. “Essa é a região semiárida mais populosa do mundo. Vai
faltar água para o abastecimento humano. Agricultura vai se tornar menos
provável no futuro.” A região, marcada pela seca, já sofre especialmente com a
falta de chuva dos últimos dois anos.
Se globalmente não
houver uma rápida redução dos gases, a região da América do Sul deve ser uma
das mais afetadas do mundo – a grande biodiversidade, principalmente da
Amazônia, corre um sério risco. “Até 40% das espécies podem não conseguir
sobreviver”, comenta nobre. A equação é intangível: ainda não existem estudos
que quantifiquem economicamente o que o desaparecimento de espécies
significaria.
No Cerrado as chuvas
devem diminuir 45 %
Aumento do nível do
mar
Além dessas mudanças,
também já foram identificadas a elevação do nível do mar, alterações nas características
das massas de água do oceano e aumento da salinidade em alguns locais.
“O nível do mar está
aumentando e variações de 20 a 30 cm esperadas para o final do século 21 já
devem ser atingidas, em algumas localidades, até meados do século ou até antes
disso”, aponta o estudo.
No Brasil, essa
alteração vem sendo reportada pela comunidade científica desde o final dos anos
1980. A intensificação do processo erosivo na costa brasileira na última década
é consequência, além da mudança dos padrões de ventos e ondas, também dessa
elevação.
O principal vilão do
aquecimento global são as emissões de gases de efeito estufa. As maiores fontes
de emissão no país são o desmatamento da Amazônia – apesar das reduções
significativas nos últimos anos –, o setor agropecuário, a indústria e o setor
de transporte com a queima de combustíveis fósseis.
“Colcha de retalhos”
Para o coordenador do
Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil, Carlos Rittl, o país
ainda não desenvolveu uma política integrada para enfrentar o tema. “Apesar de
algum progresso nos últimos anos, a agenda climática do Brasil ainda é marginal
e não integrada aos grandes planos de desenvolvimento do país,” afirma Rittl.
A organização
ambiental critica a destinação dos investimentos do setor de energia: cerca de
700 bilhões de reais vão para os combustíveis fósseis, ou seja, 70% do total
destinado ao setor. Desta forma, o país desperdiçaria o grande potencial das
fontes renováveis de baixo impacto, como a eólica, solar, biomassa e
biocombustíveis, argumenta o WWF.
Outra contradição
vista pelo grupo é o investimento de mais de 107 bilhões de reais para produção
agrícola e expansão agropecuária, setor que liderou o ranking de emissões do
país em 2010, responsável por 35% do total. “Além de representar imensa pressão
sobre as florestas nativas do país”, adiciona.
Falta coerência, na
opinião do WWF Brasil. Governos e instituições financeiras têm que aumentar os
seus investimentos em energia renovável e sustentável e, aos poucos, devem
eliminar os gastos em combustíveis fósseis. “O Brasil precisa seguir o mesmo
caminho. E não é o que está acontecendo até agora,” conclui Rittl. (EcoDebate)
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