Pensar diferentemente. Por uma ecologia da civilização
planetária
“Um certo modelo de
sociedade de consumo acabou. Agora, o único caminho para a abundância é a
frugalidade, pois permite satisfazer todas as necessidades sem criar pobreza e
infelicidade”. É a tese provocadora de Serge Latouche, professor emérito de
ciências econômicas da Universidade de Paris- Sud, universalmente conhecido
como o profeta do decrescimento feliz.
O paladino do novo
pensamento crítico que não dá descontos nem para a direita nem para a esquerda
será o protagonista do congresso internacional Pensar diferentemente. Por uma
ecologia da civilização planetária, Pensar diferentemente. Por uma ecologia da
civilização planetária, organizado pelo Polo de Ciências Humanas da
Universidade Federico II.
A turnê italiana do
economista herege coincide com o lançamento do seu novo livro Per um’abbondanza
frugale, Malintesi e controversie sulla decrescita (Bollati Boringhieri). Uma
feroz acusação contra a ilusão do desenvolvimento infinito. Contra a catástrofe
produzida pela bulimia consumista.
O que é a abundância
frugal? Dito assim, parece um oxímoro.
Eu falo de
“abundância” no sentido atribuído à palavra pelo grande antropólogo
norte-americano Marshall Sahlins no seu livro Economia da
Idade da Pedra. Sahlins demonstra que a única sociedade da abundância da
história humana foi a do paleolítico, porque então os homens tinham poucas
necessidades e podiam satisfazer todas elas com apenas duas ou três horas de
atividade por dia. O resto do tempo era dedicado ao jogo, à festa, ao estar
juntos.
Quer dizer que não é
o consumo que faz a abundância?
Na realidade,
precisamente por ser uma sociedade de consumo, a nossa sociedade não pode ser
uma sociedade de abundância. Para consumir, deve-se criar uma insatisfação
permanente. E a publicidade serve justamente para nos deixar descontentes com o
que temos para nos fazer desejar o que não temos. A sua missão é nos fazer
sentir perenemente frustrados. Os grandes publicitários gostam de repetir que
uma sociedade feliz não consome. Eu acredito que pode haver modelos diferentes.
Por exemplo, eu não defendo a austeridade, mas sim a solidariedade, esse é o
meu conceito-chave. Que também prevê o controle dos mercados e o crescimento do
bem-estar.
Por que o
senhor define Joseph Stiglitz como uma alma bonita?
Stiglitz ficou na concepção keynesiana que funcionava
bem nos anos 1930, mas que hoje, também por causa da exploração excessiva dos
recursos naturais, me parece impraticável. No pós-guerra o Ocidente passou
por um aumento do bem-estar sem precedentes, baseado principalmente no petróleo
barato. Mas ainda nos 1970 o crescimento já era fictício. Certamente, o PIB
aumentava, mas graças à especulação imobiliária e financeira. Uma idade do ouro
que não voltará mais.
É também o
caso da Itália?
Certamente, o boom
econômico italiano do pós-guerra se deve principalmente a personagens como
Enrico Mattei, que conseguiu dar ao seu país o petróleo que não tinha. Foi um
verdadeiro milagre. E os milagres não se repetem.
Os
sacrifícios que os governos europeus, incluindo o italiano, estão pedindo aos
cidadãos servirão para alguma coisa?
Infelizmente, os
governos muitas vezes são incapazes de sair do velho software econômico. E
então tentam a todo custo prolongar a sua agonia, mas isso – eles o sabem bem –
nada mais faz do que criar deflação e recessão, agravando a situação até o
momento em que explodirá.
O senhor
define a sociedade ocidental como a mais heterônoma da história humana. Porém,
comumente, pensa-se que ela é aquela que garante o máximo de autonomia
democrática. Quem decide por nós?
De fato, estamos todos
submetidos à mão invisível do mercado. O exemplo da Grécia é
emblemático: o povo não tem o direito de decidir o seu destino, porque é o
mercado financeiro que escolhe por ele. Mais do que autônoma, a nossa sociedade
é individualista e egoísta, não criando sujeitos livres, mas sim consumidores
coagidos.
Qual o papel
do dom e da convivialidade na sociedade do decrescimento?
A alternativa ao
paradigma da sociedade de consumo, baseado no crescimento ilimitado, é uma
sociedade convivial, que não seja mais submissa à única lei do mercado. Que
destrói na raiz o sentimento do vínculo social que está na base de toda
sociedade. Como demonstrou o antropólogo Marcel Mauss, na origem da vida em
comum está o espírito do dom, a trilogia inseparável do dar, receber, trocar.
Devemos, portanto, recompor os fragmentos pós-modernos de socialidade usando
como cola a gratuidade, o antiutilitarismo. Nisso, eu concordo com os expoentes
italianos da economia da felicidade, como Luigino Bruni e Stefano Zamagni, que
se referem à grande lição da economia civil napolitana do século XVIII de
Antonio Genovesi.
O capitalismo
é o último pugilista que ficou em pé no ringue da história?
Não sei se é ele é
realmente o último pugilista, porque nunca sabe no que ele é capaz de se
transformar. Há cenários ainda piores, como o ecofascismo dos neoconservadores
norte-americanos. O que é certo é que estamos em uma reviravolta na história.
Se antes se dizia “ou socialismo ou barbárie”, hoje eu diria “ou barbárie ou
decrescimento”. É preciso um projeto ecossocialista. É tempo de que os homens
de boa vontade se tornem objetores do crescimento.
Francis
Fukuyama reafirmou recentemente que o modelo liberal-capitalista continua sendo
o horizonte único da história. Sem alternativas. O que o senhor pensa a respeito?
Que ele é um grande
cara de pau. Antes, ele havia se equivocado totalmente sobre o fim da história
e hoje repropõe a mesma história. A sua profecia foi esvaziada pela tragédia do
11 de setembro, que demonstrou que a história não estava em nada acabada.
Fukuyama chama de fim da história aquele que é simplesmente o
fim do modelo liberal capitalista.
Para aqueles
que dizem que a abundância frugal é uma utopia, o senhor responde que é uma
utopia concreta. Não é uma contradição em termos?
Não, porque, para
mim, a utopia concreta não significa algo irrealizável, mas sim o sonho de uma
realidade possível. De um novo contrato social. Abundância frugal em uma
sociedade solidária. Cabe a nós querê-lo. (EcoDebate)
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