Embora a expansão produtiva seja essencial num mundo que terá 9 bilhões
de pessoas em 2050, ela não basta para vencer a batalha da fome.
Não há bala de prata para vencer a fome que enreda as vidas
de 840 milhões de pessoas no planeta. A insegurança alimentar que a reproduz
não é um alvo estático, mas um processo. Equacioná-la requer idêntica
abrangência e dinamismo.
Esse discernimento é essencial diante de um desafio que se
transforma sob impulsos variados, que vão desde legados estruturais de
injustiça a eventos extremos, cada vez mais frequentes, de natureza ambiental,
econômica ou especulativa.
Todos os recursos são bem-vindos na luta contra a fome; mas
a tecnologia essencial é o compromisso político com a sua erradicação. Sem esse
passaporte, dificilmente o futuro escapará de reproduzir as iniquidades do
passado.
Subtrair espaços à incerteza que interliga o carrossel
perverso requer uma agenda de capacitação de governos e de atores sociais, além
de ferramentas específicas, de protagonismo público e privado, e legislações
que salvaguardem os avanços na forma de políticas de Estado duradouras.
Embora a expansão produtiva seja imprescindível num mundo
que terá 9 bilhões de bocas a alimentar em 2050, ela não basta para vencer a
batalha da fome. Essa é uma guerra marcada sobretudo pelo desafio do acesso e
da qualificação produtiva. Mantidas as tendências atuais, será preciso aumentar
a produção em 60% para atender à demanda mundial em 2050 - ainda assim cerca de
300 milhões de pessoas continuarão excluídas do direito à alimentação se não
superarmos as barreiras de acesso.
O voluntarismo, que acredita ser suficiente dar liberdade à
oferta para saciar a demanda, esbarra nesse cenário desconcertante em que a
fome perfila ao lado da fertilidade à espera de políticas públicas que as
reconcilie.
Reverter esses paradoxos requer uma ação em diversas
frentes. A agricultura familiar é um dos ativos estratégicos nessa travessia.
Dois dados resumem seu potencial irradiador: cerca de 70% das pessoas em situação
de insegurança alimentar vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento,
e 450 milhões de agricultores familiares - 85% do total nessa categoria - têm
como principal recurso produtivo a sua própria força de trabalho. Acudir
simultaneamente a urgência, por meio da transferência de recursos, e atacar a
dimensão estrutural do problema, vinculando o lado produtivo com o social, foi
o que fez do caso brasileiro um êxito reconhecido, a ponto de propiciar as
bases para uma meta ainda mais ousada, o "Brasil Sem Miséria", e
transformar o programa brasileiro de segurança alimentar, o "Fome
Zero", em política referencial no mundo em desenvolvimento.
Nada mais ilustrativo que a amarração de diversas ações do
que as compras locais da agricultura familiar para abastecer a alimentação
escolar. Compare-se com a alternativa convencional, que durante muito tempo
predominou em países pobres e em desenvolvimento, a chamada ajuda alimentar
vinculada a importações subsidiadas de excedentes dos celeiros ricos. Frequentemente,
seu efeito foi oposto ao benefício prometido. Em muitos países a dependência
externa do abastecimento a preços deprimidos tornou inviável o cultivo local,
acentuou o êxodo rural, inchou periferias miseráveis e amplificou a fome em vez
de combatê-la. No entanto, dezenas de países mostram que há alternativas. Cerca
de 60 países em desenvolvimento já alcançaram a Meta do Milênio, de reduzir
pela metade a proporção de pessoas subnutridas. O Brasil é um deles e inspira
outros países na luta contra a fome.
O papel da FAO é apoiá-los nessa caminhada. Para fazê-lo, a
organização enfoca suas ações em torno de cinco objetivos que, juntos, ajudarão
países a transformar o sonho da segurança alimentar em realidade: o
fortalecimento do compromisso político contra a fome; o uso sustentável dos
recursos naturais, a redução da pobreza rural, a facilitação de sistemas de
alimentação mais eficientes e inclusivos, e o aumento da resiliência de
comunidades rurais a choques externos. O desafio é grande, mas a esperança e as
possibilidades também, com a consolidação do apoio à agricultura familiar e o
fortalecimento da proteção social como linha de passagem para o crescimento
sustentável e inclusivo das nações em desenvolvimento. (OESP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário