quinta-feira, 17 de abril de 2014

Cantareira pode levar 15 anos para se recuperar

Sem racionamento de água, Cantareira pode levar 15 anos para se recuperar
Uso de volume morto pode causar crise ambiental e dificultar recuperação do sistema que abastece 8 milhões de pessoas.
Agência Nacional de Águas quer que Rio e São Paulo cheguem a consenso sobre gestão de suas águas
O uso do chamado “volume morto”, ou reserva técnica, pode levar ao colapso o sistema Cantareira, responsável por levar água para oito milhões de pessoas na Grande São Paulo e interior. Especialistas consultados pelo iG preveem um desastre ambiental com a decisão do governo do Estado de iniciar a retirada de 400 milhões de metros cúbicos da água que fica abaixo do sistema de captação dos reservatórios.
As obras para extrair a água subterrânea – orçadas em R$ 80 milhões – começaram no dia 17 de março nas represas de Nazaré Paulista e Joanópolis. “Se a seca se repetir no próximo ano e o governo optar apenas pelo uso do volume morto, a Cantareira vai entrar em colapso e demorar de dez a 15 anos para se recuperar”, aposta José Cezar Saad, coordenador de projetos do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), uma associação de indústrias, prefeituras e entidades de 43 municípios. “O racionamento deveria ter começado há um mês e precisaria atingir 50% da água consumida pelos paulistas.”
Inaugurado em 1973, o reservatório do sistema Cantareira precisou de 10 anos para encher em uma época em que a população da capital e cidades vizinhas girava em torno de 4,8 milhões de pessoas. “No regime típico de chuvas, foram necessários mais 10 anos para a Cantareira subir 20%. No ano 2000, os reservatórios estavam com 80% do volume útil e só chegou a 100% em 2010. Agora imagina quanto tempo vai demorar se a seca se mantiver e ainda secarmos a água do volume morto.” 
Sistema Cantareira tem o menor nível em duas décadas
De acordo com as contas do consórcio, 280 milhões de metros cúbicos do volume terão sido consumidos até o final do ano se metade da água consumida pelos paulistas não for economizada. Pior: se a chuva esperada não cair e 90% do volume morto forem consumidos, o reservatório entra em crise. “Para encher, será preciso parar de abastecer a região de São Paulo e liberar o mínimo possível para os leitos, e, ainda assim, vai depender muito do regime de chuvas”, prevê Saad. “Nós do consórcio sugerimos uma economia de 30% a 50% do consumo, e então chegaremos a outubro sem precisar usar o volume morto.”
Essa é uma das maiores preocupações da bióloga Silvia Regina Gobbo, da Universidade Metodista de Piracicaba. “Talvez a tentativa de usar esse volume seja porque não exista um plano emergencial de racionamento. Mas e se acabar o volume morto e não chover o necessário?”
A bióloga lembra que, quando o sistema entrou em operação, muitas espécies desapareceram com a transformação de rios em lagos. “A utilização do volume morto pode ocasionar uma nova crise ecológica porque a retirada dessa água afeta toda a cadeia ecológica”.
“Com menos água, o ambiente tem menor capacidade de manter populações de peixe, principalmente agora, final da piracema, o período de reprodução. A competição por espaço, alimento e oxigênio aumenta. O próprio esgotamento do sistema é um impacto ecológico sem tamanho e vai levar anos para se recuperar.”
Sedimentos
De acordo com Silvia, os paulistas também terão de consumir água de baixa qualidade, já que o líquido do volume morto fica em contato com 40 anos de sedimentos que se acumularam no fundo do Sistema. “Enquanto o reservatório estava cheio, os metais pesados e poluentes foram para o fundo e se juntaram ao lodo. Ao explorar essa água perto do chão, a própria sucção revolve esse sedimento e libera esses poluentes, tanto orgânicos (como restos de peixes mortos) como resíduos de agrotóxicos utilizados em plantações no entorno das represas que formam o sistema.”
Ela faz uma comparação com um copo de água com terra. “Depois de um tempo, o sólido se deposita no fundo. Ao chegar ao fim do copo, a chance de recolher água suja é maior. A água captada do volume vai precisar passar por tanques de decantação, encarecendo seu tratamento.”
Eleições
Saad acredita que a decisão de evitar o racionamento tenha sido tomada com vistas na eleição estadual deste ano. “Essa escolha, que é técnica, está sendo política. Mesmo que a economia de água girasse em torno de 35%, seria possível consumir algo em torno de 16% do volume morto.” Para a bióloga, “é preferível que seja má gestão e falta de um plano de emergência do que uma decisão relacionada à campanha política”. “No final das contas, os prejuízos serão arcados por quem estiver no comando do Estado no ano que vem.”
Procurada pelo iG para discutir a opção de usar o volume morto antes do racionamento, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) - companhia que administra o sistema Cantareira - não respondeu até o fechamento da reportagem. Em 15/04/14 a Cantareira tinha apenas 12% do volume de água.
No começo do mês, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, afirmou que as projeções da empresa apontam segurança no abastecimento de água, sem necessidade de rodízio, até o final do ano, “considerando o pior cenário de chuvas e a utilização da reserva técnica (volume morto)”. (ig)

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