Nestes 39 anos como
agrônomo na Amazônia, convivendo diretamente com os pequenos agricultores
familiares, constatei mudanças radicais no hábito alimentar do meio rural,
mesmo por que muitas vezes a convite, me alimentei em suas residências, quando
da realização de algum evento de campo. Ao longo desse período, a alimentação
desses agricultores mudou drasticamente em função da pressão sobre o meio
ambiente, conjuntura econômica e indução dos programas sociais em que são
beneficiários.
Na década de 70, os
agricultores familiares cultivavam como culturas alimentares em seus roçados a
mandioca, macaxeira, arroz, feijão, milho, jerimum, maxixe, quiabo e umas
poucas verduras em hortas suspensas, denominadas de chicória e alfavaca para
comer com peixes, além da pimenta de cheiro. Alimentos a base de proteínas não
eram abundantes e a carne charqueada predominava na alimentação, acompanhada de
farinha de mandioca, arroz, feijão com abóbora e maxixe.
Eventualmente a
refeição variava com carne em conserva ou sardinha em lata, únicos produtos
industrializados que chegavam ao campo, até por que não haviam geladeiras para
a conservação dos alimentos no meio rural. Aves e ovos só para os que mantinham
pequenas criações no terreiro, alimentadas com milho da variedade crioula
conhecida como “Pontinha” muito cultivada no passado. O consumo de peixes era
mais frequente para os agricultores que residiam às de margem de rios, lagos e
igarapés. A alimentação a base da caça de animais silvestres era mais rara,
porém praticada pelos agricultores do entorno de áreas florestadas, pois a
legislação ainda não era tão restritiva.
Não havia abundância,
mas também não havia fome. Recordo-me de uma chegada à residência de um
agricultor ribeirinho da foz do Rio Pedreiras no Amapá ao cair da tarde.
Enquanto me recuperava da viagem cansativa com um banho de rio, ele me disse
que iria “tarrafear” uns peixes para nosso jantar. Em menos de meia hora o
agricultor retorna com uma cambada de pescadas, que sua esposa nos ofereceu em
uma caldeirada deliciosa, apreciada somente com uma farinha torrada, limão e
pimenta de cheiro.
Nessa época os
agricultores tinham mais autonomia sobre suas dietas alimentares, por que
armazenavam de uma safra para outra, sementes de arroz, milho, feijão, jerimum,
maxixe e outras culturas. No consumo de proteínas, além da criação de pequenos
animais, tinham a complementação com o que a natureza lhes oferecia como caça e
pesca, em consequência de um meio ambiente mais equilibrado.
Hoje com a
urbanização das pequenas comunidades rurais, aumento da população, redução das
áreas de cultivo, penetração dos veículos de comunicação como a TV no meio
rural, maior logística de distribuição de alimentos industrializados e
socialização dos programas de distribuição de renda, houve mudança de hábitos
alimentares. Os pequenos agricultores estão optando por consumir alimentos
industrializados. Refrigerantes, mortadelas de frango, biscoitos, massas,
margarinas, ovos de granjas e frangos congelados são os alimentos mais
preferidos, adquiridos facilmente nos pequenos mercados de suas comunidades.
A obesidade,
hipertensão e diabetes passaram a ser também problemas de saúde púbica no
campo, menos frequente em décadas anteriores, quando a alimentação era mais
natural. A segurança alimentar
também ficou comprometida à medida que esses agricultores familiares passaram a
depender, quase que exclusivamente, de uma alimentação adquirida no mercado,
alguns deixando de plantar até a mandioca, a cultura mais tradicional da
Amazônia. Em situação mais grave se encontram aqueles que não são beneficiários
dos programas de distribuição de renda, cujos especialistas no assunto afirmam
ser 16 milhões abaixo da linha de pobreza em todo o Brasil.
Para reverter esse
quadro, mais desafios se apresentam para a pesquisa e extensão rural na
Amazônia: a retomada da prospecção, seleção, multiplicação e fomento de
sementes crioulas já adaptadas às condições de acidez e baixa fertilidade dos
solos tropicais, a diversificação de culturas e a reeducação alimentar dos
agricultores familiares, como programas de difusão no campo, visando elevar a
segurança alimentar na região. (ecodebate)
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