TechNo Fix’: por que a tecnologia (sozinha) não é capaz de
salvar o meio ambiente?
A ecologia não é apenas a preocupação com as energias
renováveis.
Ela propõe também mudança de mentalidade, de vida.
Estamos em uma sociedade
tecnofílica. A tecnologia dita o ritmo de vida das pessoas dentro de casa, no
transporte, no trabalho, no lazer, etc. Nos últimos 200 anos – um mero pontinho
na escala de tempo geológico – o mundo testemunhou um crescimento econômico
exponencial e incríveis avanços científicos e tecnológicos. O crescimento da
civilização humana deve muito à incorporação do progresso técnico. Mas a
relação com o meio ambiente é mais complexa.
Entre o ano 1 da Era Cristã e o ano
de 1800 a população mundial passou de cerca de 225 milhões de habitantes para 1
bilhão de habitantes, um crescimento de 4,4 vezes. No mesmo período a economia
mundial cresceu 5,8 vezes, segundo dados de Angus Maddison. Em 1800 anos, o
crescimento da renda per capita foi de apenas 30%. Todavia, com o início da
Revolução Industrial e Energética houve um impressionante crescimento da
população e da economia. A população mundial passou de 1 bilhão de habitantes
em 1800 para 7 bilhões em 2011, um crescimento de 7 vezes. No mesmo período a
economia internacional cresceu 90 vezes (segundo Angus Maddison). Isto quer
dizer que houve um espetacular crescimento da renda per capita dos habitantes
do mundo. Ou seja, em 211 anos a renda per capita cresceu 13 vezes, enquanto
nos 1800 anos anteriores tinha crescido apenas 1,3 vezes.
As ideias iluministas de progresso
foram colocadas em prática, mas na forma concreta de uma sociedade de consumo
de massa. A ciência e a tecnologia, ajudadas pelos combustíveis fósseis,
possibilitaram grandes transformações sociais e econômicas nos últimos 200
anos. Mas se houve ganhos, também houve grandes danos ambientais com o avanço
da civilização. Mary Shelley foi uma das primeiras pessoas a questionar o
otimismo do pensamento iluminista, quando escreveu o livro: “Frankenstein, o Prometeu Moderno”,
publicado em 1818. Ela sugeriu que a tecnologia, em vez de criar o “homem
novo”, poderia criar um monstro.
Autores como John Gray e James
Lovelock consideram que o poder da tecnologia e dos avanços da racionalidade
humana tem servido apenas para aumentar o poder do ser humano sobre o planeta à
custa da degradação ambiental e da redução da biodiversidade. Em entrevista à
revista Época, Gray (2006) apresentou um prognóstico pessimista sobre o futuro
da humanidade: “A espécie humana
expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma
praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O
processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é
inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com
desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do
homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”. Jonh Gray
expressa sua descrença na tecnologia e no progresso humano no livro “The
Silence of Animals: On Progress and Other Modern Myths” (Farrar, Straus &
Giroux, 2013).
Enquanto algumas pessoas acham que
a tecnologia, como os satélites, controlam tudo que acontece no mundo, outros
mostram que a capacidade tecnológica é limitada, pois um objeto tão grande como
o avião da Malaysia Airlines desaparecido com 239 pessoas, em abril de 2014,
não foi encontrado, embora inúmeros países tenham utilizado a tecnologia mais
moderna na busca.
Sem dúvida, alguns estudiosos veem
a tecnologia como uma salvação, enquanto outros a veem como uma danação.
Michael and Joyce Huesemann, no livro: “Techno-Fix: Why Technology Won’t Save
Us or the Environment” alertam que a nossa confiança na tecnologia e na crença
de que ela vai nos salvar é “suicida” e que muitas das nossas invenções estão
causando mais mal do que bem.
Michael Huesemann diz no livro que
não odeia tecnologia, mas quer que ela seja usada para algo bom para as pessoas
e o meio ambiente: “Precisamos mudar a
ciência e a tecnologia em uma nova direção , porque os nossos melhores
cientistas estão ocupados construindo instrumentos e armas mais poderosas para
aumentar os lucros das empresas, enquanto apenas uma fração muito pequena é
dedicada à solução de problemas ambientais. O governo dos Estados Unidos gasta US
$70 a 80 bilhões por ano para pesquisa militar e de defesa nacional, em
comparação com cerca de US $ 2 bilhões para a pesquisa ambiental“.
Ele diz que, em vez de abordar as
causas dos nossos problemas, as empresas usam o “techno-fix”, apenas para
tratar os sintomas, como o plano das empresas petrolíferas para começar a
bombear CO2 para o chão. Além do mais, tecno-correções sempre podem ter
consequências inesperadas, o que significa que precisamos de chegar a um novo
techno-fix para resolver os problemas criados a partir de nossa última
techno-fix .
Para Huesemann, a solução é
simples: converter inteiramente a matriz energética para fontes renováveis,
utilizar apenas materiais sustentáveis,
reciclar tudo, não produzir
resíduos tóxicos, mas apenas biodegradáveis e
mudar nosso padrão de produção e consumo que tem causado tantos danos ao meio
ambiente.
Se a tecnologia for usada apenas
para aumentar a eficiência econômica e incentivar o consumo então cairíamos no
Paradoxo de Jevons (ou efeito bumerangue – rebound effect), que é uma expressão
usada para descrever o fato de que o aperfeiçoamento tecnológico ao aumentar a
eficiência com a qual se usa um recurso ou se produz um bem econômico, o mais
provável é que aumente a demanda desse recurso ou produto. Este fenômeno foi
observado pelo economista britânico William Stanley Jevons (1835-1882), que escreveu em 1865 o livro “O
Problema do Carvão”, observando que os motores mais eficientes da Revolução
Industrial em vez de reduzir, aumentaram o uso total do carvão: “É um completo engano supor que um uso mais
eficiente dos combustíveis implicará numa redução do seu consumo. A verdade é
precisamente o oposto”.
Desta forma, podemos perceber que os avanços tecnológicos podem ser
um grande instrumento de libertação e bem-estar, mas também podem se tornar
fontes de exploração e alienação, especialmente quando reforçam o monopólio da
ciência e tecnologia nas mãos de poucos atores econômicos. Aumentos na
eficiência energética e produtiva só contribuem para o avanço do processo civilizatório
quando estiverem a serviço do conjunto da população, dos demais seres vivos do
Planeta e da melhoria da qualidade de vida da Terra. (ecodebate)
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