Poluição do ar: Paris e Londres reagem – e São Paulo o que faz?
Vítima de condições meteorológicas desfavoráveis e dos
ambientalmente negativos incentivos governamentais aos automóveis a diesel, a
cidade luz, bem como outras cidades da França, presenciaram um dos piores
patamares de qualidade do ar em sua história em meados de março deste ano. O poluente material particulado MP10
(partículas de poeira fina de diâmetro de 10 milésimos de milímetro e menores)
alcançou picos de até de 180 µg/m³, quase quatro vezes o padrão diário de
qualidade de ar de 50 µg/m³ (maior média das últimas 24 horas do dia)
estabelecido pela Organização Mundial de Saúde. Esses níveis são considerados
perigosos pelas autoridades francesas e pela legislação ambiental e de saúde
local. A lei francesa estabelece que o “Alerta” seja deflagrado quando a média
diária supera 80 µg/m³. No Brasil, por razões inexplicáveis, o “Alerta” deve
ser deflagrado quando a média diária supera 420 µg/m³, segundo a regulamentação
nacional da década de 90; e também segundo Decreto do Estado de São Paulo, do
ano passado – em detrimento dos últimos 25 anos de progresso científico no
campo dos estudos dos efeitos da poluição.
Quase não se enxergava a imponente torre Eiffel nas manhãs
ensolaradas. Ao observar a estabilidade meteorológica no período e médias
diárias de cerca de 110 µg/m³, o governo deflagrou medidas de emergência,
preventivas e protetoras, decretando o “Alerta” à população. Solicitou que os habitantes da Île-de-France
não saíssem de carro, e se possível, não saíssem de casa; implementou o rodízio
de 50% dos veículos a cada dia, inclusive motos, jogou luz sobre a importância crítica da
inspeção veicular bem feita e isentou o transporte público de pagamento, entre
outras ações, devido à elevação do risco de morte da população mais vulnerável
– bebês, crianças, portadores de doenças cardiorrespiratórias prévias e os
cidadãos parisienses mais velhos.
O episódio francês se assemelha aos observados aqui em São Paulo
em certos dias de inverno ensolarados com inversão térmica e tempo seco, sem
ventos. Um bom exemplo para comparação é o episódio de agosto de 2010: um
evento meteorológico extremo com onze dias consecutivos de umidade relativa do
ar abaixo de 30%, quando a média diária do MP10 superou, durante dias seguidos,
os 100 µg/m³ em diversas estações de monitoramento. No Ibirapuera, por exemplo,
em 25 de agosto, atingiu-se a média diária de 165 µg/m³ e o valor máximo de 260
µg/m³, conforme reportado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
(Cetesb) e mostrado no gráfico abaixo.
No entanto, mesmo com esses
níveis altíssimos de contaminação, as rigorosas e necessárias medidas
preventivas e protetoras, bem como um vigoroso alerta à população, não foram
estabelecidos em caráter emergencial, dada a estrita aplicação da letra da
(desatualizada) lei brasileira. Apenas algumas medidas foram recomendadas, mas
sem maior ênfase na estratégia de comunicação pública oficial. Pelo contrário,
em discreta nota à imprensa, as autoridades ambientais sugeriram que a situação
era comum nesta época do ano e estava sob controle, não havendo necessidade de
medidas mais drásticas que objetivassem evitar iminentes riscos à saúde da
população.
Mas, comprovadamente, os riscos
iminentes à saúde da população de fato ocorreram, pelo menos em cidadãos
paulistanos idosos, como demonstraram Coelho Zanotti e colaboradores, em estudo
realizado na Faculdade de Medicina da USP, com autópsias feitas durante esta
mesma semana, demonstrando aumento significativo de mortes por doenças
cardiovasculares associadas à baixa umidade do ar e aos níveis de particulados
elevados. Além desse estudo, a literatura científica mundial, inclusive
nacional, está repleta de artigos que exaustivamente descrevem e alertam para
tais fatos há muitos anos.
A poluição do ar é a primeira
causa ambiental de morte e adoecimento no mundo. A Organização Mundial da Saúde
publicou, na semana passada, os resultados de seus estudos mais recentes
indicando 2,6 milhões de mortes prematuras anuais em todo mundo, decorrente da
contaminação atmosférica. Só na Região Metropolitana de São Paulo são cerca de
8 mil mortes e no Estado de São Paulo 18 mil, todos os anos, devido aos
particulados, atestados na pesquisa inédita do Instituto Saúde e
Sustentabilidade em 2013.
No início de abril foi a vez de
Londres, surpreendida por grandes quantidades de poeira trazida por correntes
atmosféricas vindas do Sahara. A poeira fina foi adicionada às emissões
regionais continentais e às locais de material particulado fino dos (também lá)
incentivados veículos a diesel, e de outras fontes industriais e domésticas.
Com tudo isso, e com condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão, uma
névoa espessa escondeu o Big Ben e as outras maravilhas de uma das cidades mais
impressionantes do planeta. O nível de contaminação de particulados atingiu
concentrações médias diárias de PM10 superiores a 100 µg/m³ (nível 10 – o
máximo). A imediata reação das autoridades londrinas foi semelhante à que
ocorreu em Paris, com maior ênfase na recomendação de evitar atividades
externas e deslocamentos motorizados, e um forte apelo para que as empresas
adotassem o tele trabalho, como fizeram com sucesso durante as Olimpíadas, a
fim de descarregar a malha de transportes. Londres ainda é a campeã europeia de
contaminação por dióxido de nitrogênio, um dos precursores da formação de
ozônio, que é tóxico e crítico; o composto de nitrogênio também é emitido
predominantemente pelos automóveis e demais veículos a diesel. Na Grã Bretanha,
segundo o The Guardian, seis em cada dez automóveis comercializados são movidos
a diesel – cujas emissões são cancerígenas, o que piora bastante os riscos da
poluição.
As reações aos episódios de Paris
e Londres constituem modelos didáticos de ética, transparência e
responsabilidade em defesa da saúde da sociedade. As autoridades europeias
também nos alertam sobre a urgência dos programas de retrofit – instalação de
filtros nos diesel pesados usados mais poluentes – bem como da adequação dos
ultra lenientes padrões de qualidade do ar brasileiros, que, só depois muita
insistência da sociedade civil organizada, entraram na agenda do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além disso, elas fazem lembrar a intrigante
paralisia das nossas autoridades, quando se trata de cumprir compromissos
ambientais – prioritários – de sua própria lavra, como as ações de redução da
demanda por transporte individual motorizado, previstas nos regulamentos e
planos oficiais de controle da poluição veicular, local e global, e,
especialmente, o programa estadual de inspeção das emissões dos veículos em
circulação, historicamente abandonado (desde 1993) ao último plano por temores
eleitorais fantasiosos. (ecodebate)
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