Mudanças climáticas, acordo EUA-China, COP-21 e o Paradoxo
de Giddens
A Conferência do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Rio 1992, adotou o chamado “Princípio
da Precaução” definido como: “Para que o ambiente seja protegido, serão
aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas
preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será
utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de
medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”.
Desta forma, naquela época,
mesmo ainda não estando totalmente claro o processo de aquecimento global, a
Conferência do Rio forneceu instrumentos para mitigar as mudanças climáticas.
Foi criada a Conferência Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas
visando a estabilização da concentração de gases do efeito estufa (GEE) na
atmosfera. Ficou decidido que os 194 países-membros da Convenção do Clima se
reuniriam anualmente nas reuniões chamadas Conferência das Partes (COP) para
deliberar sobre as ações em defesa da atmosfera terrestre.
Na COP-3, ocorrida na cidade
de Kyoto, em 1997, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que estabelecia metas
para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2012. Com base
na ideia das “Responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, foi estabelecido
que os países desenvolvidos deveriam arcar com as maiores responsabilidades na
redução de GEE e na transferência de recursos aos países em desenvolvimento.
Porém, os Estados Unidos não
ratificaram o documento, com a alegação de que isto prejudicaria o crescimento
econômico nacional. Já a China, como país em desenvolvimento, não tinha
obrigações de corte de emissões. Portanto, os dois maiores poluidores do mundo
ficaram livres para continuar poluindo o Planeta e as emissões globais de
dióxido de carbono, pela queima de combustíveis fósseis, passaram de 23 bilhões
de toneladas em 1992 para 36 bilhões de toneladas em 2013. Neste sentido, o
Protocolo de Kyoto pode ser considerado um fracasso.
Além disto, houve um
deslocamento geográfico da origem das emissões, com o “Norte Global” diminuindo
participação relativa e o “Sul Global” aumentando suas emissões absolutas e
relativas. Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Japão reduziram a
percentagem de emissões, enquanto China, Índia e o resto do Terceiro Mundo
aumentaram suas cargas de poluição. O caso da China é impressionante, pois
subiu de 11% das emissões globais para 26% (mais do que a soma de Estados
Unidos e União Europeia). Estados Unidos e China respondem por 40% das emissões
globais de dióxido de carbono (CO2).
Neste contexto, um acordo
climático, conforme anunciado em 11/11/14, entre os dois gigantes da poluição
mundial é uma notícia auspiciosa no sentido de tentar evitar uma a catástrofe
climática.
No acerto sino-americano,
assinado em Pequim pelos presidentes Barack Obama e Xi Jinping, os Estados
Unidos se comprometem a diminuir suas emissões entre 26% e 27% até 2025, em
relação aos níveis de 2005, ampliando a proposta de redução para além da meta
de 17% até 2020 feita anteriormente. A China se comprometeu a começar a redução
de emissões a partir de 2030 – podendo, inclusive, antecipar esta data – e ter
20% de energia limpa em sua matriz energética no mesmo ano. Xi Jiping,
presidente chinês, afirmou que o país instalará até 1.000 GW (gigawatt) de energias
limpas até 2030.
Se olharmos para a falta de
resultados concretos das negociações anuais da Convenção do Clima (adotada na
Rio/92), o acordo EUA-China apresenta um avanço e pode ajudar no processo de
negociação da 20ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas – COP20 que vai acontecer entre os dias 01 e 12 de
dezembro de 2014, em Lima, Peru.
Não resta dúvidas que as duas
superpotências da degradação ambiental dão sinais de preocupação com o possível
colapso climático e começam a buscar saídas. Enquanto isso, o Brasil vai na
direção contrária, pois destrói seus recursos hídricos, aumenta o desmatamento
e piora sua matriz energética, fazendo do petróleo (do pré-sal) e das
hidrelétricas na Amazônia a alternativa para a continuidade do modelo econômico
classificado como “desenvolvimentismo ecocida e antropocêntrico”.
Em artigo reproduzido no
jornal Folha de São Paulo, o economista keynesiano Paul Krugman disse sobre o
acordo: “O princípio que acaba de ser estabelecido é muito importante. Até
agora, aqueles de nós que argumentavam que era possível induzir a China a
aderir a um acordo internacional sobre o clima estavam apenas especulando.
Agora os chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar – e os
oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando sério”.
Krugman continua o argumento
favorável às negociações: “Eu sei, eu sei. A terminologia empregada pelos
chineses foi um tanto vaga, e os níveis de emissões pretendidos são muito mais
altos do que os especialistas em meio ambiente desejam. De fato, mesmo que o
acordo funcionasse exatamente como pretendido, o planeta ainda sofreria uma
alta extremamente prejudicial em sua temperatura. Mas considere a situação. Os
Estados Unidos não são exatamente o parceiro mais confiável nesse tipo de
negociação, já que grupos que negam a mudança no clima controlam o Congresso e
a única perspectiva de ação no futuro próximo, e talvez por muitos anos,
dependeria de decretos do Executivo. (Para não mencionar a possibilidade de que
o próximo presidente bem pode ser um inimigo do meio ambiente que reverteria
tudo que o presidente Barack Obama venha a fazer). Enquanto isso, a liderança
chinesa precisa lidar com os nacionalistas do país, que odeiam qualquer
sugestão de que o Ocidente dite políticas a uma nação recentemente transformada
em superpotência. Assim, o que temos aqui é mais uma declaração de princípios
do que uma formulação de futuras políticas. Mas o princípio que acaba de ser
estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de nós que argumentavam que
era possível induzir a China a aderir a um acordo internacional sobre o clima
estavam apenas especulando. Agora os chineses mesmos disseram que estão de fato
dispostos a negociar – e os oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles
não estão falando sério. Seria desnecessário dizer que não espero que os
suspeitos habituais reconheçam que uma grande porção do argumento dos
antiambientalistas acaba de desabar. Mas desabou. Esta foi uma boa semana para
o planeta”.
Esta longa citação do artigo
de Krugman serve para mostrar como é difícil encontrar um ponto de negociação
entre os Estados Unidos e a China e como é trabalhoso lidar com as oposições
políticas internas, mesmo para um acordo que é limitado em termos de deter o
aquecimento global no longo prazo. O caminho é cheio de sobressaltos.
De modo geral, o acordo foi
comemorado pelos ambientalistas. Segundo Joe Romm, do site Think Progress, o
novo acordo climático histórico entre EUA-China muda a trajetória das emissões
globais de poluição de carbono, aumentando muito as chances de um acordo global
na COP-21, em Paris, em 2015. O acordo poderá diminuir, cumulativamente, cerca
de 640 bilhões de toneladas de
emissões de CO2 do ar neste século. Quando se adiciona a recente decisão da
União Europeia (EU em inglês) de reduzir até 2030 as emissões totais em 40%
abaixo dos níveis de 1990, tem-se o compromisso dos países que representam mais
da metade de todas as emissões globais, o que, por sua vez, coloca pressão
sobre todos os demais países.
O compromisso chinês de
investir na geração de eletricidade livre de emissões de carbono também é uma
virada de jogo. Isto permitirá o crescimento exponencial das energias
renováveis (como solar e eólica) nas próximas décadas e o avanço do processo de
descarbonização. Mas este processo de mudança da matriz energética não está
livre de armadilhas como mostra Gail Tverberg (2014).
O acordo EUA-China aumenta
muito a chance de haver uma boa negociação para substituir o Protocolo de
Kyoto, viabilizando um caminho de menor emissões que podem estabilizar os
níveis de CO2 e manter o aquecimento
global perto de 2° C. Ele garante que a energia de menor carbono será a nova
fonte de energia dominante nas próximas décadas. Ainda segundo Romm, os
ativistas do clima certamente compartilham essa conquista, mas vão continuar em
vigilância contínua, pois as forças anticiência e os interesses da indústria
dos combustíveis fósseis já se alinharam contra ele e o caminho para a
estabilização real dos níveis de concentração de CO2 na atmosfera é muito longo.
De fato, nada está garantido
no sentido de mitigar o aquecimento global, pois o lobby dos interesses da
acumulação de lucros querem continuar com o processo de dominação e exploração
da natureza. Além disto, a maior parte da população mundial está mais
interessada em garantir acesso ao paraíso consumista do que em mudar o modelo
“desenvolvimentista ecocida e antropocêntrico”.
Historicamente as pessoas só
se mobilizam quando a “água bate no pescoço”, como diz o ditado popular. Esta
frase é uma maneira simples de se entender o “Paradoxo de Giddens”, que pode
ser resumido da seguinte maneira: como os perigos mais graves do aquecimento
global não são visíveis no dia a dia, embora possam levar a civilização ao
colapso, as pessoas não apoiam as ações necessárias para revertê-lo; mas,
esperar seus efeitos mais visíveis e sérios para então tomar uma atitude será
tarde demais.
As negociações entre EUA e
China e as declarações do G20 sobre a necessidade de mitigar o aquecimento
global são bem-vindas. Mas podem ser apenas uma forma que os governantes
encontram para procrastinar e adiar as ações verdadeiramente necessárias. Nada
garante, por exemplo, a efetividade da promessa da China de cortar as emissões
depois de 2030.
O Brasil prometeu reduzir a
poluição, mas as emissões brasileiras de gases de efeito estufa aumentaram 7,8%
em 2013 na comparação com o ano anterior, de acordo os dados do SEEG (Sistema
de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa), na contramão dos números
do Ministério da Ciência, que atualizou recentemente o Inventário Nacional. Até
agora, as promessas nacionais e internacionais são apenas intenções incapazes
de mudar o rumo que pode nos jogar na catástrofe climática.
Todavia, vamos torcer para
que as negociações internacionais sejam bem-sucedidas, que o Brasil reverta seu
processo de desmatamento e de dependência dos hidrocarbonetos e que as pessoas
não morram afogadas pelos efeitos das tempestades, furacões e elevação do nível
do mar e nem morram de sede e fome devido à crise hídrica, às queimadas, à
erosão dos solos e ao processo de desertificação. As catástrofes climáticas
podem ser potencializadas pelos eventos extremos provocados pelas mudanças
climáticas, causadas pelo aumento das atividades antrópicas danosas ao meio
ambiente, decorrentes do desenvolvimentismo demoeconômico que tem provocado um
holocausto biológico. (ecodebate)
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