As regiões Sudeste e Sul deveriam
ser regiões com clima semiárido, se não desértico, a exemplo de outras partes
do planeta em mesma latitude. No entanto elas são irrigadas sazonalmente pela
evapotranspiração da floresta amazônica. O site “Rios Voadores” caracteriza
muito bem como o vapor de água se distribui pelo país. De forma sintética, a
umidade do oceano avança pela planície amazônica e provoca chuvas, ao mesmo
tempo em que a própria evapotranspiração das árvores suga água do solo e a
devolve para a atmosfera. Porque a Amazônia brasileira tem relevo muito baixo,
o movimento de rotação da Terra arrasta a umidade até os contrafortes da Cordilheira
dos Andes, onde se acumulam. Não é à toa que a Amazônia colombiana é uma das
regiões mais chuvosas do planeta.
Na região da Bolívia, durante o
verão, forma-se um anticiclone na alta troposfera, chamado de Alta da Bolívia,
cujos movimentos capturam o vapor de água amazônico e o arremessam em direção
ao Centro-Oeste e Sudeste. Em suma, três são os principais fatores responsáveis
pelas chuvas na região Sudeste: a evaporação da floresta, a barreira dos Andes
e a Alta da Bolívia.
A Cordilheira dos Andes é um
elemento permanente na natureza, mas os dois outros fatores não. O que acontece
se um deles tiver seu funcionamento alterado?
No verão de 2013 as chuvas não
chegaram ao Sudeste. Todos os alertas foram acionados e o nível dos
reservatórios de hidrelétricas e de abastecimento de água continuaram baixando,
quando essa tendência deveria ter sido revertida em meados de dezembro. A falta
de chuvas não repôs as águas consumidas para geração de energia e pelas
cidades. Apesar de todas as hipóteses apresentadas na época (desmatamento em
São Paulo, mudanças climáticas, etc) parece que poucos se atentaram para o
fenômeno oposto e concomitante: as grandes enchentes nos rios amazônicos,
principalmente Madeira e
Tapajós. O rio Madeira, por exemplo, que tem vazões de cheia próximas de 40.000
m3/s em anos normais, teve mais de 65.000 m3/s na região
de Porto Velho. Outros críticos apontaram as hidrelétricas como causa de
tamanha enchente, mas hidrelétricas não produzem água, e aquelas construídas no
rio Madeira não acumulam volume de água. Aliás, o acúmulo de água ocorreria na
cheia, para que fosse liberada durante a seca. Essa operação de um reservatório
de regulação atenuaria o impacto da cheia na cidade de Porto Velho, por reter
volume, não o contrário.
Então, de onde teria vindo tanta
chuva na região amazônica? Na verdade, ela foi resultado da evapotranspiração
da floresta, mas não saiu de lá. Por algum motivo – cabe aos climatologistas
investigarem esse ponto – a Alta da Bolívia não foi eficiente naquele verão e
não conseguiu nos enviar as chuvas tão necessárias. Retidas no paredão dos
Andes, precipitaram ali mesmo, enquanto outras massas úmidas de ar estagnadas
precipitaram nas bacias do Tapajós e do Xingu.
O mecanismo atmosférico falhou em
2013/2014 e voltará a falhar em 2014/2015. Um ano chuvoso tem as chuvas
retornando em setembro; uma estação chuvosa regular tem chuvas a partir de
outubro e, num ano mais seco, elas caem no final de novembro. Entramos em
dezembro e nada de chuvas, estamos quase em final de janeiro e o déficit
hídrico está imenso. Enquanto isso, a vazão do rio Madeira sobe
assustadoramente e hoje está próximo dos 30.000 m3/s, na fase de
enchente. Essa vazão é semelhante à vazão do mesmo período no período chuvoso
passado, de 2013/2014. Trata-se do alerta para a tragédia que se anuncia
novamente, nas duas regiões. É grande a probabilidade de termos mais uma grande
cheia na região Norte, enquanto o Sudeste mingua, seca.
Se ocorreu uma alteração na Alta da
Bolívia, cabe aos climatologistas investigar. Se há risco dessa alteração ser
mais frequente, em função das mudanças climáticas, é necessária uma avaliação
livre de especulações baratas. Se a circulação atmosférica voltar ao seu padrão
normal no próximo ciclo, vamos respirar aliviados, caso contrário haverá uma
migração inversa, rumo ao Nordeste, pela mesma razão dos movimentos que
caracterizaram os movimentos de população de lá para cá no passado: a seca, a
falência econômica pela falta de água.
Esse cenário catastrófico pode ser
apenas uma alegoria, mas há um sério risco de se transformar em dura realidade
no médio ou longo prazo. De que adiantará termos o mecanismo atmosférico
funcionando corretamente se não houver umidade para ser transportada? Esse é o
ponto que exige uma reflexão profunda de todos os setores sociais e de
governos. O desmatamento da Amazônia parece inexorável, ainda que tenha
reduzido, nunca é zerado, e ninguém parece estimulado a romper esse processo e
revertê-lo com a reposição de áreas florestadas. A Amazônia é que nos banha,
nos lava e mata a nossa sede. Qual o valor econômico da floresta em pé? Vale o
preço de cada megawatt de energia gerado pelas usinas hidrelétricas do Sudeste?
Vale o preço de cada tonelada de aço produzida pelas siderúrgicas do Sudeste?
Vale cada tonelada de soja ou cada tonelada de cana-de-açúcar colhida no
Cerrado mato-grossense ou na terra roxa paulista? Se o vapor de água da
Amazônia nos é tão caro, por que somos incapazes de remunerar os proprietários
de terras na região que estejam dispostos a preservá-la?
A crise hídrica do Sudeste deveria
servir para essa reflexão. Urge que olhemos para a região com outros olhos, não
como o Inferno Verde dos anos 1960 e 1970. Transformar a floresta em pé em bem
econômico, mesmo que nada dela se explore, é conservar a saúde econômica do
Sudeste e do Sul. Sem água, a região mais populosa do país não terá condições
de manter o abastecimento público, tampouco manter a qualidade de vida. O clima
quente e seco exigirá a exploração dos recursos hídricos subterrâneos e também
a reformulação de toda a matriz energética. Sem água, deixaremos de ter
recordes de produção de grãos e passaremos a ser importadores de alimentos.
Refletir é preciso, desenvolver
ideias é necessário e tomar medidas é urgente. Antes que nossa região se
transforme num deserto climático, econômico e social. (ambienteenergia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário