Estudo
da Consultoria do Senado esclarece mitos e verdades sobre a crise hídrica
A
atual crise hídrica que atinge as principais metrópoles brasileiras não decorre
da estiagem nem da falta de investimentos no setor, mas da incapacidade dos
governos em lidar com déficits temporários e excepcionais de água — por meio de
medidas de racionamento, por exemplo.
A
avaliação é de um grupo de consultores de diversas áreas do Senado, autores do
estudo A Crise Hídrica e suas
Consequências,
que reúne, no formato de perguntas e respostas, informações sobre as principais
questões da crise hídrica atual.
No
caso específico de São Paulo, houve de fato redução das chuvas em 30% entre
2013 e 2014, mas a estiagem é apenas um fator que ocasiona a crise hídrica. A
seca, esclarece o estudo, também é provocada pela demora do poder público em
reduzir o consumo e implementar políticas para o setor, prevendo bônus de
tarifa para quem economiza água, e sobre tarifação para punir os excessos de
consumo.
O
trabalho foi elaborado para suprir a demanda de informações dos senadores e
comissões do Congresso sobre o tema. A ideia foi reunir estudos isolados da
Consultoria em uma única publicação, de forma mais completa e integrada,
explicou em entrevista à Rádio Senado um de seus autores, o consultor na área
de escassez hídrica, Gustavo Aouar. O estudo pode ser acessado aqui.
— A
redução do desperdício é uma solução para a crise hídrica. O reuso é mais uma
fonte alternativa de abastecimento, assim como o aproveitamento da água da
chuva. O reuso é ainda incipiente no país, mas vem crescendo principalmente nas
cidades que passam por escassez hídrica. No caso do reuso direto, a água que
vem da máquina de lavar, do chuveiro e da pia passa por um tratamento. Em
seguida, é usada em usos menos nobres, como lavagem de veículo, descarga,
irrigação de jardim, reduzindo o consumo de água potável, destinado a beber e a
cozinhar — afirmou.
Desperdício
No
Brasil, o desperdício de água tratada atinge 37%, em razão de falhas nas
tubulações, fraudes e ligações clandestinas. A maior parte dos vazamentos é
subterrânea e de pequena vazão, o que dificulta sua identificação e correção. O
desperdício é maior na Região Norte.
De
cada cem litros de água consumidos no país, 72 são usados na irrigação
agrícola. Em 2010, a demanda na captação (vazão retirada) no país foi a
seguinte: 54%, com irrigação; 22%, abastecimento humano urbano; 17%, uso
industrial; 6%, consumo animal; e 1%, abastecimento humano rural. Para a água
efetivamente usada (vazão consumida), a distribuição foi de: 72%, irrigação;
11%, consumo animal; 9%, abastecimento humano urbano; 7%, uso industrial e 1%,
abastecimento humano rural.
Racionamento
Do ponto
de vista estritamente econômico, os consultores concluem que a melhor forma de
lidar com escassez pontual e decorrente de eventos extremos é racionar a
demanda. O investimento em barragens se justificaria em razão da incerteza do
regime de chuvas.
Os investimentos
ilimitados nesses empreendimentos, porém, podem não ser a melhor opção, visto o
custo das obras, somado ao alagamento que impede a utilização da região
inundada, e a enorme resistência de movimentos em defesa do meio ambiente.
Atualmente, há cerca de 50 mil grandes barragens em operação mundo afora. O
Brasil “mal ultrapassa o milhar”, revela o estudo.
Os
consultores ressaltam que a Política Nacional de Mudanças Climáticas,
instituída pela Lei 12.187/2009, trata de forma indireta os recursos hídricos.
Observam ainda que as mudanças para atualização do Código Florestal, em vigor
desde maio de 2012, não interferem na crise hídrica, uma vez que seus efeitos
sobre o regime pluviométrico são recentes e só deverão ser sentidos nos
próximos anos, em data difícil de ser prevista.
Poluição
e desmatamento
O
estudo avalia que não há como estabelecer graus específicos de responsabilidade
da poluição, do desmatamento e do uso irregular das matas na atual crise
hídrica, embora seja sabido que todas essas ações influenciam a disponibilidade
e a qualidade dos recursos.
O
estudo aponta que a principal causa de poluição dos mananciais de água é a
ocupação irregular do solo no seu entorno imediato. Na maioria dos casos, essa
ocupação é não apenas tolerada como promovida por órgãos públicos, ainda que
indiretamente. Para impedir a ocupação das áreas de manancial, é importante
proibir o fornecimento de água e energia elétrica a esses assentamentos, assim
como coibir as ligações clandestinas.
O
trabalho lembra que cada vez mais tem sido demonstrada a inter-relação
entre regiões distantes, como a Norte e a Sudeste, no que concerne a eventos
climáticos. As chuvas que se precipitam sobre o Sudeste não raro se originam da
água evaporada pela floresta amazônica, de modo que o desmatamento nesta região
interfere na dinâmica de circulação atmosférica, confinando o fluxo de umidade
na própria Região Norte, onde provoca inundações, e reduzindo a precipitação
nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Possíveis
soluções
Os
consultores entendem que, em médio e longo prazo, devem ser empreendidas ações
de aceleração de obras de geração de energia e transmissão em curso e de
retomada de programas de eficiência energética. Eles consideram inadequado
identificar o conjunto das atividades agropecuárias como o principal
responsável pela crise hídrica.
A
parcela de contribuição da agropecuária pode ser identificada em algumas
técnicas de irrigação pouco eficientes que demandam água em excesso, a exemplo
de pivô central ou de inundação.
Os
consultores, porém, destacam a existência de procedimentos de irrigação
modernos, que conjugam a demanda racional por recursos hídricos e o aumento dos
níveis de produtividade no campo.
De
acordo com o Censo Agropecuário de 2006, o Sudeste apresenta a maior área irrigada
do Brasil (35,6% do total). Desse modo, o uso intensivo das técnicas pode
agravar a crise, pois a estiagem dos primeiros meses de 2015 foi mais severa
naquela região. (ecodebate)
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