terça-feira, 23 de junho de 2015

Crise hídrica se agrava no mundo e gerará novas guerras

Crise hídrica se agrava no mundo e pode até gerar novas guerras


O tema do risco da crise da água e seus usos múltiplos ensejar conflitos foi tema de artigo na Folha de S. Paulo on line (caderno Tendências e Debates) do assessor de meio ambiente do Vereador Gilberto Natalini, Marcelo Morgado que é conselheiro da ABES-SP (Assoc. bras. de Energia Sanitária e Ambiental). O artigo foi escrito em conjunto com o Presidente da ABES Nacional, o Prof. Dante Ragazzi Pauli e está disponível pelo caminho:
Muito já se disse sobre o petróleo estar na raiz de conflitos no Oriente Médio desde o séc. 19. De fato, intervenções das potências ocidentais na região desde a 1ª Guerra Mundial foram movidas para assegurar controle sobre reservas, essenciais para a própria máquina de guerra.
O mesmo se deu na 2ª Guerra Mundial, com a campanha da África do Norte e a disputa pela Romênia. Mais recentemente houve a invasão do Kuwait pelo Iraque por disputa na exploração em área fronteiriça e a guerra do Golfo.
Porém é a água, outro líquido ainda mais vital numa região desértica, que se tornou um dos principais motores de hostilidades. Israelenses e sírios disputam as Colinas de Golã, que abastecem o "Mar" da Galileia, principal reserva de água doce.
Com os jordanianos a disputa é pelo rio Jordão que tem vazão consumida em 90%. Os palestinos sofrem com restrições no abastecimento e recebem 1/6 do consumo israelense. Mesmo com Israel tendo outras fontes como a dessalinização (15 %) e o reuso (campeã mundial com 85% de uso de esgoto tratado na irrigação), a água superficial é primordial e fonte de lutas desde os tempos bíblicos, quando judeus e filisteus pelejavam por poços.
Em outras partes do mundo também há atritos, que não se limitam mais como no passado ao domínio militar sobre rios como fronteiras naturais e rotas de navegação. Os direitos sobre a pesca, irrigação e outros usos são o novo campo de batalha. Mesmo o lançamento de efluentes, criando risco para a captação, foi tema de atrito recente entre Uruguai e Argentina, devido à construção de indústria de celulose lançando no rio Uruguai.
Aqui no Brasil, a despeito de termos 12% dos recursos hídricos do planeta (primeiro lugar), vivemos os efeitos da inequação perigosa de menor oferta e maior demanda. Na demanda as pressões são o crescimento demográfico, conurbação e consumismo (bens e serviços com suas pegadas hídricas embutidas).
Há o comprometimento de corpos de água pela poluição de esgotos, efluentes industriais e lixo e ainda desmatamento e erosão. Assim a água doce que já é escassa, sofre localmente em qualidade e quantidade.
O agravamento do aquecimento global compromete a estabilidade do regime de chuvas, tornando o quadro ainda mais grave. Padecemos disso no Centro-Sul com os dois piores verões da série histórica de 85 anos. A crise no sistema Cantareira deixa a mostra o conflito.
Acirram-se divergências por outorgas entre as bacias do Alto Tietê e PCJ (rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), ambas afetadas pela estiagem. Já a proposta de transposição de 5 m³/s da bacia do Paraíba do Sul, entre represas Jaguari e Atibainha, provocou atrito entre São Paulo e Rio de Janeiro e os ânimos se exaltaram durante a campanha eleitoral.
Outra briga é entre uso hidrelétrico e abastecimento, já que 70% da matriz é hidráulica. O segundo é prioritário por lei, mas Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) fizeram pressão em favor de se manter deflúvio na represa do Jaguari, atendendo à geração na Usina Hidroelétrica do Funil.
Felizmente MG não entrou na disputa, em que pese cerca de 22% da água do Cantareira venha da vertente mineira da Mantiqueira. Também poderia se somar ao imbróglio o Amazonas, já que a umidade da floresta, tão devastada, é fator de chuva no Sudeste pelos "rios voadores".
A ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) propõe que a solução à longo prazo passa por colaboração entre todos os entes, sem bairrismos, passando acima de dissensões políticas e não implica obrigatoriamente em "mais do mesmo". Ou seja, sempre seguir recalcando água de cada vez mais longe e de cotas mais baixas, com maior gasto de energia no bombeamento.
É imperioso investir mais em quatro frentes: promover mais uso racional da água (85% do consumo na Região Metropolitana de São Paulo é residencial), combater intensamente as perdas, reuso a partir do esgoto, efluentes e chuva e recomposição da mata ciliar, proteção das nascentes e reflorestamento, aumentando a recarga dos aquíferos.
Tais linhas de trabalho exigem quase sempre obras de menor porte e ações localizadas, combinadas com muita perseverança e continuidade, precisando ser abraçadas por sucessivos governos. Além disto, abatem custos ao invés de aumentar gastos, como ao obter mais água de mais longe. Nisso é preciso quebrar paradigmas.
O paulistano consome 140 litros/dia (eram 190 pré-crise, mostrando adesão a novos hábitos, sem se abdicar de conforto e higiene) mas a ONU adota 110 como ideal. Apenas 30% da capacidade de fornecimento de água de reuso de cinco estações de tratamento de esgoto da Sabesp são vendidas. Apesar do preço convidativo de R$ 1,00/m³, o produto enfrenta preconceito.
A rede mais antiga precisa de reparos constantes, mas há dificuldades pelo país afora para se liberar reparos em via pública, devido ao tráfego intenso, mas, sobretudo pela burocracia, que congestiona ainda mais. Por outro lado, a ABES acredita firmemente na trilha da gestão consorciada dos recursos hídricos com municípios da mesma bacia hidrográfica atuando juntos e compartilhando investimentos.
O modelo de gerenciamento tripartite envolvendo governo/usuários/sociedade em CBHs (Comitês de Bacias Hidrográficas) precisa ser aprofundado, pois permite o intercâmbio de iniciativas, conjugar recursos e viabilizar ações prioritárias, em especial a fundamental, que é perseguir a universalização da coleta e tratamento de esgotos.
Assim a ABES, mais antiga entidade do saneamento, congregando profissionais, empresas e academia, busca contribuir com o Brasil para que o país mais rico em água, também seja o que oferece bons exemplos de inovação, boa governança e administração eficiente de suas águas e a única disputa seja a saudável, pelos melhores índices de desempenho. (vereadornatalini)

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