Sua
careca resplandecia quente sob o sol do inverno. Enquanto observava a bela
paisagem, uma construção dos homens e desconstrução da natureza, nem ao menos
percebeu que sua secretária o esperava aflita.
-As
notícias do dia, senhor. O dia mais quente do ano. De novo. – Afirmou
categoricamente, refletindo se ao menos na véspera de Natal ele conseguiria
compreender a gravidade da situação.
-Sabe
o que é estranho? Parece que eu ouvi você falando quase todos os dias que
aqueles eram os mais quentes. Um ano de grandes recordes, não? – Sorriu,
novamente sem entender a gravidade da situação.
–
Sim senhor, ano de grandes recordes. Quinhentas pessoas morreram ontem de
insolação. Aquele projeto para regulação dos poluentes emitidos pelas empresas
espera pela votação, na verdade esse projeto ficou esperando o ano todo… Seus
eleitores fizeram um abaixo-assinado para…
–
Não quero saber! Já fiz demais hoje! Deixe os eleitores para o ano que vem. Com
certeza eles sabem esperar, não é mesmo, linda?
Na
falta de resposta, ele continuou:
-Era
para eu estar de recesso, e, no entanto aqui estou batendo ponto. Viu como sou
um bom político? Vir aqui é mais que o necessário, o resto fica para o ano que
vem! Dispensada. Eu não quero me aborrecer com aqueles cientistas e ativistas
chatos que só sabem falar do meio-ambiente. Por acaso eles acham que só existe
o meio-ambiente? E como fica a economia? Em que mundo eles vivem?
A
moça não estava nada surpresa. Antes de sair pela porta, se virou abruptamente
para o político careca:
-Feliz
Natal.
-Com
certeza! Irei para a Suíça aproveitar a neve. Aquilo sim que é Natal de
verdade.
A
secretária saiu revirando os olhos: se ainda houver neve por lá… Eu espero que
não tenha! Pergunta onde os cientistas e ativistas chatos pensam que vivem, mas
quem não percebe que vivemos em um mundo só é ele! A economia não está em um
mundo paralelo.
Assim
que ela se foi, o político pegou o celular e ligou para seu chofer:
-Prepare
o carro. – Curto e grosso. – Sairei agora para o aeroporto.
Pegou
sua mala de trabalho, cheia de papéis com reivindicações de empresas e de
outros políticos, e saiu de seu escritório com ar-condicionado para seu carro
com ar-condicionado a caminho de seu jatinho com ar-condicionado, nem ligou ou
percebeu a poluição, alta temperatura, seca. Em sua bolha de falsa riqueza não
percebeu a perda do mundo que o cercava.
O
mundo a sua volta poderia acabar em água ou fogo que ele não notaria.
Ao
chegar ao aeroporto foi direto para seu jatinho, sem nem precisar sentir um
pouco da confusão de horários graças à confusão de climas. Sentou-se em sua
poltrona de couro animal, ligou o rádio e fechou os olhos.
O
que está faltando? – Ele poderia responder: minha ética! Mas em vez disso
lembrou-se de sua bebida preferida.
A
bebida estava a apenas alguns passos de seu alcance, por isso ele entrou na
despensa de seu avião e pegou o objeto de seu desejo. Um bafo sombrio penetrou
no agradável ambiente assim que tivera em mãos a bebida.
As
gotas dentro harmonizaram-se na formação perfeita da face brava de um homem
idoso. O medroso imediatamente largou a garrafa, que rolou pelo chão aveludado
do avião, sumindo de sua vista.
Lembrou-se
de sua família, que o esperava nos Alpes para as férias. Deixou a música
tocando e dormiu até que o som parou abruptamente. Vários chiados começaram
quando a música parou. A garrafa voltou aos seus pés, e, sozinha, se abriu.
Um
fantasma molhado e triste saiu de lá. Preso por correntes de trovões, com a
face quebrada da seca, cabelos de água verde e olhos abrangendo a escuridão de
um possível fim. O político encolheu-se em sua poltrona e gritou. Seus gritos,
porém, foram abafados pelo trovão que ressoava das correntes.
-Quem
é você?- Conseguiu perguntar.
-Pergunte
quem eu era. – A sua voz ressoava como a tristeza da Terra.
Ele
chegou mais perto do político, que se encolheu mais ainda.
-Eu
era como você. Fui um político inconsequente e irresponsável que morreu em um
acidente de avião.
-Eu
vou morrer?!
-Talvez…
Você será visitado por três fantasmas, três climas, três tempos. É o meu
presente para você.
-Eu
não quero seu presente! Só eu estou recebendo esse presente?!
A
risada cavernosa fez o avião tremer.
-Não.
Milhares de políticos, de todas as etnias e regiões do mundo estão recebendo
visitas parecidas neste mesmo momento.
O
fantasma se foi, deixando como traço um seco suspiro, uma brisa fria, e garrafa
da bebida preferida do político rachada e vazando aos seus pés. O político não conseguiu
mais dormir, observando cada som. Um momento, porém, ele cochilou, e no exato
instante um raio quase atingiu o avião, fazendo um som que lhe lembrou da voz
fantasmagórica que o visitara.
O
bafo sombrio que se manifestara quando abrira a despensa se materializou: era
um fantasma branco como a neve e frio.
Ele
usava luvas pretas de couro artesanal e uma coroa brilhante, dourada.
Vestia
um comprido manto vermelho, e se não fosse pela falta de barba e sua cor tão
branca que beirava o doente, poderia muito bem ser o Papai Noel.
-Sou
o fantasma do Clima Passado, antes da Revolução Industrial.
-Mas
antes da Revolução Industrial o Clima não era saudável? Sem ofensa, mas você me
parece um pouco anêmico.
O
fantasma gritou, levantando o escasso cabelo do político quase careca.
–
Político idiota, eu represento o Clima e o Tempo, e o meu tempo não era
saudável para o povo. Eu represento um bom Clima e péssimos monarcas
absolutistas. Políticos tão ruins quanto vocês de hoje.
O
fantasma de antes da Revolução Industrial sorriu enigmaticamente, puxou o
político pela gravata, que quase engasgou nesse processo. Ele foi com toda
velocidade em direção à parede, para desespero do político, que pensou no fim
próximo.
Eles
ultrapassaram o avião e desceram das nuvens.
Em
um segundo estavam em uma vila, ele conseguia sentir o ar diferente. As pessoas
se vestiam com roupas compridas, rasgadas e há muito tempo sem cor. Eles
acompanharam uma garotinha que cantava e dançava, em poucos segundos a viram se
tornar adulta, idosa, e morrer. Depois disso viram a filha dela, e o filho do
filho, observando também as mudanças no ambiente, que foi se degradando.
Depois
do que pareceu muito tempo, ele identificou um garotinho que corria. Era ele.
Emocionado, percebera que vira a história de sua família desde o começo, e
assim veria o seu fim. Viu um velho solitário, deixado de lado pela família, e
também viu seus filhos morrerem com o ambiente. A relação da degradação das
pessoas com a degradação do ambiente ficou clara.
-Eu
vou fazer diferente! Leve-me de volta e eu mudo o futuro! – Amargurou-se.
-Você
ainda não aprendeu a lição. – Ao dizer isso o largou, e ele se viu caindo pelos
céus, entre as nuvens, para um segundo depois estar em sua poltrona de couro.
O
político dormiu, mas logo foi acordado por pingos que caíam em sua testa. Os
pingos fediam, e só teve o tempo para chegar a essa conclusão, pois pouco
depois um fantasma de roupas futuristas caindo aos pedaços agarrou sua
garganta.
–
Olhe para mim! – Exclamou o fantasma, zangado.
O
político não queria olhar, preferia passar a noite olhando para o teto (e
depois ter torcicolo), do que encarar os frutos de seu trabalho. Ele, todavia,
não era tão forte quanto o fantasma, que puxou com força e rapidez sua face
para baixo, o obrigando a olhar.
-Eu
sou seu filho. – Frase inversa do Star Wars, sério? – Ele se conteve para não
rir. -E também sou filho de todos os seus colegas que não fizeram nada para que
eu fosse diferente. Para que eu fosse melhor. Fizeram de mim um monstro!
Fizeram de mim o fim! Sou o fantasma do período da Revolução Industrial, e
também da pós Revolução Industrial.
O
político sentiu-se envergonhado. O futuro era realmente o pesadelo de qualquer
um: a destruição total, caos, apocalipse em um só ser. Viu-se em um campo escuro
que aos poucos foi clareando, e com a luz veio o terror: a terra era seca,
morta, apesar de ter certeza de que aquele lugar já fora verde, e conforme
andava surgiam pessoas, ou o que restou delas, andando como zumbis.
Corriam
o máximo possível em seus corpos delimitados e doentios para alcançá-lo, e o
político corria delas. Quando suspirou aliviado com a certeza de que tinha se
livrado deles, olhou para seus pés, e gente e mais gente subnutrida puxava sua
roupa, como se pedissem socorro.
Seu
fôlego faltou e suas pernas não aguentavam mais, e uma gota mal cheirosa caiu
em sua testa, e ele voltou ao seu tempo e ao seu avião. Dessa vez não conseguiu
dormir, já que tinha certeza de que não era somente um pesadelo: O avião
começou a tremer, e percebeu que o terceiro fantasma estava a caminho. Olhou
pela janela e viu um fantasma surpreendente.
–
Sou o caminho, seja para saúde ou doença, e o futuro é o fim. – Sua voz vinha
em forma de trovões, e ela ainda estava do lado de fora, com metade de seu
vestido verde, doentio, assim como seus pés, e da cintura para cima era a fauna
e flora, água, luz e esperança. Ela entrou lentamente no avião, afinal o
presente não tem pressa.
-O
futuro está muito longe e o passado já foi. Eu sou a única que você pode mudar,
sou a esperança do futuro e o significado do passado. – Ao dizer isso, tomou as
mãos dele nas suas.
Ela
o levou para o presente, e mostrou cada gesto que, naquele instante, ele
poderia tomar para ser a esperança do futuro e o significado do passado. Desde
economizar a água até as atitudes políticas mais significativas, o presente
mostrou a ele como agir: com mais amor pela Terra do que pelo dinheiro que
poderia ganhar sendo corrupto e egoísta. Também visitaram cada canto do planeta
em que seus atos presentes desencadeariam consequências, não viram as
consequências, mas a degradação do presente.
O
político foi levado, delicadamente, de volta ao seu avião, e a representação do
presente sumiu em uma explosão de luz e vida, mas também de morte e caos. O
paradoxo da própria vida.
Assim
que o avião chegou ao seu destino, trouxe toda a família para o avião e voltaram,
quando eles chegaram o político iniciou uma constituinte para colocar em
votação todas as leis e projetos ambientais e sociais que deixara para mais
tarde.
Além
disso, agora só ia ao trabalho de bicicleta, transformara seu avião no primeiro
grande jatinho a funcionar por energia solar, vendera o jatinho e utilizara o
dinheiro para construir uma escola sustentável para crianças carentes, além de
recuperar o carinho da família e da nação. (ecodebate)
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