Aquecimento dos oceanos
explica maiores prejuízos por furacões, sugere novo estudo
Cientistas
refazem contabilidade sobre perdas causadas por tempestades tropicais nos EUA e
descobrem que mudança do clima pode ser responsável por até 12% dos danos.
O
supertufão Koppu, que atingiu as Filipinas.
Pesquisadores
do México, da Holanda e do Reino Unido dizem ter resolvido uma questão que há
duas décadas perturba os cientistas do clima: se os furacões estão mais
intensos com o aquecimento global, por que diabos eles não têm causado mais
prejuízos nas últimas décadas do que causavam no começo do século passado? A
resposta do grupo é: eles têm, sim. Só que nós estávamos calculando errado as
perdas.
Um
trio de cientistas liderado por Francisco Estrada, da Universidade Nacional
Autônoma do México, refez as contas dos danos causados por furacões nos Estados
Unidos de 1900 a 2005, usando uma nova metodologia estatística. Eles
descobriram que de 2% a 12% dos prejuízos (um valor que pode chegar a US$ 14
bilhões por ano) são consistentes com o aumento da intensidade das tormentas no
período analisado. Este, por sua vez, também é consistente com o aumento das
temperaturas oceânicas ao longo das últimas décadas, causado pelo aquecimento
anormal da Terra.
A
ligação entre furacões mais fortes e maiores danos ao patrimônio e às
populações costeiras é um dos debates mais acalorados das ciências do clima, e
tira o sono das seguradoras há anos. O senso comum indica que os prejuízos
deveriam ser crescentes à medida que a terra esquenta. Mas não era isso que
vinha sendo verificado pelos cientistas.
Embora
os prejuízos totais por furacões sejam de fato crescentes nos EUA – e nas outras
regiões expostas a tempestades tropicais, como atestam hoje mesmo as Filipinas,
vitimadas pelo supertufão Koppu –, até agora se achava que a causa desses
prejuízos maiores fosse meramente social: a cada ano, colocamos mais gente e
patrimônio em locais de risco à medida que a população cresce. Por essa lógica,
os furacões estariam mais destrutivos simplesmente porque há mais o que
destruir em seu caminho.
ISSO
NÃO É NORMAL
Na
década de 1990, um grupo liderado por Roger Pielke Jr., da Universidade do
Colorado, nos EUA, resolveu fazer a chamada “normalização” dos dados de
furacões no país. Dividindo o aumento do prejuízo pelo aumento da riqueza, o
resultado era zero: simplesmente não havia sinal de aumento da destruição. O
trabalho foi amplamente citado e acabou se tornando um pressuposto de estudos
posteriores.
“Achamos
que isso estava esquisito e resolvemos nos debruçar sobre a metodologia”, disse
Estrada ao OC.
O
grupo abordou a mesma série de dados usada por Pielke Jr. em seus estudos de
“normalização” mais recentes, mas mudou alguns pressupostos na análise. Estrada
e seus colegas queriam verificar se as perdas aumentavam nas mesmas velocidades
que a riqueza, como Pielke assumira. “Descobrimos que elas crescem um pouco
mais devagar”, afirmou o mexicano.
Faz
sentido: à medida que uma sociedade fica mais afluente, ela também passa a
tomar alguns cuidados a mais com seu patrimônio: códigos de obra ficam mais
estritos e construções ficam mais resistentes. Na série de 1900 a 2005 – que
Estrada admite que “tem alguns problemas” –, eles conseguiram quantificar essa
lentidão: até 12% dos prejuízos não são explicáveis pela nova forma de
“normalizar” os dados.
O
grupo passou, então, à segunda parte do trabalho: “Será que essa tendência é
compatível com o aumento da temperatura”? – questionou Estrada. Olhando para a
série de dados de furacões, a conclusão foi que sim. “O número de furacões e
sua intensidade subiram todos”, diz. No entanto, ele alerta: “Não é possível
atribuir essa tendência a prejuízos crescentes à mudança climática. O máximo
que podemos dizer é que é consistente com ela”. E acrescenta: “O fator
primordial continua a ser a produção social do desastre, ou seja, mais pessoas
e mais patrimônio ocupando áreas de risco”.
O
estudo foi publicado em 19/10/15 no periódico Nature Geoscience.
O
pesquisador mexicano diz esperar que sua metodologia possa ser replicada para
estimar tendências de dano por eventos extremos em outros lugares do mundo.
“Usamos os EUA como estudo de caso porque é onde há mais dados e melhor
documentação”, afirma. “Espero que o trabalho possa ter impacto na tomada de
decisão política sobre clima, porque muita coisa é omitida na contabilidade de
danos hoje”.
“SELETIVO”
Procurado
pelo OC, Roger Pielke Jr. disse que o novo estudo é “notícia velha” e acusou
seus autores de serem seletivos na escolha dos dados.
“Análises
de regressão [como a feita no estudo] são muito sensíveis às datas de começo e
final”, afirmou. “É enganoso usar o ano de 2005 para terminar a análise porque
2005 foi excepcional”, disse. Naquele ano, dois furacões de categoria 5
atingiram terra firme nos EUA, o Katrina e o Rita.
Pielke
dá um exemplo no sentido contrário: “Durante anos os céticos da ciência do
clima argumentaram que o aquecimento global ‘pausou’ porque selecionavam de
propósito a data de início de 1998, que foi um ano muito quente, para sugerir
um declínio. Quando uma perspectiva mais longa é usada, a ‘pausa’ desaparece.
Se é errado os céticos usarem esse tipo de argumento, e é, é errado que os
outros o utilizem também”.
Segundo
o americano, existem dados de furacões disponíveis nos EUA até 2014. O período
2006 a 2015 teve tempestades abaixo da média nos EUA. “Não há razão para eles
não terem estendido a análise”, afirma. “Claro, se fizessem isso, a base para o
estudo deles desapareceria.”
Estrada
afirma que sua análise parou em 2005 justamente para permitir comparação com os
trabalhos de Pielke e outras pessoas. “As versões atualizadas da base de dados
sobre furacões nos EUA são diferentes não apenas no número de eventos, mas
também no valor estimado das perdas. Na prática, são duas bases de dados
diferentes, que não podem ser comparadas entre si”, disse o mexicano. “Nossos
modelos levam em conta modos de variabilidade natural do clima que pudessem
influenciar os resultados. Mesmo excluindo 2005, que foi um ano de uma
temporada de furacões extraordinária, nossos resultados continuam robustos, e
acreditamos que continuariam a sê-lo se os últimos dez anos fossem
acrescentados.” (ecodebate)
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