segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Música hidrográfica brasileira

“…e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.” - João Guimarães Rosa – A Terceira Margem do Rio
O que significam os rios para o interior do Brasil e para a cultura popular é algo do indizível. Isso é assim porque os rios são como a seiva dos lugares, dos territórios. São como membros de uma grande família e, se um deles morre, toda a família padece junto. São como limites de uma casa, nossa casa, e não é à toa que estamos delimitados de norte a sul pelo Oiapoque e pelo Chuí: dois rios.
Na semana passada, o Rio Doce, em Minas Gerais, foi sepultado de uma só vez, numa tragédia histórica e aparentemente irreversível. Não foi como acontece com muitos outros rios, arroios, riachos, que gemem diariamente da agonia dos despejos e das drenagens e dragagens incessantes. O Rio Doce foi sepultado vivo, sem direito nem a gritar, numa violência que só uma criatura das bem ruins pode fazer. Infelizmente, é justo a criatura humana, supostamente a mais sábia entre todas, quem vem se especializando nessas ruindades, batizando-as disfarçadamente de “acidentes”, “desastres” e outros eufemismos, conforme intenções mais ou menos veladas.
Não é somente pela pesca que os rios se fazem fundamental, também é pela presença e pela sua capacidade de favorecer a multiplicação dos recursos naturais. Pelo frescor da vegetação de seus arredores e a rarefação dos ares. Pelas piracemas milagrosas. Pelas nascentes, brotadouros e pelos olhos d’água. Pelas Iaras fantásticas, aparições e pelos animais de verdade que, agora, perdem sua casa, sua imagem, sua sombra no chão da existência.
E também pela inspiração de quem os cantava e agora terá em seu lugar estradas de asfalto, concreto, sujeira ou, ainda pior, coisa nenhuma. Alguém me diga quem escreveria uma história sobre um ex-rio? Quem comporia uma canção assim, com essa finalidade? Seja como for, os rios são como nossas artérias e veias. Somente uma criatura que não se importa consigo mesma os trataria tão mal como os tratamos. Será que deixamos de perceber de que somos na verdade, como o “nosso pai” de Guimarães Rosa, um só, o eu-rio?
Nos links abaixo, tentei reunir alguns momentos da música brasileira onde os rios estão homenageados. Para ver como rios e artistas estão mal considerados no mundo contemporâneo, que já não se os homenageiam tanto, hoje em dia. Mas, de outra sorte, imundície e destruição não tem faltado.
“Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei” - (Força estranha – Caetano Veloso)
“Dentro da terra o rio quer nascer
O rio chora água ao parir” - (Dois rios – Tavinho Moura e Fernando Brant)
“A correnteza do rio
Vai levando aquela flor
O meu bem já está dormindo
Zombando do meu amor” - (Correnteza – Tom Jobim)
“Canoa, canoa desce
No meio do rio Araguaia desce” - (Canoa, canoa – Nelson Angelo e Fernando Brant)
“Vivi na beira de rio, não conheço outro lugar.
Eu e ele é um desafio, pra ver quem mai vai durar.
Rola espuma, rio grande, rola o rio Paraná” - (Rio Paraná – Tonico e Tinoco)
“Nas águas do Rio Amazonas o meu coração se banhou” - (Rio Amazonas – Dori Caymmi)
“O rio de Piracicaba vai jorrar água pra fora
Quando chegar a água dos olhos de alguém que chora
Quando chegar a água dos olhos de alguém que chora
Lá no bairro onde eu moro só existe uma nascente.” - (Rio de Lágrimas – Tião Carreiro e Pardinho)
“Cumprindo sua sina, distraindo as mágoas
Parece que o rio inveja o mar
Nas ondas que os peixe branqueia” - (A Vida do Rio – Simone Guimarães, José Pacífico e J. Márcio Castro Alves)
“Óia o dourado que bateu no espinhel
Traz a canoa que rio fundo não dá pé” - (Cantiga de Rio e de Remo – Os Angueras)
“Riacho do Navio corre pro Pajeú
O Rio Pajeú vai despejar no São Francisco
O Rio São Francisco vai bater no meio do mar” - (Riacho do Navio – Luiz Gonzaga)
“Vai a me levar como se fosse
Indo pro mar num riacho doce
Onde ser é ternamente passar” - (Rio Doce – Beto Guedes)

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