“Os
danos gerados pelo aquecimento, a acidificação e o aumento do nível dos mares
sobre os organismos e os ecossistemas marinhos, assim como sobre os recursos
que eles encerram, são desde já detectáveis e podem ser significativos, mesmo
no caso do cenário otimista”, escrevem Jean-Pierre Gattuso e Alexandre
Magnan, diretor de pesquisa na Universidade Pierre e geógrafo, pesquisador
no Instituto de desenvolvimento sustentável e relações internacionais, em
artigo publicado por Outras Palavras em 25/11/15.
A
massa de água que recobre mais de dois terços do planeta funciona como um
“integrador do clima” e limita a extensão das mudanças climáticas por dois
motivos principais. De um lado, absorve a quase totalidade do calor que se
acumula na atmosfera: os oceanos armazenaram 93% do excesso de calor provocado
pelo aumento de gases de efeito estufa, ao preço de seu próprio aquecimento e
elevação dos níveis do mar, principalmente através da expansão e derretimento
da camada de gelo da Groenlândia. Por outro lado, os oceanos capturam uma
parcela significativa (28% desde 1750) de dióxido de carbono (CO2)
gerado por atividades humanas, desta vez à custa do aumento da acidez da água
do mar.
Uma
função reguladora
Os
oceanos exercem essa função reguladora em detrimento de si mesmos, pois se
deterioram à medida em que atenuam as mudanças climáticas. Menos espetaculares
que a elevação do nível dos mares, as perturbações físicas e químicas que resultam
disso afetam consideravelmente os ecossistemas marítimos e, consequentemente, a
humanidade inteira. O aquecimento e a acidificação dos oceanos tornam mais
difíceis a calcificação essencial de alguns organismos marinhos (corais,
moluscos); muitos recifes de coral ficam embranquecidos pela destruição da
simbiose que eles têm com zooxantelas; os fitoplânctons diminuem em regiões
mais quentes; a cadeia alimentar dos peixes é perturbada; algumas espécies têm
de migrar para regiões mais frias, mas nem todas podem fazê-lo …
Contudo,
a despeito do papel crucial dos oceanos para a segurança alimentar de centenas
de milhões de indivíduos, as discussões internacionais conduzidas sob a égide
da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas não lhes
concederam senão um papel menor (leia o dossiê do Le Monde Diplomatique
francês, “Como evitar o caos climático?“). É por isso que os pesquisadores
reunidos na Iniciativa Oceanos 2015 enviaram aos negociadores da conferência de
Paris um resumo das alterações em curso e as projetadas daqui até o final do
século, com suas consequências para os ecossistemas do oceano ou para os bens e
serviços que eles prestam. Dois cenários foram levados em conta: a manutenção
das emissões de gás de efeito estufa segundo a curva ascendente atual –
hipótese pessimista – ou sua redução, de maneira a limitar a alta da
temperatura do planeta a 2°C no decorrer do século XXI – hipótese otimista.
Impactos
irreversíveis
Além
da limitação estrita das emissões de CO2, a “comunidade
internacional” deve assegurar a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros,
a restauração daqueles que foram danificados, e permitir que as sociedades que
dependem dos recursos marinhos se adaptem. Algumas dessas medidas já foram
objeto de experimentação em nível local, mas a margem de manobra se estreita à
medida em que o mundo se afasta do objetivo dos “+ 2°C” e os oceanos se aquecem
e se acidificam. Por exemplo, quanto mais os recifes de coral são degradados,
menos eles serão capazes de resistir, e mais difícil será salvá-los. Outras
pistas são contraditórias, como as chamadas técnicas de “gestão da radiação
solar”, que propõem reduzir artificialmente o aquecimento global, aumentando a
quantidade de radiação refletida para o espaço: uma solução que pode frustrar
os incentivos de redução de emissões de CO2 e, no entanto, não
fornece qualquer solução para a acidificação dos oceanos.
Do
inventário preparado pela iniciativa Oceanos 2015 surgiram quatro mensagens
principais. Em primeiro lugar, os oceanos exercem uma influência decisiva sobre
o sistema climático e a prestação de serviços humanos essenciais. Em seguida,
os ecossistemas marinhos e costeiros já estão sofrendo de uma degradação em
grande parte visível que não deixará de se agravar, mesmo no pressuposto
otimista de uma redução das emissões globais de CO2 – especialmente
porque, o que quer que aconteça, os danos infringidos aos mares serão sentidos
em todas as latitudes, tornando-se um problema global. Em terceiro lugar, uma
limitação imediata e substancial de gases de efeito estufa, incluindo as
emissões de CO2, é um pré-requisito para evitar que excedam os
limites de impactos irreversíveis para os oceanos. Todo tratado que não permita
limitar o aquecimento global a 2ºC conduzirá a consequências catastróficas para
os nossos oceanos. Por último: quanto mais aumenta o teor de CO2 na
atmosfera, menos teremos meios para proteger os oceanos e restaurar
ecossistemas degradados.
Projeto
de civilização
Sabendo
o espaço mínimo que foi concedido aos oceanos em cúpulas internacionais
anteriores sobre o clima, os autores desta síntese defendem uma mudança radical
de perspectiva: a COP21 deve finalmente tomar as medidas necessárias e propor
projeto de civilização mais virtuoso para o mundo de amanhã. O futuro dos
oceanos depende da quantidade de carbono que será emitido nas próximas décadas.
O cenário otimista, o mais obrigatório, consiste em dividir por seis a
quantidade de CO2 que seria emitida até o final deste século sob a
hipótese de uma ausência de regulamentação (cenário pessimista). Essa limitação
deve mesmo ser reforçada, uma vez que a capacidade dos oceanos para absorver
CO² será reduzida ao longo do tempo. As escolhas feitas durante a COP21 terão,
portanto, graves consequências para os oceanos.
De
acordo com os cenários, a taxa de acidez poderia ter crescido entre 38% a 150%
entre a revolução industrial e o final deste século, enquanto os níveis médios
dos oceanos poderiam ter subido um total de 60 a 86 centímetros entre 1901 e
2100. Por fim, o índice de oxigênio dos oceanos não vai parar de cair, de modo
mais ou menos acentuado, dependendo do cenário a ser seguido, afetando a vida
marinha em todas as suas formas.
Os
corais tropicais já estão severamente afetados pelo aquecimento e a
acidificação, bem como plantas marinhas de latitudes médias, pteropodes
(caracóis marinhos) e krills (plânctons formados de crustáceos de altas
latitudes, os moluscos bivalves de baixas latitudes e peixes em geral. Na
hipótese mais favorável, o estado dos corais tropicais e dos bivalves de
latitudes médias permanecerá muito preocupante. No entanto, no caso de
continuidade das emissões de CO2 no ritmo atual, o aquecimento teria
um impacto desastroso sobre todos esses organismos, com migrações em grande
escala, mortalidade em massa e uma redução da biodiversidade marinha na zona
intertropical. Estes resultados, a partir do cruzamento de experiências,
observações de campo e projeções dos modelos, estão em consonância com a
orientação fornecida pelo estudo de outros períodos da história do nosso
planeta marcados por forte presença de CO2 na atmosfera – em
especial relacionada à atividade vulcânica.
Uma
fonte vital de renda
As
consequências dessas mudanças dos ecossistemas marinhos seguiriam também uma
trajetória mais ou menos nefasta, segundo o cenário escolhido. Se o ritmo atual
das emissões de gases de efeito estufa se mantém, a pesca será seriamente
comprometida, particularmente na zona intertropical, onde constitui uma fonte
vital de proteínas e de renda para milhões de pessoas. Os impactos seriam igualmente
tremendos sobre os ecossistemas costeiros, que servem para proteger a terra
(recifes de corais, mangues, plâncton vegetal), a aquicultura e o turismo.
Os
danos gerados pelo aquecimento, a acidificação e o aumento do nível dos mares
sobre os organismos e os ecossistemas marinhos, assim como sobre os recursos
que eles encerram, são desde já detectáveis e podem ser significativos, mesmo
no caso do cenário otimista. Eles se somam a outros danos causados pelo homem,
tais como a sobre-exploração dos recursos vivos, à destruição do habitat e a
poluições diversas. A combinação de todos esses fatores pesará fortemente sobre
o futuro da humanidade. Diante da magnitude das futuras alterações, é hora de
perceber que nenhum país está imune: o problema se coloca numa escala demasiado
grande para que se ofereça o luxo de manter a tradicional divisão Norte-Sul.
(ecodebate)
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