Dez
asneiras que a gente ainda ouve por aí sobre mudança climática
O
planeta está esquentando, o Sudeste está sem água, as geleiras estão
derretendo, as florestas estão pegando fogo, as concentrações de gás carbônico
não param de bater recordes e 14 dos 15 anos mais quentes da história
aconteceram neste século. As evidências da mudança climática – e da ação do
homem como sua causa primordial – são tantas e tão variadas que seria preciso
ter chegado ontem de Marte para negá-las.
Bom,
muita gente parece que chegou ontem de Marte e não tem a menor ideia do que
está acontecendo pelas bandas de cá do Sistema Solar. Se você é dessas pessoas,
seus problemas acabaram! Listamos abaixo a refutação a dez dos argumentos mais
comuns dessa patota, para você poder evitá-los e nunca mais passar vergonha ao
discutir com amigos que moram aqui na Terra há mais tempo.
1 –
“O clima da Terra sempre mudou e sempre mudará. É muita arrogância achar que
nós somos capazes de intervir nele”.
Esse
argumento é muito utilizado por alguns geólogos, acostumados a olhar longas
escalas de tempo no passado. A primeira parte dele é verdade. Se há uma coisa
que a história da Terra nos mostra é que o clima sempre foi muito instável e
sempre variou – por razões inteiramente naturais. Há 125 mil anos, tínhamos
temperaturas 2oC mais altas do que na era pré-industrial. Há 3,5
milhões de anos, o planeta era 3oC mais quente. E, na era dos
dinossauros, não havia gelo em lugar nenhum da Terra. De fato, a estabilidade
climática do atual período quente, o Holoceno, não tem precedentes nos últimos
400 mil anos de história do planeta.
O
que isso informa sobre a mudança climática em curso hoje? Nada. As mudanças
climáticas do passado eram todas causadas por variações na atividade solar ou
nos ciclos orbitais da Terra. E, claro, quando elas eram bruscas demais,
ocorriam extinções em massa (#ficaadica). Muitos cientistas atribuem o próprio
florescimento da agricultura, que deu origem à civilização, ao clima estável do
Holoceno. Hoje não há nenhum desses fatores naturais atuando no clima, e nenhum
sinal de variações astronômicas relevantes pelos próximos muitos milhares de
anos. O sinal inequívoco de mudança climática visto hoje se deve à intervenção
do homem. Na escala que interessa à civilização, a das décadas e séculos, é
essa a mudança climática que importa, não a de dezenas ou centenas de milhares
de anos.
2 _
“Os meteorologistas não conseguem nem prever se vai chover amanhã, que dirá se
vai fazer calor em 2100”.
Esse
argumento deriva de uma confusão comum entre tempo e clima. O tempo são as
condições da atmosfera num determinado dia, enquanto o clima pode ser entendido
como a média do tempo no longo prazo. O tempo é caótico e dominado por
variabilidades de curto prazo (não é à toa que a teoria do caos foi criada por
um meteorologista). O clima é algo mais previsível. Não dá para saber se em um
determinado dia de janeiro choverá em São Paulo (isso é tempo); mas todo mundo
sabe que janeiro é um mês de chuvas em São Paulo (isso é clima).
Antes
de tudo, justiça seja feita aos meteorologistas: as previsões do tempo estão
cada vez mais precisas, então dá para saber se amanhã vai chover, sim.
Ocorre
que, conhecendo o clima de uma determinada região e conhecendo os elementos
capazes de alterar o balanço de energia do planeta (em especial os gases de
efeito estufa), é possível estimar como ele se comportará, em média, no futuro:
se será mais quente, mais frio, mais seco, mais úmido ou mais variável. De
fato, uma forma padrão de testar um modelo climático é saber se ele consegue
reproduzir a média das condições observadas no passado. Falaremos mais sobre
isso adiante.
3 –
“Mas a Antártida está ganhando gelo. Foi a NASA que disse. Logo, não há
aquecimento global”.
Esse
argumento ganhou tração nos últimos dias, devido a um estudo publicado pelo
glaciologista Jay Zwally, da NASA, segundo o qual o continente antártico na
verdade estaria contribuindo para reduzir o nível do mar. O estudo foi
avidamente reportado pela imprensa como um questionamento ao IPCC, o painel do
clima da ONU, que diz que a Antártida tem contribuído nos últimos anos para
elevar o nível do mar e o fará ainda mais intensamente nas próximas décadas.
Vamos
por partes: é preciso saber de que tipo de gelo e de que Antártida se está
falando. A Antártida está ganhando gelo, sim, de pelo menos uma maneira: o
cinturão de mar congelado que se forma todo ano ao redor do continente está
crescendo cerca de 100.000 km2 por ano. As causas disso ainda são
incertas, mas muitos cientistas acreditam que o buraco na camada de ozônio
esteja deixando o interior do continente mais frio, e a diferença de temperatura
entre o centro antártico e a periferia está deixando os ventos mais fortes em
volta do continente. Isso empurra a camada de mar congelado para longe da
costa, abrindo uma faixa de mar aberto que rapidamente congela. Na Península
Antártica, região mais afastada do polo Sul, o oposto acontece: o gelo marinho
está diminuindo a cada ano.
O
que Zwally e colegas argumentaram em seu estudo é que existe outro ganho de
gelo: o manto de gelo que recobre o continente estaria “engordando” de 1 cm a 3
cm por ano, devido a uma resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última
glaciação, 12 mil anos atrás. Essa engorda estaria acontecendo, sobretudo no
leste antártico, que concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal
ganho seria capaz de compensar as perdas que o próprio Zwally e vários outros
colegas já comprovaram, usando vários instrumentos diferentes, estar
acontecendo em duas outras regiões: a Península Antártica e o oeste antártico.
Que
não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no continente antártico, muito bem
documentada por satélites da NASA e da Agência Espacial Europeia. Foi a NASA
quem mostrou o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península
Antártica. E foi a NASA quem revelou, em 1998, que as geleiras do oeste
antártico estavam em franco derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de
gelo foi de 147 bilhões de toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria
elevado o nível do mar em 0,27 milímetros por ano. Quase todo esse gelo vem do
oeste antártico. Um estudo recente sugere que o colapso das geleiras do oeste
antártico é irreversível e fará o mar subir 3,3 metros na escala de séculos.
O
leste é um mistério que os cientistas ainda não conseguiram decifrar. Nenhuma
das medições com satélite feitas até aqui conseguiram responder se há ganho ou
perda de gelo naquela região. Os cientistas costumam dizer que ela está em
equilíbrio.
O
estudo de Zwally muda algumas premissas sobre os dados e argumenta não apenas
que há ganho, mas que esse ganho mais do que compensa as perdas. Mas, como as
medições naquela região são muito difíceis de fazer, alguns glaciologistas
acham que ele está errado – embora “haja uma chance pequena de que esteja
certo”, como disse ao OC o glaciologista Ian Joughin, da Universidade de
Washington. A figura abaixo, produzida por um pesquisador da Instituição
Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o consenso em relação à
dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo são representadas pelos
tetângulos. De 13 estudos, o de Zwally (retângulos marrons no alto da imagem) é
o único a apontar ganho líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir
de 2005 (aqui Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele
só vai até 2008).
Portanto, a Antártida continental está provavelmente perdendo mais gelo do que ganhando, e elevando o nível do mar. E só vai ficar pior no futuro.
Portanto, a Antártida continental está provavelmente perdendo mais gelo do que ganhando, e elevando o nível do mar. E só vai ficar pior no futuro.
4 –
“O AGA (Aquecimento Global Antropogênico) é uma teoria anticapitalista da
esquerda para regular livre-iniciativa e dar todo o poder ao Estado” (diz a
extrema direita) ou sua variante espetacular: “O AGA (Aquecimento Global
Antropogênico) é a cabeça de ponte do imperialismo” (diz a extrema esquerda).
Parece
incrível que alguém ainda use esse tipo de argumentação 25 anos depois da queda
do Muro de Berlim. O bom dessas duas falácias é que uma delas já está
descartada de cara pela aceitação da outra: afinal, o aquecimento global não
pode ser ao mesmo tempo uma conspiração da
esquerda (caso em que fica difícil explicar a ação de políticos como
Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Miguel Arias Cañete, todos de partidos
conservadores) e da direita
(caso em que fica difícil explicar como a verdadeira cabeça de ponte do
imperialismo, o Partido Republicano dos EUA, se opõe maciçamente a
combatê-lo). Conforme-se, Aldo Rebelo.
5 –
“Nos anos 70 previram uma era do gelo”
Nos
anos 1970, medições de temperatura mostravam uma tendência de 30 anos de
resfriamento em relação ao período pré-2a Guerra. Isso fez alguns
cientistas teorizarem que o Holoceno pudesse estar chegando ao fim e que a
Terra pudesse estar entrando numa nova era glacial. A imprensa comprou a
história pelo valor de face, embora essa não fosse a opinião majoritária entre
os cientistas: um levantamento de 68 artigos científicos sobre o tema naquela
época mostra que 10% previam resfriamento global, 62% previam aquecimento e 28%
não davam veredicto.
Hoje
sabemos, graças aos estudos do clima do passado gravado no gelo antártico, que
a longa duração do Holoceno não é sem precedentes na história da Terra: há 400
mil anos, um período interglacial durou 28 mil anos. O nosso tem cerca de 10
mil. Ou seja, a próxima era do gelo causada por fatores naturais ainda deve
demorar um tempinho.
6 –
“Não há consenso entre os cientistas de que a Terra está esquentando, nem
evidência de que isso seja culpa dos seres humanos”.
É
preciso saber antes o que é consenso e quem são esses cientistas. “Cientistas”
é uma categoria ampla demais: a teoria da relatividade geral pode não ser “consenso”
entre os zoólogos, assim como a evolução pode não ser “consenso” entre os
físicos. A opinião de uns sobre o domínio dos outros vale tanto quanto a de
qualquer outro leigo. Como João Gilberto costuma dizer, vaia de bêbado não
vale.
Então
a pergunta que precisa ser feita é: há consenso entre os climatologistas – que
fazem pesquisa na área e publicam suas pesquisas em periódicos com revisão por
pares, sujeitos ao julgamento da comunidade científica e ao falseamento – de
que o aquecimento global é real e causado por humanos?
O
pesquisador australiano John Cook e a turma do site Skeptical Science se
fizeram essa pergunta em 2013. Eles vasculharam 12 mil artigos científicos na
literatura que mencionavam “aquecimento global” e “mudança climática”, e
constataram que 97% deles afirmavam que o fenômeno é real e causado por
humanos. Questionários enviados aos autores dos artigos produziram a mesma
cifra: 97%. Portanto, sim, há consenso entre os cientistas. Um estudo de 2007
da americana Naomi Oreskes e outro de 2012 de James Powell chegaram às mesmas
conclusões. Powell ilustrou seus resultados desta forma:
Agora vamos à segunda parte: há evidências de que isso seja causado por seres humanos? Em outras palavras, existe uma impressão digital humana no clima? Quem responde a essa pergunta são os satélites, esses diabólicos instrumentos da “ideologia aquecimentista”.
Agora vamos à segunda parte: há evidências de que isso seja causado por seres humanos? Em outras palavras, existe uma impressão digital humana no clima? Quem responde a essa pergunta são os satélites, esses diabólicos instrumentos da “ideologia aquecimentista”.
Caso
a Terra estivesse esquentando por uma mudança na quantidade de radiação que
chega do Sol, único fator natural capaz de mudar o balanço de energia do
planeta, um satélite que medisse a temperatura ao longo das camadas da
atmosfera veria um aquecimento por igual da estratosfera, a camada superior, e
da troposfera, a camada mais baixa. Os satélites têm feito essas medidas. E o
que eles detectaram? A troposfera está esquentando, OK. Mas a estratosfera está
mais fria. Por quê? Porque a
radiação solar reemitida pelo planeta na forma de infravermelho (calor) está
ficando presa na troposfera. Por quê? Porque há uma mistura de gases na
troposfera que são opacos ao infravermelho, ou seja, bloqueiam esse tipo de
radiação. Essas medições são coerentes com um agravamento do efeito estufa, ou
seja, um aumento na quantidade de CO2, metano, óxido nitroso e vapor
d’água (sim, vapor d’água!) na atmosfera. Existe alguma fonte de gases de
efeito estufa capaz de fazer isso? Sim: nós.
7 –
“Os Estados Unidos tiveram um recorde de nevascas no último inverno. Cadê o seu
aquecimento global”?
Aquecimento
global é a média da temperatura planetária, associada ao aumento da quantidade
de energia armazenada na atmosfera, que leva a mais extremos climáticos, sejam
de calor ou de frio (sim, frio), de seca ou chuva, às vezes nas mesmas regiões.
O aquecimento aumenta a evaporação dos oceanos e a quantidade de energia na
atmosfera. Isso favorece tempestades mais fortes. Onde chove, chove mais, num
período mais concentrado (paradoxalmente, isso também aumenta as estações
secas). Onde neva, neva mais. É simples assim.
8 –
“O aquecimento global parou em 1998”.
Esse
argumento está errado de tantas maneiras que valeria um post inteiro só para
ele. Muita gente de boa fé, incluindo cientistas e jornalistas de ciência
veteranos, já foi seduzida por essa tese. Ela afirma que, após 1998, a curva de
aumento de temperatura da Terra parece ter “estacionado”, ou seja, o
aquecimento aparentemente parou de acelerar. Eu disse aparentemente.
O
que aconteceu foi que, primeiro, 1998 foi um ano incomum: teve o El Niño mais
forte já registrado antes deste de 2015. O El Niño joga o termômetro para cima
no mundo todo. Se você olha a série de dados a partir de 1998, vai ter a
impressão de que o aquecimento estacionou, porque começou a olhar de um ponto
fora do padrão. O gráfico abaixo mostra como ao olhar a série inteira do século
esse efeito desaparece, e vemos claramente uma progressão de aquecimento, com
alguns períodos sem aceleração. Mesmo com 15 anos de aparente estase, todos os
15 anos mais quentes da história aconteceram no século 21, à exceção de 1998. É
um recorde atrás do outro. Os anos de 2005 e 2010 foram os mais quentes, depois
superados por 2014, que será superado por 2015.
A outra explicação para a desaceleração do aquecimento global foi dada pelos pesquisadores americanos Kevin Trenberth e Magdalena Balmaseda: em vez de ir esquentar a atmosfera, a energia em excesso dos gases-estufa estava esquentando as camadas mais profundas do oceano.
A outra explicação para a desaceleração do aquecimento global foi dada pelos pesquisadores americanos Kevin Trenberth e Magdalena Balmaseda: em vez de ir esquentar a atmosfera, a energia em excesso dos gases-estufa estava esquentando as camadas mais profundas do oceano.
Por
fim, há quem diga que a tal “pausa” no aquecimento nunca existiu: trata-se
apenas uma ilusão estatística.
9 –
“É tudo modelo. Se você torturar o modelo, ele te diz qualquer coisa”.
Modelos
são grandes conquistas da humanidade. Mais até do que a mandioca. Eles permitem
fazer perguntas e testar ideias sobre a natureza em situações de outra forma
impossíveis. Os remédios que você toma foram testados em modelos celulares e,
eventualmente, em animais. O avião no qual você viaja foi testado antes num
modelo computacional. Se não houvesse modelos, os aviões teriam de ser testados
pela primeira vez na prática, depois de construídos – quem sabe, com uma
tripulação de “céticos” da modelagem a bordo.
Como
dito acima, modelos de clima (representações matemáticas da Terra, com
atmosfera, polos, superfície e mares) precisam ser testados para “prever o
passado” antes de colocados para rodar e simular o futuro – ou seja, simular as
condições das últimas décadas para ver se a modelagem bate com o que foi
medido. Modelos que falham no teste são simplesmente deletados.
Dito
isso, os vários modelos climáticos globais têm personalidades matemáticas
distintas, que lhes introduz vieses. O modelo do Centro Hadley, do Reino Unido,
mostra um mundo em média mais seco no futuro. O modelo japonês Miroc mostra um
mundo em média mais úmido. Para diluir o viés e reduzir a chance de erro, o
IPCC usa mais de duas dezenas de modelos globais. E eles dão resultados
incrivelmente parecidos.
10 –
“O professor fulaninho diz que é tudo mentira”.
Voltamos
à história de quem são os cientistas e qual é o consenso. Até pouco tempo
atrás, havia em alguns veículos de imprensa o vício de entrevistar um ou outro
negacionista mais midiático como forma de garantir “equilíbrio de visões” nas
reportagens, como se em ciência todas as opiniões valessem a mesma coisa (volto
à caricatura dos zoólogos debatendo relatividade geral), e como se a academia
estivesse dividida 50% a 50% sobre o assunto. Este vídeo hilário do
comediante inglês John Oliver mostra como seria se a imprensa resolvesse
representar de fato o equilíbrio de visões da academia sobre a mudança do
clima.
No
Brasil houve dois negacionistas ilustres da mudança climática. Ambos são
meteorologistas (ou seja, têm o costume de olhar o tempo, não o clima), a
segunda categoria de cientista com mais propensão ao negacionismo climático (a
primeira são os geólogos). Os currículos de ambos revelam uma escassez de
publicações sobre mudança climática em periódicos indexados em bases de
publicações nacionais ou internacionais (a indexação é uma medida, ainda que
imperfeita, da seriedade e da relevância de uma publicação acadêmica). No caso
de um deles, todos os sete artigos “científicos” que publicou sobre o tema
saíram numa obscura revista eletrônica que tinha ele próprio no conselho
editorial. Repetindo João Gilberto, vaia de bêbado não vale. (ecodebate)
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