De
certa forma, a história da humanidade é marcada por profundas e constantes
transformações – avanços tecnológicos, urbanização, explosão populacional,
disseminação de informações -, para citar apenas esses poucos exemplos.
Inexoravelmente,
essas – e quaisquer outras – transformações, cedo ou tarde, acabam nos
acertando em cheio; razão pela qual sempre percebemos o mundo em frenético
movimento.
Dentro
desses poucos exemplos citados, vale dar especial atenção, primeiramente, a
taxa de urbanização. Se, em 1800, apenas 3% dos indivíduos no mundo viviam em
cidades, duzentos anos depois – dados de 2010 – metade da população mundial é
citadina.
Para
o ano de 2060, há uma previsão de que 80 por cento da população mundial estará
habitando os centros urbanos, abandonando assim os costumes da vida rural.
Em
1900, quando a população mundial contava 1,6 bilhão de habitantes, apenas 12
cidades mundiais possuíam mais de 1 milhão de moradores. Cinquenta anos depois,
esse número de cidades saltou para 83. Hoje, com 7,2 bilhões de habitantes,
existem 23 megacidades com população superior a 10 milhões de habitantes.
Para
2050, com projeções indicando uma população global de 9,5 bilhões de pessoas,
serão 50 as cidades mundiais que terão população superior a 10 milhões de
indivíduos, pressionando por serviços ecossistêmicos, desequilibrando mais
ainda a situação ambiental, agravando um pouco mais a já combalida saúde do
planeta.
Esse
inchaço populacional das megacidades, obviamente, permite então degradar a
qualidade de vida dos povos de diferentes maneiras, quer seja nas inóspitas
condições de moradia, no ar que se respira, no caótico trânsito, no aumento da
marginalidade e da insegurança, na explosão do subemprego com salários
aviltados pelo excesso de mão de obra entre outros.
Com
isso, nem é preciso ressaltar que transformações tecnológicas e científicas,
independentemente dos setores em que se manifestam, mudam completamente padrões
de comportamento social e humano. Às vezes, para o bem; outras, nem tanto.
No
estágio atual em que as coisas estão cada vez mais interligadas, afinal, tudo
se conecta a tudo, uma vez que nada está separado, é comum parte considerável
da humanidade não dar devida atenção às duas forças mais poderosas que conferem
sentido ao universo: a vida e o amor.
Por
conta disso, a maioria – mas não todos – dos indivíduos se afastam não raras
vezes da busca espiritual, deixando de lado suas crenças religiosas, relegando,
pois, a segundo plano a prática de alguns princípios e valores éticos,
preferindo no lugar um mergulho no mundo material – objeto de cobiça para uma
pretensa vida hedonista, recheada de satisfação e prazer, a partir da
acumulação de bens e do usufruto de serviços.
Isso,
inequivocamente, leva a civilização a um completo isolamento dos princípios
mais elementares da vida, bem como das mais importantes relações sociais. Não
obstante, opera-se no interior das pessoas a falsa sensação de se achar
pertencente a uma raça superior, verdadeiros “senhores absolutos do universo”;
muitos se julgam, comumente, capazes de subjugar a tudo e todos, incluindo às
leis da natureza, usadas e exploradas ao próprio bel-prazer dos povos.
Talvez
isso explique, em linhas gerais, a ruptura do ser humano com a natureza, do
homem com o meio ambiente, da criatura com as coisas naturais (a água, o ar, o
solo, as plantas, os animais) feitas pelo Criador.
Tal
conduta leva à configuração de uma crise maior, por isso sistêmica, tal qual a
vivenciada atualmente.
Desse
modo, somos forçados a pensar que, desde que a modernidade colocou o indivíduo
no centro de tudo, o aparecimento e acirramento de diversas crises – econômica,
cultural, ambiental, agrícola, de ausência de valores morais – foi então
facilitada, e cada vez mais se imiscui em nosso convívio.
Ademais,
não é nossa intenção analisar aqui de forma pormenorizada cada uma dessas
crises. Mesmo assim, três delas – ausência de valores morais, econômica e
ambiental – merecem, en passant, algumas breves notas.
Dessas
três crises, a mídia parece sempre dar mais destaque a econômica. Diante disso,
os diferentes governantes, agindo como espécies de “médicos-salvadores” da
enfermidade global, adotam sempre o mesmo tipo de remédio milagroso: doses
excessivas de crescimento industrial injetado nas veias econômicas, a partir da
recuperação e do incentivo ao consumo.
No
entanto, esse “corpo médico”, não raras vezes, faz vistas grossas aos efeitos
colaterais do medicamento aplicado, não se dando conta de que o aumento brutal
do consumo verificado nas últimas décadas no mundo globalizado constitui,
essencialmente, uma das causas principais (senão a principal) da patologia
consumista que só faz agravar a já combalida saúde do planeta, decorrente do
esgotamento dos serviços ecossistêmicos e da acintosa depleção natural imposta
pelo modo de produção econômica global.
Tal
qual uma infecção generalizada, da crise econômica resulta então a crise
ambiental; por sinal, de proporções e consequências mais graves que a primeira.
Mapeando
a origem da atual crise ambiental, a meu ver, ela pode ser contada justamente a
partir da posição central que o indivíduo passou a ocupar na civilização,
quando decidiu tomar decisões pautadas numa lógica que, de três séculos para
cá, tem ditado o ritmo e o estilo de vida da humanidade.
Qual
seria essa lógica? A que faz do consumismo espécie de escada de acesso à
melhoria de vida pessoal, como se a aquisição (e o acúmulo) de coisas materiais
resultassem automaticamente em mais felicidade e bem-estar.
Envolvido
na busca das coisas materiais, quase que literalmente “consumido” pela
ideologia consumista, adepto da financeirização da economia e da homogeneização
cultural, sequioso de alcançar o progresso pessoal em curtíssimo prazo, o homem
de hoje, erroneamente chamado de moderno, insiste em quantificar – pela via
monetária – a vida em toda sua plenitude.
Lamentavelmente,
isso parece conduzir os indivíduos à terceira crise que mencionamos: a ausência
de valores morais.
Essa
crise, como não poderia deixar de ser, também apresenta idiossincrasias
próprias: começa a partir do “valor” e da prioridade conferidas ao mercado de
consumo e as mercadorias, aos bens e serviços consumidos, a partir do momento
em que os indivíduos passam a ser conduzidos pelo mercado publicitário, pela
mania consumista, e, não obstante, acabam sendo “abduzidos” pela obsolescência
programada, pela moda e pelo constante apelo de marketing.
Não
por acaso, em pouco tempo a indústria da publicidade se tornou o segundo maior
orçamento mundial, perdendo apenas para a indústria bélica.
Voltando
a atenção para o ser humano, é fato indiscutível que em nenhum outro momento da
história a humanidade se viu assim, mergulhada numa sociedade de descarte, em
que “comprar algo novo” tem mais importância que consertar o usado; em que o
“ter” tem mais “peso e valor” – em alguns casos até mesmo valor sentimental –
do que o “ser”.
A
taxa de derrelição material da humanidade nunca foi tão abusiva e tão sem
sentido. Somos hoje transformadores de lixo; descartamos tudo. Na média, cada
indivíduo consegue produzir 1 quilo de lixo por dia. No mundo, a cada 24 horas,
dois milhões de toneladas de esgoto e outros efluentes são lançados nas águas
do mundo, de acordo com estudos publicados pela UNESCO/WWAP-2003.
Por
tudo isso é recorrente a afirmação de que essa crise de ausência de valores
morais passa também pelo tratamento desdenhoso que a civilização confere à
natureza, sempre subordinando-a às condutas econômicas que respondem, por sua
vez, por mais produção, sem a prática mínima de ética alguma, sem o menor
cuidado e parcimônia quanto aos limites existentes na natureza, especialmente
no que concerne ao uso dos recursos naturais e energéticos.
A
prova cabal disso é que a humanidade, desde os anos 1980, vem usando 20% a mais
do que o planeta é capaz de oferecer. Se a saúde do planeta já estava
debilitada, imaginemos um corpo (a Terra) 20% mais quente, em termos febris.
Colocando
essa questão num terreno mais sólido, explicitamente o elo existente entre
produção, consumo, seres humanos e biodiversidade, mostra uma relação bem
conflituosa, resultando em considerável perda, alteração e fragmentação de
habitats, e destruição do patrimônio natural.
Consoante
a isso, as Pegadas Ecológica e Hidrológica – medidas de demandas da humanidade
sobre os recursos naturais renováveis da terra – evidenciam de forma clara a
insuportável pressão exercida pelos humanos sobre o Planeta.
Em
torno disso, os números não mentem: 10% das terras férteis do mundo já viraram
desertos; a cada ano, 13 milhões de hectares, equivalente ao território da
Grécia, são desmatados para dar lugar a atividades agropastoris.
O
mundo já perdeu, apenas nos últimos 50 anos, 35% dos manguezais, 40% das
florestas e 50% das áreas alagadas. O estoque de peixes, em âmbito global,
nesse momento em que escrevo, está 80% menor.
Assim,
já adentramos na fase da defaunação, termo que indica a ação de defaunar, ou
seja, remover ou destruir uma população de animais. A taxa de extermínio de
espécies – plantas e animais – ocasionada pela ação humana, tem sido estimada
de 50 a 100 vezes superior à perda por causas naturais. Por dia, a humanidade
elimina quase 150 tipos diferentes de organismos vivos – componentes bióticos.
A
saúde precária do planeta, como pode ser facilmente observada, é causa direta
da interferência desordenada do ser humano no meio ambiente. Em outras
palavras, por conta de nosso consumo excessivo, de nosso estilo de vida, de
nosso jeito agressivo de lidarmos com o mundo natural, somos agentes causadores
da enfermidade ecológica que tem desequilibrado as condições naturais da Terra.
Não
há como esconder o sol diante de uma peneira: a combalida saúde do planeta tem
tudo a ver com a nossa ação sobre o meio ambiente. Contra fatos, não há
argumentos. (ecodebate)
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