Mercado de carbono dá licença aos mais ricos para poluir,
afirmam ambientalistas.
Um dos temas centrais da
22ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP22),
que começa em Marrakesh (Marrocos), é o mercado de carbono.
Um
dos temas centrais da 22ª edição da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre
Mudanças Climáticas (COP22), que começo em Marrakesh (Marrocos), o mercado de
carbono tornou-se pilar dos esforços internacionais para incentivar reduções de
gases de CO2. Um grupo de acadêmicos, ambientalistas e ativistas
sociais vem questionando a supervalorização que lideranças mundiais dão à precificação
do carbono como solução para os problemas do aquecimento global.
No
Brasil, representantes de comunidades localizadas em regiões ricas em recursos
naturais relatam sofrer com o assédio de empresas voltadas para atividades
econômicas florestais.
O presidente
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (PA), Manuel Edvaldo Santos
Matos, contou que as redes de comunidades indígenas, camponeses e populações
tradicionais têm resistido à implantação de projetos de comercialização de
créditos de carbono florestal na Unidade de Conservação Tapajós-Arapiuns, de
mais de 640 mil hectares de floresta. Um projeto que estava sendo articulado
pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o
Ministério do Meio Ambiente e organizações internacionais de gestão e
conservação de florestas e de financiamento de negócios sustentáveis foi
suspenso depois que indígenas ocuparam a sede do instituto em Santarém, em
agosto de 2015.
“Tentaram
impor um projeto que impede a população de exercer as atividades produtivas no
território de forma sustentável. Além disso, muitos ali são nômades, a floresta
para eles não tem fronteiras e precisa da terra para sobreviver”, comentou.
Na
época, o projeto já contava com investimento inicial de R$ 385 mil da iniciativa
privada, disse Matos. “O dinheiro não iria diretamente para as comunidades, mas
para os cofres do governo. E de lá não teríamos o controle desse destino. Mas
ainda não acabou. Estão retornando com essa discussão”, lamentou. “As
comunidades temem ser proibidas de exercer as atividades produtivas de manejo
dos recursos naturais, plantar mandioca, milho e outras culturas de
subsistência. Precisamos é de regularização fundiária para acabar com os
conflitos de terra, ter acesso à saúde e educação, à assistência técnica e
política para a gente poder viver da nossa produção”, declarou.
O
ICMBio informou que “nunca existiu qualquer projeto de geração de créditos de
carbono. Apenas foi iniciada uma discussão com as comunidades sobre o tema, que
não avançou por motivos diversos”.
Para
a raizeira de Turmalina (MG) Lourdes Cardozo Laureano, a biodiversidade e o
conhecimento não podem ser precificados. “Vemos que há uma disputa pela
biodiversidade do Cerrado, que é muito rica, como também o nosso conhecimento,
muito ligado ao patrimônio genético. Vemos com desconfiança essa economia
verde, que prioriza o dinheiro, o valor de mercado”, declarou. “Tratamos da
saúde da comunidade usando as plantas e raízes do cerrado. Conhecemos o perfil
de saúde e doença das famílias, a mulher que teve parto difícil, a que o marido
passou doença para ela, a família que tem dificuldade com segurança alimentar.
Esse conhecimento e o uso sustentável da natureza não têm preço, mas é muito
valioso”, afirmou.
Financeirização
da Economia
A valoração
do meio ambiente com mecanismos tradicionais de mercado foi tema de palestra
promovida pela Fundação alemã Heinrich Böll Brasil, no Rio de Janeiro, no fim
de outubro. Os conferencistas defenderam que a lógica da economia verde,
baseada na métrica do carbono, causa mais danos do que benefícios ao meio
ambiente e aos cidadãos do planeta.
Coautor
do livro Crítica à economia verde, o pesquisador alemão Thomas
Fatheuer declarou no encontro que os métodos utilizados até o momento de
redução de emissões não lograram frear a devastação das florestas nem a
poluição. “E ainda estão impulsionando o uso de tecnologias arriscadas e
prejudiciais, como a energia nuclear, sob a alegação de que emitem menos
carbono. Um estudo recente aponta que mais de 60% da produção mundial de óleo
de palma estão sendo queimados para servir de combustível, florestas sendo
queimadas na Indonésia para diminuir as emissões na Europa”, disse ele.
“Os
caminhos para diminuir as emissões de CO2 estão sendo traçados pelo
mercado e não pelos cidadãos. Essa é a grande falha da economia verde”, afirmou
Fatheuer. Uma das saídas para o problema, defendeu, é a abertura de espaços
políticos para cidadãos evitarem violações e distorções ocasionadas pela ganância
das empresas e a maior democratização das riquezas, para que a economia volte a
servir ao ser humano, e não ao contrário.
A
pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Camila Moreno,
coautora do livro A Métrica do Carbono: Abstrações Globais e Epistemicídio
Ecológico, ressaltou que, ao longo dos anos, foi construído um discurso
que acabou por justificar e naturalizar a métrica do carbono no mundo.
“A
métrica do carbono é uma ficção simplificadora e despolitizante. Nega as
diferentes formas de saber que dão sentido à existência de povos e de culturas
no mundo. A racionalidade científica isola as contradições nas várias partes do
mundo, dos ecossistemas, das cadeias alimentares, das relações sociais e de
poder, religiosas, isola tudo isso em um ambiente asséptico, criando unidade no
mundo”, declarou ela, ao defender que a ciência não é livre de ideologias.
“É
possível no site da empresa aérea pagar um pouco mais para neutralizar
a ida para a Europa. Não se questiona a sociedade do consumo, dos privilégios.
Precisamos problematizar esse simplismo da teoria que enxerga a natureza como
máquina. Sabemos como a ciência é produzida, financiada e controversa. A
ciência é o vértice a partir do qual hoje se exerce o real poder na sociedade”,
completou
Monoculturas
Monocultura de Eucalipto (produção de papel e celulose)
Monocultura
é a produção ou cultura agrícola de apenas um único tipo de produto agrícola
(ex: soja - está associada aos latifúndios).
Monocultura de Bovino
Outro
aspecto negativo desse mercado, segundo os grupos críticos à economia verde, é
a expansão de monoculturas. O agrônomo Luiz Zarref, da coordenação do Movimento
dos Sem Terra (MST), lamentou a quantidade de terra ocupada por árvores de
crescimento rápido, como o eucalipto geneticamente modificado, que acaba por
destruir milhares de hectares de terra, devido à grande quantidade de água que
retiram do solo.
De
acordo com Zarref, os principais movimentos sociais do campo entendem que a
agroecologia – agricultura a partir da perspectiva de um ecossistema
sustentável – é a única possibilidade de reprodução do campesinato e de
produção de alimento em larga escala. “Precisamos garantir a soberania
alimentar, o que queremos produzir, onde e quando. Precisamos de reforma
agrária e alimento saudável para as cidades”.
O
plantio de árvores exóticas, como o eucalipto, segundo o Ministério do Meio
Ambiente, sequestra dióxido de carbono da atmosfera e fornecer fonte de carvão
vegetal renovável e neutro em carbono. O secretário de Mudanças Climáticas e
Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Everton Lucero, informou
que o governo quer incentivar essa atividade econômica no país. “É um setor que
valoriza os recursos naturais e a floresta e tem grande potencial de
contribuição para atingirmos as metas de redução de carbono até 2025 e até
2030”, disse ele. “As empresas que trabalham nessa área estão estruturadas com
ciclo de cultivo longo e estruturam o plantio considerando as áreas de preservação,
corredores ecológicos e a manutenção de vegetação nativa”.
Na
opinião do secretário, o modelo de desenvolvimento deve mudar, mas uma economia
de baixo carbono só será alcançada no longo prazo. “Por isso, precisamos de uma
estratégia que valorize os recursos ambientais e estimule a utilização de
energias renováveis em substituição aos combustíveis fósseis”, disse ele.
Forma
X conteúdo
Para
o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Hittl, a métrica do
carbono tem sido muito útil como indicador e diagnóstico do problema. “A gente
analisa a concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera a partir da
métrica do carbono. Assim como amostras de gelo na Antártica nos permitem
percorrer a história de centenas de milhares de anos da concentração desses
gases na massa de gelo. A métrica do carbono nos permite dizer que em pelo
menos 4 milhões de anos nunca houve tanta concentração de carbono na atmosfera
como hoje”, lembrou.
“Os
padrões de produção e consumo atuais precisam ser modificados. Infelizmente,
não vamos mudar as bases do capitalismo com todos os seus efeitos perversos a
tempo de solucionar o problema das mudanças climáticas. Temos seis anos e dois
terços de chance de limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Precisamos mudar
drasticamente essa trajetória”, afirmou Hittl.
O
diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André
Guimarães, argumentou que o fato de haver projetos ruins não inviabiliza a
ideia original da comercialização de créditos de carbono. “Precisamos separar a
forma do conteúdo. A forma realmente deve ser aprimorada, transparente, não
deve ser um projeto imposto de cima para baixo”, disse. “Precisamos combater o
mau uso do dinheiro, a apropriação de direitos das populações tradicionais, mas
preservar a floresta e o desenvolvimento sustentável custa dinheiro. Se a forma
está errada, melhoremos a forma, mas não deixemos de investir”.
A
presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Suzana Kahn,
acredita que o mercado de carbono pode ser muito útil se não priorizar apenas a
redução de carbono. “É interessante encarecer o processo produtivo que utilize
carbono. Mas é preciso criar uma série de condicionantes, determinando os
projetos elegíveis para entrar no mercado e mecanismos de controle eficazes”,
disse ela.
O
único consenso aparente é de que justiça social e democracia forte são os
caminhos mais seguros para o desenvolvimento sustentável. “Se não melhorarmos
nossa democracia, com reforma política abrangente, vamos continuar discutindo,
debatendo, e todos vão perder. E aqueles que sempre ganharam com a exploração
predatória dos recursos naturais vão continuar ganhando”, observou Carlos
Hittl. (ecodebate)




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