A poluição do meio
marinho por detritos de plástico: visão geral
ONU lança campanha contra
poluição dos oceanos provocada por consumo de plástico.
A poluição do meio marinho por detritos de plástico:
visão geral
Introdução
As correntes oceânicas têm vindo a desenvolver durante
décadas detritos flutuantes em todos os cinco principais giros oceânicos (do
Atlântico Norte, do Atlântico Sul, do Índico, do Pacífico Norte e do Pacífico
Sul). Um giro oceânico é um grande sistema de correntes marinhas rotativas,
particularmente as que estão relacionadas com os grandes movimentos do vento, e
é causado pelo efeito da força de Coriolis (Heinemann et al., 1998). As
correntes rotativas criam grandes manchas e redemoinhos de lixo, sendo muito
dele constituído por resíduos de plástico (Jeftic et al., 2009).
No entanto, a quantidade exata de plástico que
continua a ser encaminhado para os oceanos do mundo continua a não ser
suficientemente conhecida. Um estudo de 2015 do grupo de trabalho sobre
resíduos marinhos do National Center
for Ecological Analysis and Synthesis (NCEAS), da Universidade da
Califórnia, Santa Barbara, publicado na revista Science estima que a quantidade de resíduos de plástico que são
despejados no mar ronda os 8 milhões de toneladas anualmente (Jambeck et al.,
2015). O grupo de trabalho NCEAS prevê que o impacto cumulativo nos oceanos
poderá ser tão elevado como 155 milhões de toneladas em 2025.
Contudo, o planeta não vai chegar ao “pico de
resíduos” global antes de 2100 (Hoornweg et al., 2013), o que tenderá a agravar
ainda mais a situação. “Estamos, deste modo, a ser dominados pelos nossos
resíduos, mas o problema não é insuperável”, segundo Jambeck.
Naturalmente, que a inversão desta tendência alarmante
passa pela redução do crescimento de plástico industrial e doméstico de uso
único e por estratégias de gestão e recuperação, a par de responsabilidade
alargada do produtor.
A poluição plástica (polímeros sintéticos) está
distribuída globalmente em todo o ambiente marinho devido às suas propriedades
de flutuabilidade e durabilidade, portanto, com potencial para se tornar
amplamente dispersa no ambiente marinho através da hidrodinâmica e correntes
oceânicas.
Através de fotodegradação (ação da luz solar) e
outros processos atmosféricos, nomeadamente, biodegradação (ação de organismos
vivos normalmente micróbios), degradação térmica (resultado da exposição
prolongada a radiações UV) ou hidrólise (reação com água), os fragmentos
plásticos dispersam-se no oceano, vindo a convergir nos giros. A geração e
acumulação de poluição de plástico também ocorre em baías fechadas, golfos e
mares cercados por linhas costeiras e bacias hidrográficas densamente povoadas
(Barnes et al., 2009).
A absorção de substâncias tóxicas do plástico durante
o seu percurso através do ambiente levaram alguns investigadores a afirmar que
polímeros sintéticos no oceano devem ser considerados como resíduos perigosos
(Rochman et al., 2013).
O presente trabalho aborda os perigos da poluição de
microplásticos existentes e emergentes no Atlântico Norte, procurando
sensibilizar para o problema e contribuir para os esforços em curso para
desenvolver soluções para a poluição plástica.
O problema
Muitos autores definem microplásticos como partículas
menores que 5 mm (e.g. NOAA, 2009), enquanto outros colocam o limite superior
em 1 mm (e.g. Claessens et al., 2011), sendo, no entanto, o valor de 5 mm o
mais utilizado. Este (5 mm) é o tamanho usado pelo norte-americano National Oceanic and Atmospheric Administration
(NOAA) para o Programa Lixo Marinho.
Estas partículas têm vindo a ser detectadas, de forma
crescente no seio do biota aquático, afetando o zooplâncton de alimentação dos
peixes, aumentado assim a preocupação com potenciais efeitos sobre os organismos
aquáticos e a potencial influência sobre a toxicidade de outros contaminantes
do meio marinho.
Os plásticos, fabricados a partir de recursos não
renováveis como petróleo, carvão e gás natural são indispensáveis na sociedade
moderna e são amplamente utilizados nos mais variados tipos de indústria.
Trata-se de um material omnipresente na civilização contemporânea e
encontramo-lo sob as mais variadas formas. As propriedades dos plásticos
levaram a inúmeros avanços tecnológicos, economia de energia, melhoria da saúde
dos consumidores e redução dos custos de transporte.
Devido à sua muito baixa taxa de degradação, quebrando
apenas gradualmente, através de ação mecânica, persistem por séculos. Os
plásticos de tamanhos variados acumulam-se tanto em ecossistemas terrestres
como aquáticos.
Dada a sua importância na nossa sociedade, é também um
dos materiais mais descartados no ambiente como lixo, muito do qual não recebe
o destino correto e acaba, invariavelmente, nos mares, transportados por rios,
cheias, e outros fatores humanos, tornando-se um dos fatores de impacto mais
drásticos e observáveis no ambiente.
No meio marinho, os plásticos acumulam-se tanto em
áreas costeiras baixas como no oceano aberto e encontram-se desde os trópicos
aos mares polares, cuja acumulação no giro oceânico, juntamente com vários
outros resíduos, incluindo produtos químicos, tem despertado crescente
preocupação, o que representa um grande desafio para a sua remediação (Zarfl et
al., 2011).
Apesar da sua jovem idade, os plásticos já invadiram a
maioria dos habitats marinhos
incluindo a Antártida (Zarfl & Matthies, 2010) e até mesmo o mais puro e
intocado: o fundo do mar Ártico como Bergmann & Klages (2012) demonstraram
recentemente.
No entanto, apesar da consciência crescente do
problema da poluição de plástico, ele continua a ser produzido, consumido e
descartado a uma taxa crescente, o que constitui um problema para a biosfera
como um todo, em animais marinhos que por sua vez afeta negativamente a
biodiversidade (Rochman et al., 2013). Em 2011, a produção mundial de plásticos
aumentou para cerca de 280 milhões de toneladas, continuando um padrão de
crescimento de cerca de 9% ao ano desde 1950 (Plastics Europe, 2012).
O fundo do mar é considerado como um esgoto para
grande parte dos plásticos marinhos. Interferem fisicamente no ambiente por
acumulação, soterrando seres vivos que vivem no fundo do oceano ou bloqueando
parte da superfície quando flutuam em grandes maciços, libertando substâncias
tóxicas.
Origem da poluição plástica
Grande parte da poluição de plástico tem origem
terrestre (80%), não só a partir do uso doméstico em áreas urbanas e
industriais, como de estações de tratamento de água que usam técnicas limitadas
e ineficientes para eliminar microplásticos, sendo normalmente transportados
pelo escoamento da água e do vento para o oceano.
Os restantes 20% são de origem marítima (Jeftic et
al., 2009), resultantes do despejo do lixo não regulamentado ou ilegal da
atividade de transporte marítimo ou, por variadas razões ter de perder a
totalidade ou parte da sua carga, e ainda a poluição originada pelas atividades
industriais baseadas no mar, como por exemplo a pesca que, nas últimas décadas
se acentuou devido ao aperfeiçoamento de técnicas e equipamentos, à expansão
das frotas e à introdução das linhas e redes de plástico. Segundo Allsopp et
al. (2007) observações informais indicam que são descartadas até 30 km de redes
em cada viagem de navio pesqueiro no Atlântico Norte, situação que, muito
provavelmente, se deve repetir noutros oceanos. Linhas, cordas e redes
enredam-se em hélices de navios, danificando-as, obstruem tubulações e sistemas
de bombeamento de água, provocam entrelaçamento da fauna marinha que a leva à
morte por estrangulamento e afogamento, complicando a própria atividade
pesqueira e a navegação em geral, tornando-se um problema de todos.
As plataformas petrolíferas são também grandes
fontes da quantidade de plásticos derivados dos tubos de perfuração, capacetes
de proteção, luvas, uso como abrasivos em aplicações de limpeza (também em uso
doméstico) entre outros.
A aquicultura também pode ser um contribuinte
significativo de detritos plásticos nos oceanos.
A
situação no Atlântico Norte
Os
resíduos de plástico, são uma séria ameaça aos ecossistemas marinhos. Depois de
decompostos em fragmentos microscópicos, o que pode durar séculos, libertam
substâncias tóxicas, misturam-se com o plâncton, são confundidos com alimento
por várias espécies e por serem indigeríveis, causam obstruções no seu aparelho
digestivo matando-os ou ferindo-os, acabando assim infiltrados em toda a cadeia
alimentar oceânica, que mais tarde contaminará a alimentação humana. Afetando
os ecossistemas e espécies, muitas delas de valor económico, naturalmente que o
Homem acaba prejudicado também, como a ciência já comprovou. As grandes vítimas
são tartarugas (espécie ameaçada), aves, focas e outros grandes animais
marinhos.
Um
levantamento realizado em praias da Espanha, França e Itália revelou em média a
existência de 1 935 objetos diversos por km2 da faixa costeira: 77%
deles eram de plástico, e destes, 93% eram sacos utilizados nas compras
domésticas (Madan & Madan, 2009).
Estudos recentes efetuados na Escócia (Murray &
Cowie, 2011) demonstraram que 83,0% dos lagostins recolhidos no Mar de Clyde
ingeriram plástico, incluindo linhas de monofilamento e fragmentos de sacos de
plástico. Num outro estudo realizado no Canal da Mancha (Lusher et al., 2013),
das 504 amostras examinadas em 10 espécies de peixe foram observados plásticos
no trato gastrointestinal de 36,5%. Todas as cinco espécies pelágicas e as
cinco demersais (que vivem no fundo do mar) tinham ingerido plástico, a sua
maioria constituído pelos polímeros rayon (57,8%), poliamida (35,6%), muito
usados na indústria pesqueira, não existindo diferenças significativas entre a
ingestão de microplásticos pelos peixes pelágicos (38%) e demersais (35%). A
maioria do plástico ingerido era constituída por fibras sintéticas (68,3%),
seguido de fragmentos plásticos (16,1%), pellets e “microbeads” (11,5%),
ocupando os microplásticos 92,4% do total.
O Mar do Norte e, particularmente, o lodaçal das marés
do Mar de Wadden é um ecossistema diversificado, complexo, que atua como um
valioso habitat para a vida
marinha com um alto grau de biodiversidade. Ao mesmo tempo, o Mar do Norte está
rodeado pelas densamente povoadas nações industrializadas do norte da Europa.
Aproximadamente 185 milhões de pessoas vivem em estados ribeirinhos, e milhões
de turistas visitam a área do Mar do Norte todos os anos para recreação (OSPAR,
2010). Várias indústrias e grandes portos estão localizados em baías ou
estuários dos grandes rios como o Reno, o Elba e o Tamisa.
No que diz respeito à exploração humana offshore, o Mar do Norte é afetado
pela pesca intensiva e o tráfego marítimo de navios comerciais, de passageiros,
de embarcações de recreio e militares. Alguns programas regionais, como a
Convenção OSPAR promovem e gerem ações e medidas potenciais, para evitar maior
degradação do meio ambiental marinho.
No estuário do rio Tamar (Sudoeste do Reino Unido)
designado em 2013 como Zona de Conservação Marinha pela sua biodiversidade e habitats variados para proteger os habitats estuarinos, os
microplásticos e potencialmente, também à escala nanométrica representam mais
de 80% de plásticos retidos (Browne et al., 2007).
Muitos
países já registaram declínio na pesca por causa do lixo, e o problema afeta
também o turismo. Os impactos económicos ainda não foram estimados com
precisão, e só se dispõe de estudos pontuais, mas a partir deles é fácil
projetar a dimensão global dos prejuízos.
Nas
ilhas Shetland (Reino Unido) os detritos marinhos dão prejuízos para a pesca
que chegam a mais de 3 milhões de euros anuais na danificação de equipamentos e
prejuízo nos peixes. No Reino Unido, em 1998 foram registados 200
incidentes envolvendo motores de barcos danificados por detritos, e alguns
portos britânicos gastam até 33 mil euros anuais por problemas relacionados
(Jeftic et al., 2009).
Os impactos dos detritos plásticos a longo prazo,
combinados com outras formas de agressão, como a crescente poluição química por
fertilizantes e esgotos, o aquecimento das águas devido ao aquecimento global,
o declínio da biodiversidade marinha e outros fatores terão repercussões, sem
dúvida à escala global, afetando profundamente o Homem.
As zonas costeiras são as regiões mais produtivas do
mundo, tanto biológica como economicamente, mas são também altamente
vulneráveis, sobretudo em zonas mais densamente povoadas. Deve ter-se em conta
que grande parte da população mundial vive no litoral, recebendo impactos
diretos da poluição por detritos marinhos, plásticos e outros.
Esforços para regular a poluição marinha
Desde a Convenção MARPOL (1973), a principal Convenção
que abrange a prevenção da poluição do meio marinho por navios, causada de
forma operacional ou acidental, muitos esforços nacionais e transnacionais têm
procurado compreender melhor e regular a poluição marinha.
Estes esforços têm conduzido a resultados tangíveis
nas formas de melhorar a cultura ambiental, através de acordos internacionais e
legislação, nomeadamente, (i) o Protocolo de MARPOL a partir de 1978,
atualizado ao longo dos anos com sucessivas alterações (ii) a Comunicação da
Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma política marítima integrada para a
União Europeia (COM(2007) 574) (iii) a Diretiva 2008/56/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio
da política para o meio marinho (Diretiva-Quadro “Estratégia Marinha”) em que
os Estados-membros devem desenvolver atividades para alcançar “um bom estado
ambiental” nos mares europeus até 2020 (iv) a Convenção OSPAR (Convenção para a
Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste), um instrumento legislativo
vigente desde 1998, que regula a cooperação internacional em matéria de
proteção ambiental no Atlântico Nordeste. Combina e atualiza a Convenção de
Oslo de 1972 sobre o despejo de resíduos no mar e a Convenção de Paris adotada
em 1974 sobre fontes de poluição marinha terrestres (v) a Public Law 109 – 449, de dezembro
2006 (EUA) com vista ao estabelecimento de um programa para ajudar a
identificar, determinar as fontes, avaliar, reduzir e evitar detritos marinhos
e os seus efeitos adversos sobre o ambiente marinho e segurança da navegação.
Estes esforços legislativos refletem a sensibilização
da sociedade para com a poluição costeira e de mar aberto.
Possíveis soluções
A UNEP, a agência das Nações Unidas que coordena as
suas atividades ambientais e ajuda os países em desenvolvimento na
implementação de políticas e práticas ambientalmente saudáveis recomenda, entre
outras, as seguintes medidas para minimizar o impacto negativo dos detritos
marinhos, enfatizando que a prevenção é mais efetiva e mais barata do que o
combate a um problema já instalado (Jeftic et al., 2009):
- Reforço e melhoria internacional da legislação sobre
o lixo e sua fiscalização;
- Estabelecimento de programas de monitorização;
- Educação do público em larga escala conduzindo à
mudança de hábitos, fazendo-o entender a importância do problema, seu papel nas
causas, e ensinando formas de preveni-lo e mitigá-lo, dirigindo-se
especialmente ao público que vive no litoral e aos turistas;
- Reestruturação do setor pesqueiro, introduzindo
métodos e materiais de pesca menos danosos ao ambiente;
- Incrementar a eficiência e segurança dos sistemas de
manuseamento de lixo dos navios de transporte de carga e passageiros;
- Incentivar a pesquisa e o intercâmbio de informações,
a cooperação global, preparando mais pessoal técnico;
- Dedicar mais
incentivos e recursos a infraestruturas sanitárias e a programas de redução do
lixo e de manuseamento correto dos resíduos.
Em 2007, um grupo
bastante invulgar de náufragos deu à costa no norte da França. Era constituído
por patinhos de borracha e acabava de concluir uma viagem épica com 15 anos,
iniciada em janeiro de 1992, data em que um navio que viajava entre Hong Kong e
os Estados Unidos perdeu parte da carga durante uma tempestade. Um dos
contentores caídos ao mar continha 28 800 brinquedos, alguns dos quais tinham
aparecido anos antes na costa australiana e na costa leste dos Estados Unidos.
Outros atravessaram o Estreito de Bering e o Oceano Ártico, tendo chegado à
Gronelândia, ao Reino Unido e à Nova Escócia.
Conclusões
Os primeiros relatos de lixo plástico nos oceanos no
início dos anos 70 (Colton et al., 1974) chamaram a mínima atenção da
comunidade científica. Atualmente, apesar do reconhecimento generalizado do
problema, a quantidade de detritos de plástico encontrada no meio ambiente
continua a aumentar, resultado da sua crescente utilização.
Na sociedade contemporânea, o plástico alcançou um
estatuto fundamental, com vasta aplicação comercial, industrial e medicinal. A
procura é considerável.
As tendências de produção, padrões de uso e as
mudanças demográficas e a natureza descartável de artigos de plástico resultará
num aumento da incidência de plásticos e detritos microplásticos, no ambiente
marinho.
O meio marinho é um património precioso que deve ser
protegido, preservado e, quando exequível, recuperado com o objetivo último de
manter a biodiversidade e de possibilitar a existência de oceanos e mares
diversos e dinâmicos, limpos, sãos e produtivos. Os detritos marinhos, em
especial os plásticos, são um desafio de grandes proporções que cresce a cada
dia, é uma das mais omnipresentes formas de poluição e tem dado enormes
prejuízos, e por isso tem chamado a atenção internacional, mas as medidas até
agora adotadas têm sido insuficientes para a reversão de um quadro que é muito
preocupante e cuja repercussão é de longo prazo.
De acordo com Jambeck et al. (2015), a “remoção em
grande escala de detritos marinhos de plástico não vai ser rentável e muito
provavelmente simplesmente inviável”. “Isso significa que precisamos para
evitar plástico de entrar nos oceanos, em primeiro lugar de uma melhor gestão
dos resíduos, mais reutilização e reciclagem, melhor design de produto e materiais de substituição”.
Definitivamente, o oceano tem de deixar de ser o
principal sumidouro de plásticos. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário