Biossistema: Uma saída sustentável para tratar esgotos
em favelas
Equipe bota a mão na
massa para construir o biossistema no Vale Encantado, no Alto da Boa Vista
O
ponto de partida foi o pedido do líder comunitário Otávio Barros, que
queria um modo de resolver o problema do tratamento de esgoto sanitário na
comunidade do Vale Encantado que, como o nome bem sugere, é um enclave de 27
casas em meio ao verde da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista. Para
os pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Leonardo Adler
e Tito Cals, que há sete anos conheciam o potencial do biodigestor em
sistemas de pequena escala, o problema seria um bom meio de testar na prática o
que andavam pesquisando.
Desafio
aceito, Adler e Cals procuraram o apoio do professor Tácio de Campos, Cientista
do Nosso Estado, da FAPERJ, e coordenador do Núcleo de Excelência em Geotecnia
Ambiental do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio, e foram
pesquisar o que já havia sido feito nesse campo. A equipe estudou o modelo
indiano, que vem sendo instalado naquele país desde 1939, e o modelo chinês,
que, nos anos 1970 já contava com mais de 7 milhões de sistemas do gênero
instalados, aproveitando esterco animal para gerar gás em zonas rurais. No
Brasil, uma organização não-governamental, o Instituto Ambiental (OIA), foi
criada para gerir o primeiro sistema implantado no município de Silva Jardim
pelo instituto alemão Hamburger Umweltinstitut, projeto que mais tarde foi
estendido à região de Petrópolis.
“Para
a construção do projeto na comunidade do Vale Encantado, celebrou-se acordo de
transferência de tecnologia entre a PUC-Rio e a organização
não-governamental Viva Rio, que contratou um dos fundadores do OIA,
Valmir Fachini, para construir biossistemas no Haiti. Naquele país já foram
construídos aproximadamente 100 biossistemas. Parte da mão de obra utilizada é
de moradores da própria região”, diz o coordenador Tácio de Campos. Para
implantanção do sistema no Vale Encantado, a equipe também contou com recursos
do Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ.
Para
quem ainda não ligou o nome ao objeto, biossistema é a integração das etapas
anaeróbica e aeróbica do tratamento de esgoto. A biodigestão é a primeira
etapa. Nela, os resíduos passam pelo biodigestor, uma câmara inteiramente
fechada, onde não há entrada de oxigênio, o que favorece a proliferação de
bactérias anaeróbicas que digerem aquela matéria orgânica presente nos esgotos
domésticos, gerando, em contrapartida, biogás, que nada mais é do que uma
combinação dos gases metano, carbônico e sulfídrico. Com a vantagem que o
biogás gerado pode ser muito bem aproveitado, alimentando, por exemplo, um
fogão, ou mesmo um aquecedor. “Em escalas maiores é possível gerar energia
elétrica ou até combustível automotivo”, anima-se Adler.
Os
sólidos não digeridos se depositam no fundo do biodigestor, de onde são
removidos manualmente uma vez por ano e encaminhado à caixa de
compostagem. Ali, em condições ideais de temperatura, aeração e umidade, a ação
dos microorganismos presentes nos resíduos promove a degradação aeróbia desse
material. O que resulta desse processo inteiramente natural pode ser utilizado
como fertilizante, empregado em plantações de frutíferas. É a chamada
compostagem.
Já
os efluentes líquidos são encaminhados à segunda fase do tratamento, a chamada
zona de raízes, uma sequência de tanques, preenchidos com material filtrante –
que nada mais são do que pedras de brita de tamanhos diferentes, no caso, 1 e 4
– e plantas de brejo (que podem ser sombrinha chinesa ou papiro). Essas plantas
absorvem os nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) e transferem oxigênio
para esses efluentes. “Também há oxigenação do material a partir do
preenchimento e do transbordamento dos tanques que compõe a zona de raízes. No
final, o que resta é água limpa, livre de contaminantes ou tratamento químico,
que pode ser descartada sem maiores problemas”, afirma Adler.
“A
grande questão é que um biossistema depende de espaço. O biodigestor do Vale
Encantado, dimensionado para 150 pessoas, possui 3,40 metros de diâmetro x 1,70
de altura. A zona de raízes pode ser dimensionada considerando 1m2
por pessoa ou usando todo o espaço disponível caso não seja possível utilizar o
dimensionamento proposto pela literatura. Faltando espaço, o biodigestor pode
ser completamente enterrado, o que também ajuda a manter a temperatura ideal no
interior do tanque. Não há quaisquer riscos de explosões ou coisa semelhante,
já que não há oxigênio e nem faíscas que possam se inflamar”, explica Adler. Na
pior das hipóteses, em caso de vazamento, como o biogás é mais leve do que o
ar, ele acaba se dispersando naturalmente. “Nós já fizemos testes neste
sentido”, garante Adler.
No
Vale Encantado, aderir ao sistema será compensador. Cinco casas já estão
conectadas à rede e produzindo biogás, que está abastecendo a família que mora
mais perto do sistema. Na próxima etapa do projeto, será construída a rede que
ligará todas as casas ao biossistema. “Com o esgoto de cinco casas, conseguimos
gerar uma hora de gás por dia. Quando ligarmos as 27 casas da comunidade ao
sistema, acreditamos que poderemos abastecer integralmente três ou quatro
famílias.
Se isso não parece tanto em
termos de geração de gás, temos que pensar que estamos evitando a poluição
dessa região da Floresta da Tijuca. E isso, por si só, já é um ganho e tanto”,
afirma.
Além
do ganho ambiental do projeto, há também os ganhos sociais. Diversos
grupos já visitaram o biossistema e aproveitaram para almoçar no restaurante
comunitário do Vale Encantado, incluindo-se entre esses visitantes uma
delegação da Columbia University, de Nova York. “Tudo isso mostra que, com a
implantação do biossistema no Vale Encantado, o que era um grande problema pode
se transformar numa ótima solução”, finaliza. (ecodebate)
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