Ativista brasileira vai 'ao
fim do mundo' contra extração de petróleo no Ártico.
Vítima do aquecimento global
nas Filipinas acompanha ação do Greenpeace.
O navio
Arctic Sunrise, leva 29 tripulantes, entre eles a brasileira Thais Herrero e a
filipina Joana Sustento.
Navegando a cerca de mil
quilômetros do Polo Norte, a jornalista e ativista brasileira Thais Herrero se
mostra surpresa com a quantidade de vida no mar de Barents, ao norte da
Noruega.
- Dá uma excitação de estar
no polo norte do planeta. Não paro de pensar no globo, nos mapas e em quanta
vida tem aqui. Baleias em volta de nós, golfinhos, pássaros voando o tempo
todo! Mostra o quanto de vida existe escondido de nós. E a gente é tão pequeno,
vem aqui, instala uma plataforma de petróleo que pode devastar tudo isso em um
instante.
Thaís
afirma ter ficado mais apreensiva com o frio que com represálias do governo
norueguês.
Ela
e outras 28 pessoas embarcaram no meio de julho no navio Arctic Sunrise, da ONG
Greenpeace. O grupo zarpou da cidade norueguesa de Tromsø ao Mar de Barents
para uma série de ações contra a exploração de petróleo no Ártico.
Ao
contrário do Antártida, o Ártico não é um continente, mas uma capa de gelo que
em alguns pontos chega a 20 metros de altura. Boiando sobre o mar, seu
derretimento não afetaria diretamente o nível dos oceanos ao redor do mundo. No
entanto, gelo reflete grande parte dos raios vindos do sol, o que torna a região
um ar condicionado da Terra. A água do mar absorve o calor vindo do sol,
aumentando a temperatura do planeta, que derretem geleiras. Estas geleiras sim
aumentam o nível dos oceanos, o que gera mais calor, em um círculo vicioso.
Navegando
no extremo norte do planeta, em uma região cuja temperatura média no verão, de
junho a agosto, fica entre 4º e 6º, Thais se diverte com o quase pôr-do-sol às
23h da noite.
“Durante o verão o sol aqui não se põe nunca, é
o chamado sol da meia-noite. E é algo muito estranho para nós brasileiros que
vemos isso pela primeira vez”, explica Thais, que trabalha na sede da ONG em
São Paulo e já passou mais de 20 dias no mar acompanhando outra ação
ambientalista na foz do rio Amazonas.
No verão ártico, o sol não se põe nem mesmo as 23h,
quando foi tirada esta foto.
“Um
dia estávamos conversando no convés, umas 22h, super claro, e alguém veio
gritando que dava para ver baleias ao lado do barco. Quando consegui
avistá-las, e junto, um monte de golfinhos, foi super emocionante”, conta a
jornalista.
A
última brasileira a bordo do navio Arctic Sunrise foi a bióloga Ana Paula
Maciel, que acabou detida em 2013, com outros 28 tripulantes, durante ação do
Greenpeace contra a exploração de petróleo no Ártico pela estatal russa Gazprom.
Na ocasião, comandos armados de fuzis de assalto
desceram de um helicóptero no barco e trancaram todos, rebocando o navio até
Murmansk, onde ele ficou retido por nove meses. Ana Paula foi liberada dois meses após ser
presa, sob pagamento de fiança.
Thaís
diz não ter sentido medo quando embarcou na expedição rumo às plataformas
norueguesas de exploração de petróleo localizadas no mar de Barents a bordo do
navio, que é usado pelo Greenpeace desde 1995.
- Não
fiquei apreensiva porque não estamos confrontando as empresas. Estamos fazendo
um protesto pacífico, respeitando a linha de exclusão ao redor das plataformas
de petróleo, simplesmente para chamar atenção para o desrespeito que Noruega
está cometendo contra sua própria constituição. Tive mais medo do frio.
No inverno,
a temperatura médio em Barents é -16ºC.
Halvard
Raavand, diretor de campanha do Greenpeace na Noruega, explica o foco das ações
feitas neste momento no Ártico. A Noruega é um dos 195 países signatários do
Acordo de Paris, que reafirma o esforço para controlar drasticamente a emissão
de gases causadores do efeito estufa (sobretudo o CO2), para conter
o aumento da temperatura do planeta bem abaixo dos 2ºC, e próximo de 1,5ºC, em
referência à era pré-industrial.
Duas
semanas após a assinatura do acordo sobre o clima, o governo norueguês, através
da estatal petrolífera Statoil, decidiu abrir uma área completamente nova no
Mar de Barents pela primeira vez em mais de 20 anos.
“O
Ártico é uma área globalmente significativa em termos de biodiversidade e lar
de uma vida selvagem rica, porém vulnerável. Impedir que a indústria do
petróleo entre nessas águas, que de certo modo são uma das últimas áreas a
salvo da ação humana, é a única maneira de evitar um derrame de petróleo que
teria consequências catastróficas para a vida selvagem aqui”, comenta o
ativista. Thais Herrero complementa que o isolamento do local torna mais
difícil o trabalho de contenção de um eventual derrame, aumentando a gravidade
do problema.
- Um
dos maiores derramamentos de petróleo do mundo, o acidente do Exxon Valdez,
ainda afeta os ecossistemas do Ártico nas águas do Alaska, afirma Raavand.
Tragédia Filipina
Ao
lado de Thais e Raavand no Arctic Sunrise está a ativista filipina Joana
Sustento. Em novembro de 2013, o maior ciclone até então registrado, o tufão
Haiyan, arrasou as Filipinas com ventos de 315 km/h, causando a morte de ao
menos 6.300 pessoas no país, segundo as autoridades, e deixando mais de 550 mil
pessoas desabrigadas.
Entre
os mortos, estavam os pais e irmãos de Joana, na época com 22 anos. O único
sobrevivente foi um irmão mais velho, hoje com 33 anos. Dois anos depois em
2015, o furacão Patricia superou a intensidade do Haiyan, com ventos de 345
km/h.
Ação do
Greenpeace no Ártico.
Cientistas atmosféricos são
categóricos em ligar o aquecimento global ao aumento na intensidade ciclones.
"Tufões, furacões e todas as tempestades tropicais atraem sua vasta
energia do calor do mar. Sabemos que as temperaturas da superfície do mar estão
se aquecendo bastante ao redor do planeta", disse Will Steffen, diretor do
instituto de mudanças climáticas da Universidade Nacional Australiana (ANU) ao
jornal britânico The Guardian.
Segundo
um relatório especial do painel intergovernamental sobre mudanças climáticas,
"a velocidade média dos ventos de ciclones tropicais provavelmente
aumentará, mas a frequência global de ciclones tropicais provavelmente
diminuirá ou permanecerá inalterada".
Após
a morte de seus familiares, Joana abraçou o ativismo contra o aquecimento
global, visto por ela como causador do tufão Haiyan, participando de ações
contra as mudanças climáticas junto do Greenpeace nas Filipinas. Até ser
convidada a participar da ação na Noruega como testemunha da ação das
petrolíferas.
- Esta
é a primeira vez que vejo a uma estação de exploração de petróleo. Não posso
dizer que é chocante ou surpreendente, mas é uma sensação intensa, porque estou
finalmente ligando os pontos entre os grupos geradores e a tempestade que matou
minha família. Não posso descrever melhor o sentimento que tenho com isso.
Ciclones
são chamados de furacão quando ocorrem no oceano Atlântico e de tufão quando
ocorrem no Índico ou no Pacífico. Em comum, costumam atingir países com altos
níveis de pobreza, como as Filipinas ou Haiti. “Quando a tempestade bate, ela
não separa pobres de ricos, por alguns momentos todos somos iguais, sem
distinção. No entanto, os mais ricos conseguem reconstruir suas casas com muito
mais rapidez que aquela população que já lutava para se manter antes da
tragédia. E aí as diferenças ficam ainda mais visíveis”, comenta Joana, que
alerta:
- É
importante que as autoridades de todo mundo entendam que o aquecimento global
não é só sobre o aumento do nível do mar no futuro. As pessoas realmente estão
morrendo em decorrência do aquecimento global, e estão morrendo agora!
Joana
entrará como testemunha no processo que o Greenpeace, junto com a ONG
norueguesa Nature and Youth, abriram contra o governo norueguês, acusado de não
respeitar sua constituição.
Ação contra o Estado
A
Constituição norueguesa compromete políticos, empresas e cidadãos a
"proteger o direito das pessoas a um ambiente limpo e saudável para as
gerações futuras". Greenpeace e Nature and Youth (Natureza e Juventude, em
inglês) compreendem que a permissão para a abertura de 15 novas perfurações —
um número recorde — concedida pelo governo norueguês fere este princípio.
Segundo
o Greenpeace, a licença mais controversa é localizada em Korpfjell, localizado
a mais de 400 km de terra, e próximo da calota permanente de gelo do Ártico, um
importante local de alimentação para aves marinhas e animais selvagens. A ONG
afirma também que o governo norueguês ignorou todos os avisos de agências e
organizações ambientais.
Outra
crítica é a licença para a perfuração de petróleo próximo à ilha de Bjørnøya
(ilha do Urso, em norueguês), lar de uma das maiores colônias de aves marinhas
do hemisfério norte. "Um derramamento de óleo aqui poderia levar a uma
catástrofe ambiental em longo prazo. Já é hora de o governo norueguês assumir a
responsabilidade pelo meio ambiente e clima, juntamente com o resto do mundo”,
diz Sune Scheller, líder de projeto e que acompanha a expedição do Arctic
Sunrise.
O julgamento do processo contra o governo
norueguês será realizado em novembro deste ano. Até lá, a ONG planeja ações
semelhantes à deste verão (no hemisfério norte) para chamar atenção do público
na Noruega e ao redor do mundo para a causa. “Estávamos longe das plataformas
de petróleo, ou seja, eles mesmos não podiam ler o que estavam nas faixas. Mas
sabiam que estavam ali. E o Greenpeace sempre leva uma equipe de jornalistas,
da qual eu faço parte, para tornar visível para o resto do mundo as questões
combatidas”, explica a jornalista Thais Herrero.
Entrar
em um bote de borracha sobre águas próximas dos 0ºC exige preparação especial.
(r7)
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