Mudanças Climáticas: Quando o alarme não vem dos
‘catastrofistas’
Nos últimos
anos, não passa semana sem que a comunidade científica traga novos fatos e
projeções sobre o agravamento e a aceleração das multiformes crises ambientais
de nosso tempo. Desde 2015, a revista The Environmental Research Letters publicou uma
série de 22 artigos sobre a complexa questão da magnitude da resposta do clima
às emissões cumulativas de gases de efeito estufa. Ao publicarem em janeiro de
2018 uma “Revisão e Síntese” desses trabalhos, seus autores resumem mais uma
vez, na conclusão, o consenso científico sobre o que está em jogo nas mudanças
climáticas em curso:
“A
civilização global jamais enfrentou um desafio ambiental com tamanho potencial
para consequências catastróficas como o desafio colocado pelo aquecimento
global. As taxas de mitigação não estão ainda nem próximas do que seria
necessário para evitar mudanças climáticas perigosas, e é igualmente fato que
ao longo das últimas décadas o esforço de mitigação entre as nações oscila
entre o tateante e o inexistente. Além disso, o clima político em vários países
permanece atolado no debate sobre a realidade do próprio aquecimento global”.
E
arrematam: “A questão de saber se seremos capazes de atingir as metas firmadas no Acordo de
Paris não é uma questão científica”.
Têm razão,
os autores. A questão da capacidade das
sociedades de atingir essas metas não é uma questão científica. É uma questão
ao mesmo tempo individual e política. No plano da percepção e conduta
individuais, trata-se de tomar decisões baseadas na consciência de que a
economia é um subsistema da natureza, e não o contrário, como pensam os que
nela enxergam apenas matéria-prima. Dessa consciência decorre um programa
mínimo e inadiável de decisões individuais: consumir o estritamente necessário,
evitar o uso de plásticos, produzir menos resíduos e separá-los para a
reciclagem, não comer carne ou peixe ou comer sempre menos, alimentar-se à base
de produtos locais e sem agrotóxicos. O que é bom para o planeta é bom para
nós, como indivíduos, física e moralmente. No plano da cidadania, impõe-se
declarar guerra política frontal e total aos que lucram com a destruição dos
alicerces da vida no planeta, nomeadamente o agronegócio desmatador e
asmegacorporrações da agroquímica que o controlam, o Big Food e todo o complexo
industrial-financeiro ligado à mineração (em particular de combustíveis
fósseis) e às grandes represas, destruidoras de rios e grandes emissoras de
metano. O que é bom para a elite que lucra com esse modelo econômico
agropecuário e termo-fóssil é letal para as nossas sociedades e para as demais
espécies.
Da esquerda para a direita:
Christopher Wray, diretor do FBI, Mike Pompeo, diretor da CIA, Dan Coats,
Diretor da National Intelligence, Robert Ashley, diretor da Defense
Intelligence Agency, Michael Rogers, diretor da NSA, e Robert Cardillo, diretor
da National Geospatial Intelligence Agency, testemunhando diante da Comissão de
Inteligência do Senado dos EUA em 13/02/2018
Soluções,
portanto, existem, ainda estão ao nosso alcance e são tão claras quanto
difíceis, sobretudo em âmbito político. E como exigem que saiamos de nossas
zonas de conforto, é mais fácil negá-las ou travesti-las de soluções fáceis, o
que resulta em dois tipos de negacionismo. Há os que negam descomplexadamente
os fatos e a ciência. Representantes emblemáticos dessa posição é, nos EUA, o
Partido Republicano, que Noam Chomsky definiu como “a mais perigosa organização
da história humana” e, no Brasil, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo
Rebelo. Enquanto Donald Trump afirma que “o conceito de aquecimento global foi
criado por e para a China no intuito de tornar a indústria dos EUA não
competitiva”, Aldo Rebelo afirma em uma carta aberta dirigida a Marcio Santilli
que:
“O
cientificismo positivista que você opõe à minha devoção ao materialismo
dialético como uma ciência da natureza não terá o condão de me converter à
doutrina da fé que é a teoria do aquecimento global, ela sim incompatível com o
conhecimento contemporâneo. Ciência não é oráculo. De verdade, não há
comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de
que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da
natureza. (…) O chamado movimento
ambientalista internacional nada mais é, em sua essência
geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo”.
Por obtuso
e cínico que seja, esse primeiro tipo de negacionismo é eficiente porque se
associa a uma verdadeira engrenagem de desinformação de massa, financiada por
corporações que controlam órgãos da grande imprensa e mesmo alguns cientistas,
tal como Wei-Hock (Willie) Soon, vinculado ao prestigioso Harvard-Smithsonian
Center for Astrophysics.
O segundo
tipo de negacionismo, dirigido a um público mais informado, é sem dúvida mais
sofisticado e também mais mistificador. Sem negar de modo pueril as crises
ambientais e seu caráter antropogênico, ele se desdobra em contorcionismos
conceituais no intuito de (se) vender duas ilusões: (1) temos tempo, pois o
desastre não é iminente; (2) a causa do desastre não é a máquina de acumulação
de capital, ou seja, o próprio capitalismo, mas suas distorções e desvios de
conduta. De onde se
segue que a tecnologia, a diplomacia e o mercado, guiado por lideranças
corporativas “responsáveis” e encorajado por subsídios à transição energética e
doses crescentes de carbon
tax (desde que, naturalmente, não inibam o crescimento…),
serão capazes de corrigir gradualmente a rota e nos desviar a tempo da
catástrofe.
Essas
pílulas ansiolíticas de “desenvolvimento sustentável” são música para os
ouvidos dos que, diante da “imensa angústia” (huge anxiety) a que se referiu Christiana Figueres em
seu discurso no último Fórum Econômico Mundial em Davos, preferem a retórica
tranquilizante à ciência e à responsabilidade pessoal e política. A miragem de
uma descarbonização acelerada da economia e o sonho de que os signatários do
Acordo de Paris não apenas cumprirão suas lindas promessas de redução das
emissões de GEE, mas aumentarão sua ambição a cada cinco anos, são parte
essencial dessa psicoterapia do autoengano.
Statements for the
Record
Um traço
comum a esses dois tipos de negacionismo é o automatismo com que ambos
desqualificam e condenam ao descrédito o “catastrofismo” dos alertas da
comunidade científica. O inteiro arco ideológico do negacionismo é, contudo,
frontalmente desmentido e desmascarado quando o aviso de incêndio é acionado
pelos próprios serviços de repressão e de inteligência do establishment governamental.
Tomemos os
relatórios apresentados anualmente desde 2006 à Comissão de Inteligência do
Senado dos EUA pelo aparato policial e de inteligência dos EUA. Até 2012, as
sucessivas edições desses documentos, intitulados Statement for the Record. World
Threat Assessment of the U.S. Intelligence Community (Declaração para Registro. Avaliação das Ameaças Globais pela Comunidade de
Inteligência dos EUA, nem sequer mencionavam questões relativas às
mudanças climáticas e às crises ambientais em geral. Mas a partir de 2013,
esses documentos revelam uma crescente percepção do perigo. A parte não secreta
(unclassified) do
último Statement foi
lida no último dia 13 de fevereiro no Senado, com o endosso e a presença
perfilada de Christopher Wray, Mike Pompeo, Daniel Coats, Robert Ashley,
Michael Rogers e Robert Cardillo, diretores, respectivamente, do FBI, da CIA,
da National Intelligence, da Defense Intelligence Agency, da National Security
Agency e da National Geospatial Intelligence Agency. Eis o que afirma esse
documento, assinado por Daniel Coats, diretor da National Intelligence, nas
seções intituladas Ambiente e Mudanças Climáticas, Deslocamentos humanos e
Saúde:
“Os
impactos das tendências de longo prazo em direção a um clima mais quente, mais
poluição, perda de biodiversidade e escassez de água reforçarão provavelmente o
descontentamento econômico e social – e possivelmente a revolta – em 2018”.
– Os
últimos 115 anos foram o período mais quente na história da civilização moderna
e os anos recentes foram os mais quentes já registrados. Eventos meteorológicos
extremos em um mundo mais quente têm o potencial de causar maiores impactos e
podem se associar a outros fatores para aumentar o risco de desastres
humanitários, conflitos, escassez de água e alimentos, migrações em massa,
penúria de empregos, choques de preços e quedas de energia elétrica. As
pesquisas não identificaram indicadores de pontos críticos nos sistemas
climáticos sugerindo possibilidades de mudanças climáticas abruptas.
– A piora
da poluição atmosférica por causa de incêndios florestais, da incineração de
resíduos agrícolas, urbanização e rápida industrialização – com crescente
preocupação pública – pode suscitar protestos contra as autoridades, tais como
os ocorridos recentemente na China, Índia e Irã.
– A
aceleração da perda de biodiversidade e da extinção de espécies – causada por
poluição, aquecimento, sobrepesca e acidificação oceânica – ameaçarão
ecossistemas vitais que dão crucial suporte aos sistemas humanos. Recentes
estimativas sugerem que a taxa atual de extinção de espécies é 100 a 1.000
vezes maior que a taxa natural de base.
– Escassez
de água, associada a falhas na gestão de acordos de gestão cooperativa em cerca
de metade das bacias hidrográficas internacionais no mundo todo, bem como novos
represamentos unilaterais, devem, provavelmente, elevar as tensões entre os
países.
–
Deslocamentos globais quase certamente permanecerão próximos do recorde durante
o próximo ano, aumentando o risco de surtos de doenças, recrutamento por grupos
armados, revolta política e produtividade econômica reduzida. Conflitos
impedirão muitos refugiados no mundo todo e pessoas deslocadas em seus próprios
países de retornar à casa.
– A
frequência e diversidade de surtos de doenças aumentaram a uma taxa contínua
desde 1980, provavelmente reforçada pelo aumento da população, padrões de
viagens e de comércio e urbanização rápida.
– O aumento
da resistência a antibióticos, a habilidade de patógenos – incluindo vírus,
fungos e bactérias – a resistir a tratamentos farmacêuticos, deve provavelmente
superar o desenvolvimento de novas drogas, levando a infecções que não serão
mais tratáveis.
– As áreas
afetadas por doenças transmissíveis por vetores, inclusive o dengue, devem
provavelmente se expandir à medida que mudanças nos padrões climatológicos
aumentarem o alcance dos insetos.
– O Banco
Mundial estimou que uma grave pandemia global de gripe pode custar o
equivalente a 4,8% do PIB mundial – mais de US$ 3 trilhões – e causar
mais de 100 milhões de mortes”.
Obviamente,
ao descrever esses efeitos em curso ou previstos, esses serviços de
Inteligência não mencionam suas causas. Apenas alertam aos que os causam que há
problemas políticos crescentes à frente: “As respostas políticas a tais
questões tornar-se-ão mais difíceis – especialmente para as democracias – à
medida que a população torna-se mais cética em relação às fontes de informação
governamentais”.
As advertências do Pentágono e do Ministério da
Defesa dos EUA
Se os
termos em que se exprimem esses registros do aparato policial e de inteligência
dos EUA são cada vez mais incisivos, sua mensagem geral não é nova nos meios
militares e governamentais desse país. Há 30 anos, em 1988, James Hansen
testemunhou diante do Senado dos EUA sobre a evidência das mudanças climáticas.
Em 2004, Andrew Marshall, diretor do Office of Net Assessment (ONA) do
Departamento de Defesa dos EUA, encomendou um relatório cujas conclusões
sublinhavam que “um cenário de iminente e catastrófica mudança climática é
plausível e desafiaria a segurança nacional dos EUA num modo que deve ser
imediatamente considerado”. Em 2012, Leon Panetta, então Secretário de Defesa
dos EUA, admitiu que “a questão das mudanças climáticas tem um impacto
dramático sobre a segurança nacional, da elevação do nível do mar às secas
graves, ao degelo das calotas polares, a desastres naturais mais frequentes e
devastadores”. Um mais recente relatório do Pentágono, intitulado 2014 Climate Change Adaptation Roadmap,
volta a alertar:
“Temperaturas
globais em alta, mudanças nos padrões de precipitação, elevação dos níveis do
mar e eventos meteorológicos mais extremos intensificarão os desafios da instabilidade
global, fome, pobreza e conflito. Esses fenômenos provavelmente provocarão
escassez de alimentos e água, pandemias, conflitos sobre refugiados e recursos,
e destruição por desastres naturais no mundo todo”.
Como
se vê alertas não falta ao capitalismo, provenientes de sua própria burocracia
policial, militar e de inteligência. O que lhe falta é a percepção de que, tal
como Édipo em Tebas, a causa da peste a ser conjurada não é outra senão ele
próprio.
Em Davos, o capitalismo late para o espelho.
O mesmo
ocorre nos últimos encontros do Fórum Econômico Mundial
de Davos. Há animais dotados de autoconsciência e de senso de
individualidade, o que lhes permite reconhecer sua própria imagem ao espelho.
Não é o caso do capitalismo em geral e, em particular, dos milionários que
miram em Davos o mundo por eles criado à sua imagem especular, mas nele não se
reconhecem. É que, tal como a de uma personagem de Guimarães Rosa, em Tutameia, essa imagem é
“feia, de se ter pena do espelho”.
A 13ª edição
do The Global Risks Report 2018 de Davos é a primeira a
incluir uma seção intitulada “Choques Futuros”, que sublinha, nas palavras de
Klaus Schwab, fundador e diretor-executivo do Fórum, “a importância de estar
preparado não apenas para os riscos familiares e de desenvolvimento lento (familiar slow-burn risks), mas
para rupturas dramáticas que podem causar deterioração rápida e irreversível
nos sistemas dos quais dependemos”. O primeiro desses choques, segundo esse
relatório, é a possibilidade de “Rupturas de estoque que ameaçam a suficiência
alimentar global”. O texto afirma:
“Em um
mundo de tensões ambientais crescentes, nosso sistema alimentar cada vez mais
complexo está se tornando mais vulnerável a choques repentinos de oferta. A
interação entre fatores desestabilizadores tais como eventos meteorológicos
extremos, instabilidade política e pestes agrícolas, pode resultar em uma
quebra simultânea de colheitas em regiões-chave de produção de alimentos,
provocando escassez global e picos de preços. O risco de uma quebra sistêmica
poderia ser ainda mais elevado por fragilidades mais amplas, incluindo a
redução da diversidade de culturas, a competição pela água de outros setores e
as tensões geopolíticas”.
Outro choque para o qual esse documento alerta é o
colapso dos cardumes:
“Um terço
de todos os peixes consumidos no mundo são pescados ilegalmente. Tecnologias de
Inteligência artificial e drones são cada vez mais comuns. Acrescente a esses
fatos a automação da pesca ilegal e os impactos sobre os estoques de peixes
podem ser devastadores – particularmente nas águas internacionais, onde a
fiscalização é mais fraca. Existem inúmeras outras áreas onde a mesma lógica
pode se desdobrar: grandes incentivos de curto prazo podem levar ao uso de
tecnologias emergentes de forma a desencadear danos irreversíveis em longo
prazo. Um rápido colapso dos estoques de peixes pode gerar falhas em cascata
nos ecossistemas marinhos”.
Mais uma
vez, o capitalismo late para o espelho, pois é incapaz de perceber que, como
afirma Horácio, de tua res agitur,
de ti o assunto trata. De fato, aqui não se lê palavra sobre as causas desse
choque: uma indústria da pesca dominada por corporações que lucram com a
escassez crescente dos cardumes e uma agropecuária dominada pela agroquímica, produtora
de soft commodities globais e não de alimentos,
despreocupada com a biodiversidade e com a autossuficiência alimentar dos
territórios, funcionando à base de exploração insustentável do solo e da água,
além de dependente de uso crescente de agrotóxicos e de fertilizantes
industriais.
O capitalismo não é capaz de conservar o mundo que
o nutre
Num artigo
publicado no site do último
Fórum Econômico Mundial de Davos, Johann Rockström, diretor do Stockholm
Resilience Centre, escreve:
“Não posso
lhes dar uma data precisa, mas em algum momento nos últimos dois anos o mundo
atravessou um limiar, e a ação incremental sobre as mudanças climáticas saiu do
menu. Agora, para manter temperaturas abaixo de 2°C, precisamos de ação
exponencial. A Terra está agora 1,1℃ mais quente devido às nossas emissões
de gases de efeito estufa, e a mais recente avaliação científica, apresentada
na revista Geophysical Research Letters,
sugere que, se removermos toda a poluição do ar, que ameaça a vida, tal como
fuligem, sulfatos e nitratos, alguns dos quais diminuem as temperaturas, essa
remoção elevaria as temperaturas globais entre mais 0,5°C e mais 1,1°C. A
mensagem é terrível. Um mal global – o aquecimento global – está sendo
camuflado por outro mal global, a poluição do ar. Este é um lembrete de que
estamos realmente muito atrasados na solução da questão atmosférica”.
Portanto,
mesmo que nenhum grama de GEE fosse emitido a partir de hoje (mas estamos
emitindo 41 Gt GtCO2 e 53,4 GtCO2-eq ao ano, e
crescendo!), já estaríamos condenados a um aquecimento global médio entre
1,6℃ a 2,2℃ acima do período pré-industrial. A meta central do Acordo
de Paris – manter o aquecimento médio global o mais próximo possível de 1,5℃ –
já foi pulverizada pelo aquecimento camuflado pela poluição. Para
evitar aquecimentos ainda maiores, e definitivamente arrasadores, é preciso a
ação exponencial reclamada por Rockström. Mas ela é impossível no âmbito do
capitalismo. Prova suplementar dessa evidência é a clarividente percepção de
Mark Carney, diretor do G20 Financial Stability Board, citado por Rockström:
“Quando as mudanças climáticas tornarem-se um perigo claro e presente para a
estabilidade financeira, poderá ser já tarde demais para estabilizar a
atmosfera em 2℃”.
Os
negacionistas soft procuram
se tranquilizar com a ilusão de que a solução já está a caminho na forma de uma
grande transição energética em direção às energias renováveis e de baixo
carbono. Esquecem (?) que as energias renováveis e de baixo carbono não estão
substituindo os combustíveis fósseis. Estão apenas ajudando a satisfazer a
crescente e insaciável sede de energia do capitalismo. A dinâmica das mudanças
climáticas em curso nada tem a ver com a crescente quantidade de gigawatts
gerada por energias mais limpas. Ela é função das concentrações atmosféricas de
gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis. Ora, a
queima desses combustíveis continua crescendo e, consequentemente, também as
emissões dela resultantes, e não há uma única projeção à vista de que se estabilizem,
e muito menos diminuam, num futuro discernível. Se nossas sociedades desejam
conservar uma chance razoável de manter o aquecimento médio global abaixo do
nível considerado “catastrófico” (+3℃), elas devem começar a diminuir essas
emissões de GEE dentro de três anos e, em seguida, proceder a um carbon crunch, isto é, diminuí-las
pela metade a cada decênio, aproximando-se de zero até 2040 (a “ação
exponencial” evocada por Rockström). Essa “lei do carbono” foi reiterada mais
uma vez por Christiana Figueres aos seus milionários em Davos:
“Podemos
dirigir toda a nossa tecnologia, todo nosso engenho para fazer isso. Se não o
fizermos, o sofrimento humano, o custo humano – sem falar na natureza – é
francamente inaceitável, intolerável, irresponsável e jamais nos perdoaremos
como sociedade humana que tenhamos deixado isso acontecer”.
A semeadora
lançou palavras ao vento. Não é nessa audiência de ouvidos de mercador que as
sementes de sua mensagem germinarão. Nenhum dirigente presente em Davos, nem
menos Angela Merkel, que passa por campeã da transição energética (a tão
alardeada Energiewende), pode
exibir alguma coerência entre propaganda e ação. Seu governo abandonou suas
metas de redução de GEE para 2020 e a realidade pura e dura é que desde 2009 as
emissões da Alemanha estacionaram na casa dos 900 MtCO2-eq. Tal como
na famosa fábula do escorpião e do sapo, é da natureza dessa audiência se
preocupar antes e acima de tudo com suas taxas de lucro.
Restam
ainda alguns anos antes que as mudanças climáticas, o desmatamento, o declínio
da biodiversidade, a poluição e eutrofização do meio aquático e a intoxicação
dos organismos pelo agronegócio criem um mundo no qual a humanidade e muitas
outras espécies estarão condenadas inapelavelmente à extinção ou ao sofrimento
evocado por Christiana Figueres. Políticas efetivas, capazes de evitar o pior,
são ainda possíveis, mas, ao contrário do que propõem as mistificações do
negacionismo soft, elas não
nascerão em Davos. Elas devem ser buscadas em programas alternativos,
biocêntricos e populares, à margem da empulhação e, sobretudo, contra o
capitalismo, sua ideologia do crescimento ilimitado e seus serviços de
inteligência. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário