domingo, 23 de dezembro de 2018

Reuso Potável de Água na Região Metropolitana de São Paulo

1. O cenário
A Região Metropolitana de São Paulo-RMSP é abastecida com aproximadamente 70 m3/s por mananciais superfícies e com 10 m3/s com água subterrânea. Como a RMSP está instalada nas cabeceiras do rio Tietê, a disponibilidade hídrica local não é suficiente para abastecer 20 milhões de habitantes e um dos maiores parques industriais do mundo. O abastecimento depende, portanto de águas importadas de outras bacias hidrográficas, sendo a maior delas, a reversão de aproximadamente 30 m3 /s, da bacia do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí).
 Esta cultura de importar água de bacias cada vez mais distantes para satisfazer o crescimento da demanda remonta há mais de dois mil anos. Os Romanos, que praticavam uso intensivo de água para abastecimento domiciliar e de suas termas procuravam, de início, captar água de mananciais disponíveis nas proximidades. À medida que estes se tornavam poluídos pelos esgotos dispostos sem nenhum tratamento, ou ficavam incapazes de atender à demanda, passavam a aproveitar a segunda fonte mais próxima e assim sucessivamente. Esta prática deu origem à construção dos grandes aquedutos romanos, dos quais existem, ainda, algumas ruínas, em diversas partes do mundo. (Hespanhol, 2008)
A sistemática atual é irracional, resolvendo, precariamente, o problema de abastecimento de água em uma região, em detrimento daquela que a fornece. Há, portanto, necessidade de adotar um novo paradigma que substitua a versão romana de transportar grandes volumes de água de bacias cada vez mais longínquas.
Em função dos 80 m3/s de água aduzida na RMSP, é gerada uma vazão de esgotos de aproximadamente 64 m3/s. Como a capacidade instalada de tratamento na região é de apenas 16 m3/s, o esgoto bruto remanescente, isto é 48 m3/s,é despejado, sem nenhum tratamento, em corpos de água adjacentes, tornando-os cada vez mais poluídos.
Como confirmação deste critério milenar de planejamento, está em fase de projeto executivo a captação de água junto ao reservatório Cachoeira do França, no Rio São Lourenço, Alto Juquiá, para uma produção média de 4,7 m3/s. O sistema adutor, incluindo as linhas de água bruta e de água tratada é de aproximadamente 100 quilômetros, atingindo a região metropolitana de São Paulo, após um recalque superior a 300 metros. O projeto, além de envolver os já ultrapassados sistemas convencionais de tratamento, não apresenta quaisquer aspectos de viabilidade econômica pois vai demandar um investimento de 2,2 bilhões de Reais. (Sabesp, 2011) Nenhuma consideração adicional foi feita pelos tomadores de decisão, do volume de esgotos que seria gerado em função desta nova adução, ou seja, de aproximadamente 3.8 m3/s, os quais, certamente, serão dispostos, também, dispostos, nos já extremamente poluídos corpos hídricos da RMSP.
2. Sustentabilidade de sistemas de abastecimento de água
Sustentabilidade é um conceito técnico/filosófico genérico que não tem, isoladamente, significado prático e não pode ser avaliado em termos quantitativos. Em se tratando de sistemas de abastecimento de água, há necessidade de considerar algumas variáveis sistêmicas para avaliar a sua sustentabilidade. A sustentabilidade, nesse caso, deve ser visualizada como a probabilidade com a qual um sistema de abastecimento de água possa, permanentemente, suprir a demanda em condições satisfatórias. As variáveis mais importantes, que estabelecem, ou não, uma condição de sustentabilidade são:
(i) Robustez, refletindo desempenho consistente e capacidade de atender a uma demanda crescente, mesmo em condições de diversos tipos de estresses;
(ii) Resiliência, a habilidade do sistema de recuperar seu estado satisfatório após sofrer impactos negativos, como por exemplo, a perda de capacidade de atendimento de fontes de abastecimento, e;
(iii) Vulnerabilidade, a magnitude da falha de um sistema de abastecimento. (Hashimoto et all, 1982)
Sistemas, como por exemplo, o que abastece a RMSP, não são, portanto, sustentáveis porque são pouco robustos e possuem resiliência praticamente nula, e são extremamente vulneráveis, uma vez que permanecem na dependência de recursos oriundos de bacias que, por sua vez, também estão submetidas a condições extremas de estresse hídrico.
3. Reuso de Água e Sustentabilidade
A solução moderna e sustentável que potencializa significativamente a robustez e a resiliência do sistema de abastecimento de água da RMSP (e de qualquer região com estresse hídrico) consiste em tratar e reusar os esgotos já disponíveis no planalto que abriga a RMSP, para finalidades diversas, inclusive para complementação do abastecimento público.
4. A importância do Reuso de Água
A falta de recursos hídricos e o aumento dos conflitos pelo uso da água gerou a emergência da conservação e do tratamento e reuso, como componentes formais da gestão de recursos hídricos. Os benefícios inerentes à utilização de água recuperada para usos benéficos, ao contrario de disposição ou descarga inclui a preservação de fontes de qualidade elevada, proteção ambiental e benefícios econômicos e sociais. (Asano, 2007)
Nas regiões áridas e semiáridas, a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento urbano, industrial e agrícola. Planejadores e entidades gestoras de recursos hídricos, buscam novas fontes de recursos para atender às demandas crescentes, principalmente dos setores domésticos e industriais. No polígono das secas do nosso nordeste, a dimensão do problema é ressaltada por um anseio, que já existe há quase oitenta anos, para a transposição do rio São Francisco, visando o atendimento da demanda dos estados não riparianos, da região semiárida, situados ao norte e a leste de sua bacia de drenagem. Diversos países do oriente médio, onde a precipitação média oscila entre 100 e 200 mm por ano, dependem de alguns poucos rios perenes e pequenos reservatórios de água subterrânea, geralmente localizados em regiões montanhosas, de difícil acesso. Em muitos desses países, a água potável é proporcionada através de sistemas de dessalinização da água do mar e, devido a impossibilidade de manter uma agricultura irrigada, mais de 50% da demanda de alimentos é satisfeita através da importação de produtos alimentícios básicos. (Hespanhol, 1999)
Entretanto, a prática de reuso de água não é aplicável exclusivamente em regiões áridas e semiáridas. Muitas regiões com recursos hídricos abundantes, mas insuficientes para atender a demandas excessivamente elevadas, também experimentam conflitos de usos e sofrem restrições de consumo, que afetam o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida. Como acima considerado, a bacia do Alto Tietê, dispõe, pela sua condição característica de manancial de cabeceira, vazões insuficientes para atender á demanda da RMSP, embora apresente uma precipitação média de aproximadamente 1.490 mm/ano (Prefeitura Municipal de São Paulo, 2001).
Antevendo, precocemente, a necessidade de modificar políticas ortodoxas de gestão de recursos hídricos, principalmente em áreas carentes, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, propôs, em 1958, que, "a não ser que exista grande disponibilidade, nenhuma água de boa qualidade deve ser utilizada para usos que toleram águas de qualidade inferior". (United Nations, 1958). As águas de qualidade inferior, tais como esgotos de origem doméstica, efluentes de sistemas de tratamento de água e efluentes industriais, águas de drenagem agrícola e águas salobras, devem, sempre que possível, ser consideradas como fontes alternativas para usos menos restritivos. O uso de tecnologias apropriadas para o desenvolvimento dessas fontes, se constitui hoje, em conjunção com a melhoria da eficiência do uso e a gestão da demanda, na estratégia básica para a solução do problema da falta universal de água.
Dentro deste cenário, uma solução sustentável seria a de tratar e reusar, para fins benéficos, os esgotos já disponíveis nas áreas urbanas para complementar o abastecimento público. Esta prática contribuiria substancialmente para um aumento da robustez dos sistemas e tornaria o conceito de resiliência pouco significativo, uma vez que eliminaria as condições de estresse associadas à redução da disponibilidade hídrica em mananciais utilizados para abastecimento público.
Numa primeira etapa, esta proposta se desenvolveu em termos de reuso para usos urbanos não potáveis. Nos últimos anos esta proposta vem se ampliando no sentido de adotar o reuso para fins potáveis. Este conceito, além de se constituir em solução econômica e ambientalmente correta proporcionará água segura, o que não é, atualmente, proporcionado por sistemas convencionais de tratamento, que tratam águas provenientes de mananciais extremamente poluídos, inclusive com poluentes emergentes.
As tecnologias modernas de tratamento e de certificação da qualidade da água disponíveis atualmente têm grande potencial para viabilizar a utilização de mananciais desprotegidos, permitindo, por extensão, o reuso direto de água para fins potáveis. A prática do reuso potável direto, pelo fato de empregar tecnologia e sistemas de controle e de certificação modernos proporcionará, certamente, melhores benefícios em termos de saúde pública do que o emprego das tecnologias de tratamento convencionais para tratar água oriunda de mananciais extremamente poluídos contendo altas concentrações de esgotos domésticos e industriais.
5. Sistemas de Reuso Potável (Hespanhol, 2014)
Sistemas de reuso potável podem ser concebidos como Reuso Potável Indireto Planejado, Reuso Potável Indireto Planejado ou não planejado e Reuso Potável Direto.
5.1. Reuso potável indireto não planejado. (RPINP)
Sistemas de reuso indireto não planejados e, na grande maioria das vezes inconscientes, são praticados extensivamente no Brasil. Exemplos típicos são os lançamentos de esgotos (tratados ou não) e a coleta à jusante, para tratamento e abastecimento público, praticado em cadeia, por diversos municípios, ao longo do rio Tietê e do Rio Paraíba do Sul. Na RMSP a reversão do corpo central e do braço do Taquacetuba do reservatório Billings para o reservatório Guarapiranga, também se constitui em um sistema de reuso de água para fins potáveis, o qual não foi concebido dentro dos critérios e tecnologias associadas às práticas de reuso, pois as águas coletadas do reservatório Guarapiranga, após a reversão do reservatório Billings, são tratadas na ETA do Alto da Boa Vista através de um sistema convencional de tratamento.
Causa espécie, que o órgão regulador local, extremamente vinculado a normas irracionais e extremamente restritivas, ignore completamente os problemas ambientais e de saúde pública causada por essa sequência de lançamentos de esgotos brutos e de captação imediatamente à jusante para abastecimento público de água.
Um esquema ilustrativo de sistema de RPINP é mostrado na Figura 1.
Figura 1- Cenário típico de sistemas de reuso indireto não planejado efetuados em série
5.2. Reuso potável indireto planejado (RPIP)
Conceitualmente, o reuso potável indireto planejado, deve ser constituído por um sistema secundário de tratamento de esgotos, geralmente de lodos ativados e, mais modernamente, de sistemas de biomembranas submersas (iMBRs), seguido de sistemas de tratamento avançado e, se necessário, de um balanceamento químico antes do lançamento em um corpo receptor, superficial ou subterrâneo, aqui designados como Atenuadores Ambientais - AAs, como mostrado esquematicamente na Figura 2.
Os atenuadores ambientais podem ser corpos hídricos naturais associados aos sistemas de reuso potáveis diretos planejados. Podem ser aquíferos confinados, nos quais a recarga gerenciada é efetuada com os esgotos tratados, ou corpos receptores naturais, rios, lagos ou reservatórios construídos, (para regularização de vazões, para tomada de água, geração de energia elétrica ou para usos).
Figura 2 – Esquema básico de um sistema de reuso potável indireto planejado. (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011).
Múltiplos, nos quais os esgotos tratados são lançados e posteriormente captados para reuso indireto. Os atenuadores ambientais, tanto subterrâneos como superficiais tem o objetivo, de, por efeitos de diluição, sedimentação, adsorção, oxidação, troca iônica, etc., atenuar as baixas concentrações de poluentes remanescentes dos sistemas avançados de tratamento utilizados. A legislação do estado da Califórnia (CDPH, 2008), para recarga gerenciada de aquíferos (que poderia ser avaliada e adaptada para condições brasileiras), por exemplo, estabelece uma retenção de 6 meses, baseada na hipótese que cada mês de retenção proporciona a redução de uma ordem de magnitude (99%) de vírus, obtendo no período total uma redução correspondente a 6 ordens de magnitude (99,9999 %).
Os objetivos básicos de atenuadores ambientais são os seguintes:
· Proporcionar diluição e estabilização dos contaminantes ainda existentes no efluente tratado;
· Proporcionar uma barreira adicional de tratamento para organismos patogênicos e/ou elementos traços, através de sistemas naturais;
· Proporcionar tempo de resposta em caso de mau funcionamento do sistema avançado de tratamento;
· Proporcionar percepção pública de que ocorre um aumento da qualidade da água;
· Proporcionar, ao público consumidor, a percepção de que ocorre uma dissociação entre esgoto e água potável;
O reuso potável direto planejado é difícil de ser aplicado nas condições atuais brasileiras, devido ás seguintes características técnicas, ambientais, legais e institucionais:
· Os corpos receptores superficiais que poderiam operar como atenuadores ambientais são geralmente poluídos, não possibilitando os efeitos purificadores secundários deles desejados. Na realidade o oposto ocorreria, pois efluentes altamente purificados por processos avançados de tratamento seriam contaminados face aos elevados níveis de poluição de grande parte de nossos corpos hídricos;
· Por desconhecimento da importância e benefícios inerentes, a prática de recarga gerenciada de aquíferos é, formalmente, rejeitada por nossos legisladores e por alguns órgãos de fomento, que vêm, continuamente, recusando o desenvolvimento de estudos e projetos, que dariam subsídios para o desenvolvimento de uma norma e de códigos de prática nacionais sobre o tema (Hespanhol, 2009). Por essa razão não há no Brasil possibilidade atual, de utilizar aquíferos subterrâneos como atenuadores ambientais.
· Efluentes lançados em corpos receptores, superficiais ou subterrâneos, não passam automaticamente a serem do domínio das entidades ou companhias de saneamento que procederam ao tratamento e respectiva descarga. Uma vez lançados ao meio ambiente, a captação correspondente, total ou parcial, fica submetida aos critérios de outorga e a respectiva cobrança pelo uso da água. De uma maneira geral, as companhias de saneamento não farão grandes investimentos em sistemas de tratamento para obter uma água de qualidade elevada sobre a qual não teriam domínio automático. Apenas quando ocorram condições logísticas especiais, ou seja, quando a captação outorgada é efetuada muito próxima aos pontos de lançamento, ou quando o reservatório que recebe os efluentes tratados é operado pela própria companhia de saneamento que efetua o reuso, poderá o investidor auferir dos benefícios do elevado grau de tratamento conferido a seus efluentes, para implementar sistemas planejados de reuso potável indireto.
Verifica-se, portanto que a implantação de sistemas de RPIPs não tem, atualmente, condições técnicas e econômicas para ocorrer no Brasil. No futuro, seria possível que esta modalidade de reuso pudesse vir a ser implantada, caso fosse promulgada legislação nacional sobre recarga gerenciada de aquíferos e/ou sobre a obrigatoriedade de que os esgotos só pudessem ser lançados em corpos superficiais após níveis de tratamento superiores aos secundários, hoje adotados apenas em pequena parte do País.
Há uma enorme gama de sistemas de RPIPs, tanto experimentais como públicos operando em diversos países. Um sistema administrado pela Companhia Intermunicipal de Água, Veurne- Ambacht - IWVA, em Koksijde, no estremo norte da Bélgica, está em operação desde julho de 2002. A ETE de Wulpen, constituída por um sistema de lodos ativados foi construída em 1987 e reformada em 1994 para proporcionar remoção de nutrientes. O efluente da ETE Wulpen é encaminhado à Estação de Tratamento Avançado de Torreele onde passa por unidades de ultrafiltração (ZeeWeed, ZW 500C da Zenon) e, em seguida, por unidades de osmose reversa (30LE-440 da Dow Chemical). O efluente da ETA de Torreele é, após um transporte de aproximadamente 2,5 quilômetros, infiltrado no aquífero arenoso, não confinado, de Saint André, com o objetivo de remover organismos patogênicos e traços de produtos químicos que possam ter ultrapassado a barreira de osmose reversa. A água é recuperada do aquífero a distancias variando entre 33 e 153m do ponto de recarga, através de 112 poços, a profundidades variando entre 8 e 12 metros. O extensivo sistema de monitoramento efetuado mostrou a excelente qualidade da água potável produzida. As análises efetuadas em 2007 nos efluentes do sistema de osmose reversa indicaram a ausência de produtos farmacêuticos quimicamente ativos e de disruptores endócrinos acima dos limites de detecção de 0,5 a 10 ng/L.(Van Houtte & Verbauwhede, 2008 e Vandenbohede et all, 2008)
Um dos maiores e mais conhecidos sistemas de reuso potável indireto planejado é o de Orange County, situado em Fountain Valley, na Califórnia. O efluente da ETE do Orange County Sanitation District é encaminhado, sem desinfecção, à estação de tratamento avançado do Water Factory 21, pertencente ao Orange County Water District, cuja produção é de aproximadamente 82 milhões de metros cúbicos por ano. O sistema antigo de tratamento que era composto de sistema de coagulação/floculação com cal, extração de amônia, recarbonatação, filtração, adsorção em carvão ativado, desinfecção e osmose reversa, (Tchobanoglous & Burton, 1991), foi substituído, a partir de 2008 e após extensivos estudos pilotos pelo sistema apresentado na Figura 3. Parte da água produzida é dirigida às bacias de infiltração de Kraemmer e Miller e parte aos poços de injeção, utilizados para evitar a penetração da cunha salina no aquífero costeiro, ao longo da Ellis Avenue.
Figura 3 – Orange County Water District, Fountain Valley, CA. (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011)
5.3. Reuso Potável Direto
Reuso potável direto consiste no tratamento avançado de efluentes domésticos e a sua introdução em uma ETA cujo efluente adentra, diretamente, um sistema público de distribuição de água, sem que ocorra a passagem através de atenuadores ambientais, tanto superficiais como subterrâneos. O esgoto, após tratamento avançado poderá ser introduzido diretamente em uma ETA, ou em um reservatório de mistura à montante dela, quando vazões complementares, tanto de origens superficiais como subterrâneas compõem a vazão total a ser tratada no sistema de reuso.
Conforme mostrado na Figura 4, (adaptada de Tchobanoglous et al, 2011) após tratamento secundário, (sistemas convencionais ou sistemas MBRs), os esgotos passariam por câmara de equalização, por um sistema de tratamento avançado e por uma eventual câmara para balanceamento químico, seguido de reservatório de retenção, antes de ser encaminhado à ETA, após mistura a ser efetuada com águas superficiais e/ou subterrâneas.
Figura 4 – Reuso potável indireto (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011)
A necessidade de balanço químico deverá ser verificada quando não ocorre a complementação com fontes superficiais ou subterrâneas ou quando a porcentagem de água de reuso é bastante elevada. Nesse caso, pode ser conveniente efetuar a remineralização da água para evitar problemas de saúde pública, melhorar o gosto e prevenir corrosão à jusante. O reservatório de retenção pode ser natural, (um pequeno lago ou reservatório isolado) ou construído. Deve ser adequadamente projetado para servir como um sistema intermediário entre o sistema de tratamento de esgotos e o sistema de tratamento de água potável. Se o sistema envolve um grau significativo de variabilidade no sistema de tratamento de esgotos, esse reservatório deverá ser de grandes dimensões, permitindo tempo suficiente para responder às eventuais deficiências do processo e efetuar uma certificação extensiva do efluente produzido. Caso o sistema apresente um elevado grau de confiabilidade, o reservatório de retenção poderá ter dimensões reduzidas ou mesmo não ser incluído no sistema de reuso.
Os objetivos básicos dos reservatórios de retenção e certificação são os seguintes:
· Compensar a variabilidade entre a produção e a demanda de água;
· Compensar a variabilidade da qualidade da água produzida (praticamente desnecessário com sistemas avançados de tratamento);
· Provisão de um mínimo de tempo para detectar e atuar sobre as eventuais deficiências de processo antes da introdução da água tratada no sistema de distribuição.
Além disso, devem ser projetados e construídos com elevado nível de segurança, estrutural e ambiental, prevenir poluição externa, evitar perdas por evaporação, dispor de sistemas hidráulicos capazes de efetuar descargas rápidas quando necessário e, dispor de instalações para amostragem e monitoramento.
A Figura 5 mostra, esquematicamente, um sistema de certificação que inclui três reservatórios disposto em série, cada um com volume de água potável equivalente a 12 horas de produção do sistema avançado de tratamento (ATSE, 2013).
Figura 5 – Reservatório de retenção e de certificação (adaptado de ATSE 2013)
6. Tecnologia disponível para reuso potável direto A questão adjacente que ainda perdura em muitos setores conservativos é se há, atualmente, disponibilidade de tecnologia adequada (operações, processos unitários e sistemas integrados) e técnicas de certificação da qualidade de água, que permitam produzir, consistentemente, água segura a partir de esgotos domésticos, respeitando critérios econômicos e de proteção da saúde pública dos consumidores. Em seguida, são apresentados, de maneira resumida, três processos unitários básicos que, em conjunção com processos tradicionais, tais como coagulação/floculação, filtração, desinfecção, etc. podem compor sistemas avançados de tratamento, que devem ser avaliados com o objetivo de produzir consistentemente, água de reuso para fins potáveis, em sistemas diretos.
6.1. Operações e Processos Unitários Potenciais Os processo ou sistemas unitários que poderão ser utilizados para compor sistemas avançados de tratamento para reuso são basicamente os seguintes: sistemas de membranas, carvão biologicamente ativado e carvão ativado, e processos oxidativos avançados.
6.2. Sistemas avançados de tratamento para RPD
O sistema avançado de tratamento deverá ser concebido em função das características do esgoto a ser tratado e da qualidade de eventuais fontes adicionais de água que serão tratadas na ETA. Dependendo da qualidade dessas fontes extras, (presença de produtos químicos e de organismos patogênicos tais como oocistos de cryptosporidium spp.), a ETA deverá, também, conter sistemas avançados de tratamento, tais como ultra filtração e processos oxidativos avançados-POA.
O sistema de tratamento avançado a ser construído (após tratamento convencional por sistemas de lodos ativados ou equivalente) deverá integrar os conceitos de barreiras múltiplas sendo imprescindível que sejam executados estudos pilotos para identificar a consistência na produção de efluentes adequados, fornecer parâmetros de projeto realistas, identificar problemas de operação e manutenção e para avaliar os custos associados.
Considerando a elevada capacidade de remoção de poluentes críticos dos processos unitários acima descritos, os sistemas de tratamento para RPD a serem considerados para serem avaliados, em função de efluentes específicos e de características locais, são os 4 sistemas esquematizados na Figura 6 (adaptado de Tchobanoglous et all, 2011 e de Leverenz et al, 2011):
Os sistemas (a) e (b) que utilizam efluentes de sistemas de tratamento de esgotos por lodos ativados, necessitam de câmaras de equalização devido à variação de qualidade dos efluentes produzidos, principalmente quando são empregados sistemas de aeração prolongada. O sistema (a) é composto de unidades de osmose reversa (com pré-tratamento por ultra filtração), e de POA, através de UV/ H2O2. Como nos demais sistemas mostrados na Figura 6, o efluente tratado passa pelo reservatório de retenção/armazenamento/certificação, pela câmara de mistura e, finalmente pela ETA, produzindo água potável. O sistema (b) emprega unidades de ultra filtração, carvão biologicamente ativado com ozônio, nano filtração e POA, através de UV/ H2O2. Os sistemas (c) e (d), integram os mesmos processos unitários de tratamento, mas efetuam o tratamento biológico através de sistemas MBRs com membranas de ultra filtração. Por esta razão, não necessitam, devido à consistência de qualidade proporcionada pelas unidades de ultra filtração, de câmaras de equalização. O sistema (c) integra, após o sistema MBR, unidades de osmose reversa e de POA, através de UV/ H2O2, e o (d) é composto de sistemas de carvão biologicamente ativado com ozona, nano filtração e POA, através de UV/ H2O2.
Figura 6 – Sistemas avançados de tratamento para reuso potável: (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011; Leverenz et al, 2011)
7. A experiência mundial em reuso potável direto
Assim como sistemas de reuso potável indireto planejados há uma significativa quantidade de sistemas de reuso potável direto, tanto experimentais em operação, implantados em diversos estados americanos, na África do Sul, Austrália, Bélgica, Namíbia e Singapura, sem que tenham sido detectados problemas de saúde pública associados. Alguns desses exemplos são mostrados abaixo.
Windhoek, Namíbia.
O município de Windhoek, com aproximadamente 250.000 habitantes (censo de 2001), está situado na Namíbia, sudoeste da África ao sul do deserto do Saara. O reuso potável direto vem sendo praticado há mais de quarenta anos, sem que problemas de saúde pública associados à água potável tenham sido identificados (Van der Merwe et al, 2008). Além de um completo sistema de monitoramento da qualidade da água, é utilizado o princípio de pontos críticos de controle (Damikouka et all, 2007; ABNT, 2002), o que traz uma maior segurança de saúde pública aos usuários do sistema. O esquema do sistema avançado atual, da ETA de Goreangab, após a sua última ampliação efetuada em 1997 é mostrada na Figura 7.
Figura 7 – Estação de tratamento de Goreangab em Windhoek, Namíbia para reuso potável direto (remodelada 1997), (adaptado de Van Der Merwe et al, 2008)
Denver, Colorado, Estados Unidos
O projeto de demonstração de RPD da cidade de Denver, operou no período 1985 a 1992 e teve, com principal objetivo avaliar os problemas potenciais de saúde pública que poderiam ocorrer. O sistema, alimentado com esgotos secundários sem desinfecção, foi projetado dentro do conceito de barreiras múltiplas montadas em linhas paralelas para permitir manutenção adequada e para dar continuidade à operação quando da ocorrência de eventuais falhas em processos e operações unitárias, (Figura 8). Foi efetuado um extensivo monitoramento da qualidade da água produzida, utilizando amostras composta em períodos de 24 horas e avaliando todas as variáveis de qualidade regulamentadas na época. Embora no período dos testes ainda não se tivesse conhecimento de poluentes emergentes que hoje são encontrados em mananciais de todo o mundo, a pesquisa evidenciou que a água produzida apresentava qualidade semelhante à água potável distribuída em Denver e atendia a todos os padrões de qualidade de água da EPA, da Comunidade Europeia e das diretrizes da OMS. (Asano et al, 2007).
Figura 8 – Estação experimental de tratamento de Denver, Colorado – Reuso potável direto (adaptado de Asano et al, 2007)
Cloudcroft, New Mexico, Estados Unidos
A pequena vila de Cloudroft se localiza no estado de New México, ao sul do município de Albuquerque. Tem uma população de aproximadamente 850 habitantes, que cresce para mais de 2000 durante fins de semana e feriados. Nessas ocasiões a demanda de água passa de aproximadamente 680 m3/dia para um pico próximo a 1.360 m3 /dia. Visando eliminar o transporte de água através de caminhões pipa durante os picos de consumo, a comunidade decidiu aumentar a disponibilidade de água através de um sistema de RPD, utilizando os esgotos domésticos produzidos localmente. O sistema de tratamento adotado, mostrado na Figura 9, inclui, em uma primeira fase um reator MBR para tratamento secundário dos esgotos, desinfecção, osmose reversa e um sistema POA. O efluente desse sistema recebe aproximadamente 51% (do total produzido) de água bruta oriunda de águas superficiais e de fontes subterrâneas locais. A mistura é mantida em um reservatório durante aproximadamente duas semanas passando, em seguida, por uma segunda bateria de unidades de tratamento, incluindo ultra filtração, desinfecção por radiação ultravioleta, carvão ativado e desinfecção final com cloro. (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011)
Figura 9 – Sistema de Cloudcroft, New Mexico (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011)
Big Springs, Texas, Estados Unidos
Embora o reuso de água tenha sido praticado na região desde há muito tempo, o Colorado River Water District que abastece várias comunidades da região, inclusive Big Springs, tomou, recentemente, a decisão de “reciclar 100% da água, durante 100% do tempo”. O primeiro projeto de reuso associado a esta diretriz foi o de Big Springs, que está, ainda, em fase de implementação. Conforme mostrado na Figura 10 o efluente do sistema convencional de lodos ativados existente, recebe cloro, passa por um filtro de areia e por descloração. Passa, em seguida, por um sistema de tratamento avançado, constituído de microfiltração, osmose reversa e por um sistema de POA. O efluente purificado através desse sistema é encaminhado a um reservatório de mistura com água bruta proveniente do reservatório Spencer e do reservatório Thomas. A água é, finalmente, captada no reservatório de mistura, passando, em seguida, por um sistema de tratamento- físico-químico constituído de  coagulação, floculação, sedimentação, filtração e desinfecção com cloro. O efluente desse sistema adentra, diretamente, o sistema de distribuição de água de Big Springs. (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011).
Figura 10 – Big Springs, Texas (adaptado de Tchobanoglous et al, 2011)
Beaufort West, África do Sul
A estação de tratamento avançado de Beaufort West recebe efluentes tratados por sistemas terciários convencionais das ETEs Northern e Kwa Mashu. Foi dimensionada para uma vazão de 2.100 m3/dia.(ATSE, 2013) O sistema composto de ultra filtração, osmose reversa processo oxidativo avançado (Peróxido de Hidrogênio e UV ) e desinfecção por Cloro, produzirá 1.000 m3/dia que serão mesclados com água tratada pela ETA local de 4.000 m3/dia, produzindo, portanto uma vazão total de 5.000 m3/dia. (Figura 11).
Figura 11 – Sistema de Beaufort West, África do Sul (adaptado de Drinking Water Through Recycling, Australian Academy of Technological Sciences and Engineering – Aste, 2013)
8. Fatores positivos para implementação do reuso potável direto
Em função do cenário critico acima descrito, é inevitável que, em um futuro muito próximo, não haverá outra solução que não seja a de substituir mecanismos ortodoxos de gestão da água no setor urbano por novos paradigmas, para poder assegurar a sustentabilidade do abastecimento de água, tanto em termos de qualidade como em quantidade. A mais importante missão dessa mudança de paradigma está associada à universalização da prática de reuso de água e, mais especificamente, da prática de reuso potável direto, utilizando apenas as redes de distribuição de água atualmente existente e as suas ampliações.
As razões básicas e os fatores positivos que colaboraram para essa mudança significativa nos dogmas vigentes de gestão da água são, basicamente, as seguintes:
· Os mananciais para abastecimento de água estão se tornando cada vez mais raros, mais distantes e mais poluídos, tornando-se inviável a sua utilização como mostrado no caso relacionado no item 1 acima;
· O reuso potável indireto não planejado, extensivamente praticado no Brasil, é uma prática prejudicial tanto para o meio ambiente como para a saúde pública de usuários de sistemas de distribuição de água tratada através de sistemas convencionais;
· A implementação de sistemas de reuso potáveis indiretos planejados parecem ser, atualmente de pequena viabilidade nas condições brasileiras uma vez que corpos receptores superficiais, que poderiam operar como atenuadores ambientais são, como mencionado no item 2.2 geralmente poluídos, não possibilitando os efeitos purificadores secundários deles desejados. Por outro lado, a utilização de aquíferos como atenuadores ambientais também não pode ser realizada na presente conjuntura nacional, uma vez que a prática de recarga gerenciada de aquíferos não é, ainda, técnica
· Com a tecnologia avançada hoje disponível é possível remover contaminantes traços orgânicos e inorgânicos e organismos patogênicos que não são removidos em sistemas tradicionais de tratamento de água;
· Não haverá necessidade de construir um sistema de distribuição separado para fornecer a água de reuso podendo ser utilizado os sistemas de distribuição já existentes e suas extensões. No Brasil não dispomos infelizmente, de dados unitários de tratamento e de distribuição, mas a avaliação vigente é de que os sistemas de distribuição implicam em custo equivalente s 2/3 do total dos custos associados a tratamento e distribuição. Uma avaliação efetuada nos Estados Unidos (Tchobanoglous et al, 2011), concluiu que o custo total de um sistema paralelo de distribuição de água potável, tratada a nível avançado oscilaria entre R$ 0,77/m3 a R$ 4,08 R$/m3 (0,32 US$/m3 a (1,70 US$/m3), enquanto que um sistema típico de tratamento avançado, incluindo sistemas de membranas e POA, oscilaria entre 1,4 R$/m3 a R$ 2,33/m3 (US$0,57/m3 a 0,97 US$/m3). A eliminação dos custos associados à construção de uma rede paralela para a distribuição de água de reuso compensaria os custos relativamente maiores (em relação a sistemas de tratamento convencionais) que seria atribuído ao sistema de tratamento avançado. Em alguns casos, como, por exemplo, na RMSP, que depende de importação de águas de bacias distantes, ter-se-ia, ainda, o benefício de evitar a construção de adutoras de água bruta, que implicam na aplicação de recursos elevados para construção, manutenção e recalque;
· Agua de alta qualidade seria disponível junto aos centros de consumo sem a necessidade de reversão de bacias. Seria utilizada a água disponível localmente sem prejudicar o abastecimento de água em bacias em condições de estresse crítico como, por exemplo, como ocorre na RMSP em relação à bacia do rio Piracicaba.
· A tecnologia atual é suficiente para substituir atenuadores ambientais por reservatórios de retenção onde a água tratada a níveis avançado seria adequadamente certificada antes da mistura com outras fontes de água, como mostrado nas Figura 4 e 5;
· A existência de precedentes bem sucedidos, a visão de segurança adicional no abastecimento de água, a disponibilidade de água com qualidade elevada produzida por sistemas avançados de tratamento, são fatores positivos para a aceitação comunitária da prática de reuso potável direto.
9. Fatores potencialmente inibidores do reuso potável direto
Apesar da grande gama de fatores positivos acima relacionados a efetiva implementação de sistemas de reuso potável direto, está fortemente condicionada aos fatores seguintes:
(i) restrições legais/institucionais, associadas ao Princípio da Precaução e à legislação vigente sobre crimes ambientais, e;
(ii) aspectos psicológicos e culturais associados à percepção e aceitação da prática do reuso de água.
9.1. O Princípio da Precaução
O Princípio da Precaução é uma diretriz que busca regular a participação do conhecimento técnico e científico e do senso comum na previsão e no combate a potenciais degradações ambientais, causadas por processos tecnológicos tradicionais ou emergentes. Deve ser aplicado de forma construtiva, elaborando, numa primeira fase, a “análise do risco” através da aplicação do conjunto de conhecimentos disponíveis na identificação de potenciais efeitos adversos, assim como dos benefícios, ambientais, econômicos, técnicos e sociais que proporcionam. (Patti Júnior, 2007, Hespanhol, 2009).
A relação entre a ciência e a precaução é uma importante questão conceitual para o gerenciamento prático de riscos tecnológicos. O conhecimento adequado do problema para a tomada de decisões requer uma série de atributos, entre os quais o exame crítico, a transparência, o controle de qualidade, e revisão pelos pares e a ênfase num aprendizado permanente. Apenas após a elaboração exaustiva dessa fase de aprendizado científico e tecnológico é permitido que se passe á fase de “gestão do risco”, estabelecendo um marco regulatório que possibilite auferir os benefícios da prática, evitando ou minimizando os riscos correspondentes.
O Princípio da Precaução não pode, portanto, ser utilizado para impedir o desenvolvimento de tecnologias que podem apresentar certos riscos. Os órgãos reguladores devem assumir o compromisso de lidar com os riscos e com as incertezas científicas de forma coerente, permitindo, por outro lado, que os benefícios proporcionados pela prática sejam auferidos em sua plenitude.
O cenário mais crítico ocorre, entretanto, quando, com base exclusiva em preconceitos, preferências pessoais e argumentos subjetivos, os tomadores da decisão se recusam a regulamentar processos ou atividades tecnológicas importantes, criando condições para a ocorrência de riscos que poderiam ser evitados através da aplicação de mecanismos adequados de comando e controle.
O que se observa ainda é a usurpação do Princípio da Precaução no formato de proteção profissional individual, buscando segurança legal através da obstrução de processos de regulamentação de práticas importantes e consagradas.
Especificamente no caso do reuso de água a postura mais detrimental para o desenvolvimento da prática é a adoção de regulamentações extremamente restritivas sob a cobertura da pseudo-precaução, buscando apenas a proteção contra penalidades potenciais associadas à Lei 9.605 de 12.02.1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências”. Uma normalização racional não meramente copiada de outras fontes, mas adaptada às condições nacionais, e cientificamente suportada eliminaria totalmente a preocupação contra penalidades potenciais.
Uma grande reação se esboça atualmente, nos organismos de controle ambiental, nos setores governamentais em seu nível de decisão mais elevado, nos organismos de gestão de recursos hídricos, nos setores empresariais de água e esgoto e nos meios acadêmicos, contra a implementação de normas irracionalmente restritivas, que, por não serem representativas das condições brasileiras, não protegem o meio ambiente e a saúde pública dos grupos de risco, inibindo, por outro lado, a estratégia do reuso que é, atualmente, o instrumento chave de gestão da água em áreas com estresse hídrico. Evidentemente as práticas em consideração são associadas a níveis de riscos de magnitudes diversas, que deverão ser, racionalmente avaliadas para dar suporte a normas e códigos de práticas realistas.
9.2. Percepção e aceitação pública da prática de reuso
O segundo fator, potencialmente limitante, está associado a aspectos culturais e psicológicos de nossa sociedade, face à percepção negativa do consumo de água reciclada e à falta de confiança na segurança de sistemas avançados de tratamento e de certificação da qualidade da água. Além do aspecto social ocorrem ainda temores associados a riscos políticos, econômicos e ambientais.
Essas posturas sociais negativas podem, entretanto, ser amenizadas através de educação ambiental, informação básica sobre a segurança das tecnologias de tratamento e de certificação a qualidade da água produzida por sistemas de reuso potável direto. A execução de projetos de demonstração e posterior divulgação de resultados de qualidade da água produzida e de estudos epidemiológicos efetuados em associação, seria, também, uma ferramenta importante para mostrar a viabilidade ambiental e de saúde pública, proporcionando resultados mais visíveis para amenizar a percepção negativa da prática de reuso potável direto.
10. Conclusões e Recomendações
O reuso potável indireto não planejado, extensivamente praticado no Brasil, se constitui em opção prejudicial tanto para o meio ambiente como para a saúde pública de usuários de sistemas de distribuição de água, tratada através de sistemas convencionais. Por outro lado, a implementação de sistemas de reuso potáveis indiretos planejados é, atualmente, pouco viável nas condições brasileiras, uma vez que mananciais subterrâneos e corpos hídricos superficiais, a grande maioria desses últimos com elevados níveis de poluição, não apresentam condições legais e técnicas para serem utilizados como atenuadores ambientais.
A mais importante das mudanças de paradigmas que se fazem necessárias consiste em garantir o abastecimento de água em áreas submetidas a estresse hídrico, através da promoção da prática de reuso potável direto, sem haver necessidade de instalar uma rede secundária para distribuição de água de reuso.
As razões e as condições básicas que levarão a essa nova dimensão do setor saneamento são as seguintes:
(i) os mananciais para abastecimento de água estão se tornando cada vez mais raros, mais distantes e mais poluídos;
(ii) a tecnologia avançada, hoje disponível, permite remover contaminantes, traços orgânicos e inorgânicos e organismos patogênicos, permitindo a produção de uma água de reuso segura;
(iii) os custos de sistemas avançados de reuso são equivalentes ou inferiores aos custos de implantação de uma rede secundária para distribuição de água potável, sendo, portanto mais econômico efetuar a distribuição da água de reuso potável através dos sistemas de distribuição atualmente existentes e em suas ampliações. Essa proposta se torna economicamente mais favorável quando o abastecimento é dependente da construção de grandes adutoras com desnível elevado, pois permite a utilização de água disponível localmente.
As companhias de saneamento deverão desenvolver estudos e pesquisas, em conjunto com centros de pesquisas certificados para:
(i) avaliar técnica e economicamente operações e processos unitários, assim como sistemas de tratamento avançados para reuso potável direto, dentro das condições brasileiras;
ii) estudar o dimensionamento e estabelecer critérios operacionais de reservatórios e certificação da qualidade da água de reuso;
(iii) avaliar a possibilidade e as implicações técnicas e econômicas para a utilização de redes existentes e suas extensões para efetuar a distribuição de água potável de reuso;
(iv) desenvolver programas educacionais e de conscientização para promover a aceitação pública da prática de reuso potável direto. Argumentos relevantes são associados à garantia do abastecimento e o fornecimento de água segura aos consumidores de sistemas públicos de abastecimento; e,
(v) combater o procedimento auto protecionista e imediatista dos órgãos controladores, que deverão ser orientados para desenvolver, normas, padrões e códigos de prática realistas baseados em estudos e pesquisas e não na cópia de normas e diretrizes alienígenas que não representam nossas condições técnicas, culturais, ambientais e de saúde pública.
É inexorável que, dentro de no máximo uma década, a prática do reuso potável direto, utilizando tecnologias modernas de tratamento e sistemas avançados de gestão de riscos e de controle operacional, será, apesar das reações psicológicas e institucionais que a constrange, a alternativa mais plausível para fornecer água realmente potável. Além de resolver o problema de qualidade, o reuso potável direto estaria fortemente associado à segurança do abastecimento, pois utilizaria fontes de suprimento disponíveis nos pontos de consumo, eliminando, por exemplo, a necessidade da construção de longas e custosas adutoras, que, geralmente, transferem água para grandes centros urbanos coletadas de áreas afetadas por estresse hídrico. (Ecodebate)

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