Lama
em Brumadinho
Da localidade de Casa Branca,
em Brumadinho, acompanhei o crime contra todas e todos nós, que tem em sua
origem o modelo de desenvolvimento voltado para exportação de commodities. Vi e
senti todo o horror. Voltei no domingo de manhã para Belo Horizonte, e
participei da Manifestação na Praça da Liberdade.
Estou com muita raiva e
indignada. Estou com muita raiva da nossa impotência, dos pronunciamentos dos
atuais e dos antigos poderosos, dos noticiários, dos comentários.
Que loucura foi ver
Bolsonaro, Presidente da República e Zema, Governador de Minas se pronunciarem.
Exatamente eles que têm discursos incisivos contra os órgãos de controle
ambiental. Querem liberalizar e agilizar a continuidade da destruição de nossas
serras, de nossos rios, em prol de quê? De lucratividade insana. E ainda trazem
o exército de Israel, com uma tecnologia que já temos e que não serve para a
situação atual?
Ver o presidente da empresa
responsável pelo crime, falar que a segurança da barragem tinha laudo de
estabilidade garantido por empresa alemã de renome.
E como é frustrante: a imprensa repetindo
milhares de vezes, termos como “acidente” e/ou “tragédia”. Como assim?
Tragédia é uma ação que vai
suscitar terror e piedade e termina com acontecimento funesto. A exemplo da
tragédia grega. Acidente é acontecimento casual, fortuito, imprevisto, onde as
pessoas não podem ser responsabilizadas por algo imprevisível. Estes são os
termos utilizados. E são ótimos para justificar a atitude do Estado e da
Empresa. Que até aceitam, a necessidade de alguma indenização, de algum
ressarcimento aos atingidos, desde que definidos por eles, após criarem
obstáculos e protelações infinitas. Conhecemos este filme com o crime da
Vale/BHP, a luta dos atingidos, a tática utilizada pelo estado e pela empresa e
a impunidade ate hoje.
Falar do rompimento das
barragens como acidente ou tragédia é estratégico para o Estado e a Empresa,
como forma de construir a solidariedade, de envolver a população ao mesmo tempo
que retira sua capacidade de denunciar, de cobrar as responsabilidades e
punição e exigir mudanças.
Aqui em Minas temos muitos
exemplos de crime semelhante. Exemplos que se ampliam e se acumulam a partir de
1997 (Jornal O Tempo, de 28/01/2019):
1986 – Itabirito – 7 mortos
1997 – Rio Acima –
2001 – Macacos – 5 mortos
2003 – Cataguases –
2007 – Miraí
2014 – Itabirito – 3 mortos
2015 – Mariana – 19 mortos
(Na realidade foram 21)
2019 – Brumadinho – centenas de mortos.
Legislação ambiental é boa,
mas fiscalização falha e punição lenta levam a novas tragédias, alertam
especialistas.
Por que a partir de 1997 há
uma intensificação dos rompimentos de barragens, com todas as consequências que
conhecemos, incluindo a impunidade?
Milhares de famílias sequer
são reconhecidas como atingidas. Imaginem a situação da população que vivia e
sobrevivia do Rio Doce, que hoje está MORTO. São populações inteiras, como os
indígenas, quilombolas, pescadores que viviam dos rios e das matas e perderam o
modo de vida, obrigadas a viver em centros urbanos com a “bolsa família”, em um
habitat que não é o seu. Perdendo sua história e dignidade.
Em cada um destes
rompimentos, viram os milhares de animais mortos? Viram o gado sendo levado?
Peixes mortos à margem do rio?
Sou economista e saí
recentemente de uma campanha para o governo estadual. Nosso programa procurava
romper com esta lógica atual. Trabalhamos um modelo de desenvolvimento local e
comunitário visando o cuidado do bem comum, pensando a sociedade e não o lucro.
Uma mudança radical de perspectiva, que muda a produção, a vida social e
cultural.
Os governos de Minas tem
subsidiado e estimulado o investimento nas mineradoras e no agronegócio. Na
nossa proposta, as grandes empresas extrativistas – que destroem deixando só os
buracos para nos -, e o agronegócio – que degrada, mata e devasta os
territórios-, continuariam a produzir por sua conta e risco, sem as “benesses”
do estado. Não são eles que tanto falam das benesses do Estado?
O governo agora teria o papel
de estimular e subsidiar a criação de redes para produção e venda, a partir da
pequena e média produção.
Especialistas dizem que
falhas na fiscalização fazem com que tragédias se repitam.
Estimularia a reciclagem e o
aproveitamento os minérios já extraídos, para fazer face às necessidades do
país. A agroecologia, próxima aos centros urbanos, traria melhor qualidade,
menos perdas, melhoria na qualidade de vida dos produtores e consumidores.
Nestas regiões, nossa história e cultura, os recursos naturais, são riquíssimo.
Assim, estimularia o turismo, gerando empregos, com melhor distribuição de
renda.
Seria um investimento no que
temos de melhor: a diversidade social com seu rico conhecimento, abandonando a
ditadura do mercado e das grandes corporações.
Meu sonho é deixar de
“enxugar gelo”. Minas tem centenas de outras barragens, construídas no mesmo
modelo das que romperam. E, mesmo se aprimorar a tecnologia das barragens,
mantida a lógica do modelo econômico centrado na exportação de comodities, a
destruição ambiental e todas as suas consequências, permanecem.
O rompimento dessas barragens
é o alerta que denuncia este modelo de subdesenvolvimento, que destrói nossa
população tradicional, que não investe nos nossos conhecimentos sobre o
aproveitamento dos recursos naturais, nem na capacitação científica e
tecnológica e, precisa exaurir a natureza.
Precisamos pensar em outra
sociedade. Iniciando, desde agora, a sua construção.
Rompimento de barragem gerou
avalanche de lama em Brumadinho.
Um outro mundo é possível. Um
outro Brasil é necessário. (ecodebate)
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