A China vai completar 70 anos
da Revolução Comunista em 01/10/2019. Nestas 7 décadas muita
coisa mudou no maior país do mundo em termos demográficos. Na primeira década
revolucionária (1950-1960) as taxas de mortalidade infantil e de fecundidade
começaram a cair, apontando para um declínio rápido que poderia atenuar as
altas taxas de crescimento demográfico e a estrutura etária muito jovem.
Porém, com o fracasso da
política do “Grande Salto para Frente” houve uma grande escassez de meios de
subsistência entre 1958 e 1961, o que levou a uma grande crise de mortalidade
(cerca de 30 milhões de óbitos) e uma grande redução na esperança de vida. Para
se contrapor à enorme mortalidade infantil ocorrida na grande fome (1958-61) a
taxa de fecundidade subiu e voltou para o patamar de 6 filhos por mulher. O
caos da década de 1960 continuou com a Revolução Cultural, quando todo o
aparato estatal de políticas públicas foi desorganizado e o sistema de saúde
ficou em frangalhos. Mao Tsé-tung achava que uma população grande era mais
impactante do que uma bomba atômica e dizia: “quanto mais chineses, mais fortes
seremos”.
A taxa de fecundidade total
(TFT) que estava em 6 filhos por mulher no quinquênio 1950-55, caiu para 5,4
filhos no quinquênio seguinte e voltou a subir para 6,3 filhos por mulher na
década de 1960. A população da China que era de 554 milhões de habitantes em
1950 passou para 903 milhões em 1974 e o rápido crescimento populacional
convenceu até o presidente Mao de que algo deveria ser feito. Assim, foi
lançada, no início dos anos de 1970, a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em
Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi,
Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a
terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento
maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho
pequeno de família.
A política “Wan, Xi, Shao” foi um sucesso e a
taxa de fecundidade caiu de mais de 6 filhos para menos de 3 filhos em 1980.
Tudo indicava que a fecundidade continuaria caindo. Porém, um governo
autoritário não costuma respeitar as livres escolhas e os direitos sexuais e
reprodutivos. No bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro
de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa controlista
mais draconiana da história da humanidade.
Em consequência, mesmo com a
maior parte da população vivendo no meio rural, a fecundidade continuou caindo
e a TFT ficou abaixo do nível de reposição no quinquênio 1990-95 (com 1,9 filho
por mulher) e se manteve ao redor de 1,6 filho por mulher entre 2000 e 2015. Ou
seja, depois de cerca de 35 anos de “Política de filho único” a TFT chinesa
permanece baixa e o número de nascimentos anuais caiu de pouco mais de 30
milhões no quinquênio 1965-70 para cerca de 17 milhões de bebês na atual década
(2011-20).
Para avaliar a situação
demográfica da China dos demais países, a Divisão de População da ONU realizou
um seminário nos dias 01 e 02 de novembro de 2018, como parte da revisão e
avaliação do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (CIPD) e sua contribuição para a continuação e revisão da
Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.
O demógrafo Baochang Gu,
professor da Renmin University of China, fez uma apresentação sobre a situação
atual e as perspectivas da fecundidade na China. Ele mostra que, embora sempre
tenha havido exceções, especialmente na zona rural e entre minorias étnicas, a
regulamentação rigorosa foi mantida até novembro de 2013, quando se permitiu
que um casal tivesse um segundo filho, quando algum dos cônjuges fosse filho
único. Em outubro de 2015, foi permitido a todos os casais terem o segundo
filho. Em 2018 foram eliminadas as restrições ao número de filhos desejados.
Contudo, a baixa taxa de
fecundidade veio para ficar, pois a flexibilização não implicou em um surto de
nascimentos. Em 2016, imediatamente depois que se permitiu o segundo filho,
nasceram 17,9 milhões de crianças, de acordo com a Agência Nacional de
Estatísticas. Apenas 1,3 milhão a mais do que em 2015 e metade do que o Governo
previa. Já em 2017, o número de nascimentos foi ainda menor, 17,2 milhões de
novos bebês, muito abaixo dos 20 milhões estimados pelas autoridades. O gráfico
acima mostra que houve um ligeiro aumento da taxa na idade 15-19 anos e a
continuidade da queda (junto com o envelhecimento da estrutura da fecundidade)
entre 2000 e 2015.
O gráfico abaixo mostra que a
população da China era de 554,4 milhões de habitantes em 1950, chegou a 1
bilhão de habitantes em 1981 e deve alcançar o pico populacional de 1,442
bilhão de pessoas em 2029, para iniciar um longo período de redução até cerca
de 1 bilhão de habitantes em 2100. Na segunda metade do atual século, a China
deve perder cerca de 7 milhões de habitantes por ano.
A população chinesa em
idade economicamente ativa (PIA), de 15 a 64 anos, que era de 341 milhões de
pessoas em 1950 deu um salto para 1,015 bilhão em 2015. Mas já começou a cair e
deve chegar a 814,9 milhões em 2050 e a 555 milhões em 2100. Ou seja, a PIA
chinesa deve se reduzir praticamente pela metade no restante do século XXI,
lançando dúvidas sobre a capacidade de manter a estrutura produtiva em
funcionamento.
Os setores mais pronatalistas e
populacionistas querem um aumento da taxa de fecundidade para evitar o declínio
da população e da PIA, assim como para fazer frente ao alto envelhecimento
populacional que marcará inevitavelmente a estrutura etária da China nas demais
décadas do século XXI.
Artigo de Audrey Jiajia Li,
(The Guardian, 29/11/2018) relata que, recentemente, dois acadêmicos causaram
uma tempestade na mídia social com um artigo em um jornal provincial do partido
comunista propondo um “fundo de maternidade” semelhante a impostos. Casais com
menos de dois filhos teriam que pagar para o fundo, recebendo apenas o dinheiro
de volta quando parirem um segundo filho – ou quando se aposentarem, se isso
não acontecer. Mas estas posições pronatalistas encontram resistência, pois o
Diário do Povo, o porta-voz do Partido Comunista, publicou um comentário sobre
o assunto intitulado “Dar à luz é um assunto de família e também nacional”.
Mas a controvérsia continua.
Artigo de Lily Kuo (The Guardian, 22/06/2018) mostra também que existem medidas
para limitar o acesso ao aborto seguro, pois a província de Jiangxi emitiu
diretrizes estipulando que as mulheres com mais de 14 semanas de gravidez devem
ter assinado a aprovação de três profissionais médicos que confirmam que um
aborto é clinicamente necessário antes de qualquer procedimento. As medidas
destinam-se a ajudar a prevenir abortos seletivos, que são ilegais na China. O
sexo de uma criança é frequentemente discernível após 14 semanas. Mas os
comentários associaram a “O Conto da Serva”, referindo-se à série de TV
ambientada em um futuro distópico em que as funções reprodutivas das mulheres
são rigidamente controladas pelo estado.
Artigo de Zhou Xin e Sidney
Leng no jornal SCMP (02/01/2019) mostra que o número de crianças nascidas na China
em 2018 está estimado abaixo de 15 milhões, ou mais de dois milhões a menos que
em 2017. Se confirmado, ficará muito aquém das estimativas anteriores da
autoridade de planejamento familiar de até 20 milhões de nascimentos.
Contudo, a despeito da crescente
preocupação pronatalista, o governo chinês está mais interessado em avançar na
implementação da 4ª Revolução Industrial e nas tecnologias poupadoras de mão de
obra. Com a automação e a robotização da economia a China pretende manter a
produção em alta, mesmo com menor oferta de força de trabalho. O plano “Made in
China 2025” visa promover um avanço da estrutura produtiva e a produção de bens
de maior valor agregado e menos dependente de uma oferta ilimitada de mão de
obra. As tecnologias do século XXI serão intensivas em capital, ciência e
tecnologia e serão poupadoras de trabalho vivo.
Assim, o fim da “Política
de filho único” não significa que a China terá um aumento significativo da taxa
de fecundidade e nem evitará um declínio da população ao longo do atual século.
Pelo contrário, a liberdade de escolha e o respeito aos direitos sexuais e
reprodutivos podem conviver com o encolhimento populacional e o aumento da
renda per capita.
Política
do filho único na China é bomba-relógio para o país. A China é a única nação em
desenvolvimento que enfrenta o paradoxo de ser um país com população
majoritariamente idosa antes de ser um país rico.
Uma população menor, mas com
maiores níveis educacionais e com uma estrutura produtiva mais eficiente, pode
também contribuir para reduzir os impactos negativos sobre o meio ambiente e
para a redução do déficit ecológico chinês, que é o maior do mundo. (ecodebate)
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