44°C,
em Laranjeiras, RJ, 2/2/2019.
02/02/19 teve termômetro
marcando 44 graus na zona Sul do Rio. Na noite de 6/2 desabou um
temporal com enorme volume de água em poucas horas. A cidade entrou em
estágio de crise e amanheceu mergulhada no caos depois da chuvona prevista. Ano
passado, também em fevereiro, a cidade entrou em estágio de
crise depois de temporal [confere aqui]. Isso quer dizer que
a prefeitura teve um ano pra preparar cidade e moradores pra lidar
com a realidade do clima extremo, chuva e calor mais fortes, e não preparou.
Resultado: mais uma tragédia, 7 pessoas mortas [até 10/2], famílias
desabrigadas, moradias destruídas [invadidas por água, lama, esgoto e lixo],
quase 600 árvores caídas, alagamentos, deslizamentos, prejuízos ambientais,
sociais e econômicos.
Na “nova era” de tantas
ôtoridades eleitas em nome de Deus tá faltando enxergar
a natureza como criação divina e operar o milagre de respeitar as
leis humanas de proteção ao meio ambiente, que valorizam a vida e
propiciam que as pessoas vivam melhor. Chove desde que o mundo é mundo. Só que
no já cotidiano das mudanças climáticas, governantes e parlamentares
precisam investir em preparar as cidades e seus moradores pra chuva e calor
mais intensos. Negar Ciência, aquecimento global e mudança do clima não
faz deixar de existir o que de fato já tá rolando. E sim, é nas favelas e
periferias que ignorância e irresponsabilidade das ôtoridades causam os maiores
prejuízos.
Prefeito negacionista
“Tragédias inesperadas”, disse
o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, sobre os impactos do temporal.
Inesperadas porque negacionistas não reconhecem a Ciência. Inesperadas
porque negacionistas não admitem fatos cientificamente comprovados.
Inesperadas porque é mais fácil falar qualquer achismo depois do que
fazer o necessário antes, como investir em prevenção de enchentes e contenção
de encostas.
O prefeito culpa
a chuva, mas é incapaz de reconhecer a incompetência da própria
“gestão”, que reduziu serviços públicos, como limpeza de bueiros e
até varrição de lixo. A prefeitura aplicou apenas 22% do orçamento pra
ações de controle de enchentes e contenção de encostas em 2017 e
2018, deixou de gastar R$ 564 milhões dos R$ 731 milhões disponíveis
[acessa aqui matéria com esse levantamento do UOL nos dados do Portal da
Transparência e da Lei Orçamentária Anual].
Apesar dos dados, o
prefeito nega diminuição dos gastos em prevenção de enchentes e
proteção de encostas. “Nesses meus 2 anos de governo eu não sei se teve um
outro setor que nos preocupasse tanto quanto as contenções de
encostas, fizemos mais de 40 ontem, 40 ano passado”. Crivella não sabe mesmo.
De 2013 pra 2018: queda de 77% nos gastos com prevenção de enchentes e de 58%
com proteção de encostas [olha aqui na reportagem do RJTV].
Crivella fala em nome de Deus,
é pastor, mistura suas opiniões pessoais com a função de prefeito. Chuva é um
fenômeno natural, pra religiosos então seria uma criação divina. Como pode
transferir pra chuva a culpa pelo caos na cidade? Só que o fenômeno natural é
agravado pela interferência humana registrada pela Ciência. Chega a
ser pecado negar mudança do clima.
Prefeito negacionista tem o
mesmo efeito que corrupto, rouba da gente políticas públicas que salvam
vidas, que preparam cidades e moradores pra cuidar do ambiente e
diminuir riscos de mortes e prejuízos ambientais, sociais e
econômicos.
Rio tinha estratégia de resiliência
A cidade maravilhosa tinha uma
estratégia de resiliência, foi lançada em maio de 2016 pelo
ex-prefeito Eduardo Paes. Uma estratégia pioneira [Rio Resiliente] pra enfrentar efeitos das mudanças climáticas e desafios
urbanos. Foi a primeira cidade no Hemisfério Sul a lançar um programa
específico pra resiliência. A prefeitura estava investindo na resiliência do
Rio desde 2009. Paes foi líder do C40 [grupo de prefeitos de
megacidades dedicados a preparar cidades e pessoas pro
maior desafio que a humanidade precisa enfrentar: mudanças climáticas] e proveu
a cidade com legislação, estudos e programas. Agora dá pra notar que faltou dialogar
com a sociedade.
O prefeito Crivella passou a
gestão do Rio Resiliente pra Subsecretaria de Planejamento e Gestão
Governamental em 2017, antes sob responsabilidade do Centro de Operações. No entanto, no site da prefeitura nem com a busca se consegue
achar alguma menção à estratégia de resiliência da cidade. O site Rio Resiliente não existe mais. No
Facebook tem a página Rio Sustentável e Resiliente, do escritório de planejamento da Prefeitura do Rio, com
publicação mais recente de 4/2, sem nenhuma informação de serviço ou educação e
sem link de referência governamental.
A cidade do Rio ainda integra o
C40. A sociedade ainda não tem nem como imaginar o que isso representa. Uma
busca por C40 no site da prefeitura dá zero ocorrência. Apesar de ter
assinado compromisso de desenvolver planos ambiciosos de ação
climática até 2020, é pra “inglês ver”, pra constar, pra prefeitura não
passar o vexame internacional de pedir pra sair. Prova disso é o segundo
temporal caótico na “gestão” Crivella sem qualquer avanço em conservação,
prevenção e educação ambiental, só a mesma reação que sobrecarrega Comlurb,
Defesa Civil, CET-Rio e Bombeiros.
Tempo, clima e resiliência.
O janeiro de 2019 na cidade do
Rio foi 4.9°C mais quente que a média normal no período. Foi o janeiro
mais quente em 97 anos. Não é difícil notar que algo mudou, já que não é um
pequeno aumento da temperatura.
O que mudou foi o clima. E a
mudança no clima causa mudanças no tempo. É bom a gente entender a diferença
entre clima e tempo pra não ficar repetindo ignorâncias que negacionistas
costumam falar [tá tão frio hoje, explica o aquecimento global agora].
Tempo é o estado da
atmosfera em local e momento determinados. Clima é a condição média
da atmosfera observada por longo período. De acordo com o Instituto Nacional de
Meteorologia [INMET]: Tempo é o estado físico das condições atmosférica em um
determinado momento e local [a influência do estado físico da atmosfera sobre a
vida e as atividades do homem]; Clima é o estudo médio do tempo para o
determinado período ou mês em certa localidade [características da atmosfera
observadas continuamente durante certo período].
Por isso, tem dia de tempo
quente em mês de clima frio e dia de tempo frio em mês de clima frio. E como o
clima no mundo mudou, com o aquecimento do planeta comprovado cientificamente,
é imprescindível que na gestão das cidades sejam considerados os riscos
das mudanças climáticas [chuva e calor mais intensos] e incorporados conceito e
construção da resiliência.
No estudo Rio Resiliente
Diagnóstico e Áreas de Foco [parte da Estratégia de
Resiliência] tão indicadas as principais ameaças pra cidade relacionadas às
mudanças climáticas: Chuvas intensas, ondas e ilhas de calor, ventos fortes,
elevação do nível do mar, secas, dengue e outras epidemias. Alguns dos
principais desafios pro Rio se tornar uma cidade resiliente são relativos ao
clima. A definição de resiliência tá logo no sumário desse documento
público elaborado pela prefeitura do Rio [na última gestão do Eduardo Paes]:
“Resiliência é a capacidade de indivíduos, comunidades, instituições, empresas
e sistemas se adaptarem e crescerem para sobreviver, não importando que
tipo de estresses e choques venham a experimentar. A resiliência permite que as
pessoas se recuperem mais fortes, depois de tempos difíceis, e vivam melhor nos
bons tempos.”
Outro desafio apontado no
diagnóstico é a atuação de grupos criminosos. A “gestão” do
Crivella, além de ignorar uma estratégia crucial pra cidade, é permissiva,
omissa, e faz de conta que as milícias não tão expandindo construções
irregulares na cidade.
A vida das pessoas, as perdas das pessoas
A explicação do tempo pro
temporal é da previsão meteorológica: ventos trazendo umidade do mar
pro continente, fortes correntes de vento, rajadas de mais de 100 kms por hora,
formação de nuvens de tempestade, linha de estabilidade grande e lenta,
riscos de alagamentos e deslizamentos. Tudo previsto pro momento e pro local
determinados.
A explicação do clima pro
temporal é o alerta ignorado da realidade dos extremos: o planeta tá mais
quente, o aquecimento mudou o clima, a mudança climática faz chuva e calor
serem mais intensos. Tudo comprovado em registros de séculos e em estudos
científicos constantes e atuais.
Portanto, não basta reagir às
previsões do tempo, é preciso agir pelo clima. E agindo pelo clima também se
prepara as cidades pro que a previsão do tempo anuncia e se melhora a reação.
No entanto, pro prefeito do Rio é o bastante limpar bueiro em alguns
meses e reclamar de que tem sempre muito lixo: “estamos fazendo operação de
limpa bueiro há 3 meses, mas, é sempre muito lixo” [confere aqui a declaração do Crivella na reportagem do RJTV].
Se “é sempre muito lixo” na
cidade, é óbvio que 3 meses de limpada de bueiro não resolve. Muito lixo vira
menos lixo com coleta seletiva, reciclagem, compostagem, reposição de lixeiras
públicas e educação ambiental, além da varrição. Na Rocinha, que foi em
parte evacuada no temporal, a prefeitura destruiu a sede do projeto Olho no
lixo, que fazia o manejo correto de recicláveis e aumentava a
retirada de materiais do ambiente [o terreno do projeto, cedido pelo governo
estadual, foi desapropriado pela prefeitura sem autorização e sem pedido de
cessão]. A prioridade do prefeito na Rocinha foi melhorar a aparência da
fachada dos imóveis de frente pra via porque estava “muito feinha”.
Preparar as cidades
pro clima extremo, chuva e calor mais intensos, não é trabalho de um dia,
é constante, é todo dia. E é com a participação cidadã dos moradores
informados e motivados pra cuidar do lugar em que mora, a casa comum a toda
gente. Quando moradores percebem a atuação da prefeitura, atendendo a
interesses coletivos, fica mais fácil motivar o envolvimento no cuidar dos
ambientes em que a gente mora, transita, trabalha.
É sempre no segmento mais
pobre das populações que cai o peso das perdas em vidas e em bens
materiais comprados com muito esforço em trabalho e financiamento. É injusto e
doído. Dias depois dos estragos, a prefeitura sequer atendeu a todas as
localidades atingidas. A prefeitura só enviou equipes
pro Vidigal depois que a atriz Roberta Rodrigues postou
vídeo nas redes sociais mostrando a situação dramática e a falta dos
serviços públicos necessários da Comlurb, da Defesa Civil.
A combinação
de urbanização e mudanças climáticas exige políticos preparados pra
prover as cidades com resiliência e adaptação. A combinação de urbanização e
mudanças climáticas requer que a imprensa amplie e qualifique a
cobertura da pauta ambiental, sobre meio ambiente, clima e sustentabilidade. E
no contexto da “nova era” de ôtoridades negacionistas, que deturpam fatos e
inventam conspirações contra a soberania nacional sem a menor vergonha da falta
de honestidade, ambientalistas e produtores de conteúdo especializado em
meio ambiente e sustentabilidade precisam ampliar seu alcance e chegar, nos
cidadãos, em especial nos moradores de favelas e periferias. Por
isso, aliás, meu primeiro artigo pro Voz das Comunidades foi sobre as
iniciativas extraordinárias em meio ambiente e sustentabilidade empreendidas
nas favelas cariocas. (ecodebate)
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