Equilíbrio entre predadores e
presas será afetado pela temperatura, com consequências nos ecossistemas.
Mudanças Climáticas:
Equilíbrio entre predadores e presas será afetado pela temperatura, com
consequências desastrosas para os ecossistemas.
Mudança climática em curso
pode alterar interação ecológica entre espécies.
Herbívoros, onívoros,
carnívoros, insetívoros, frugívoros, carniceiros e decompositores. Os
ecossistemas da Terra funcionam em uma formidável teia de interações entre
plantas, animais, insetos, fungos e microrganismos. Uma parte fundamental
dessas interações reside no equilíbrio da cadeia alimentar entre predadores e
herbívoros, que regula a produção vegetal do planeta.
Esse equilíbrio entre
predadores e presas que se alimentam de plantas pode ser alterado em
decorrência das futuras mudanças climáticas. A conclusão é de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e publicada na
revista Nature Climate Change.
“No estudo, traçamos as
causas dessas mudanças e demonstramos que elas são explicadas por componentes
do clima, especialmente da temperatura, que serão alterados no futuro”, disse Gustavo Quevedo Romero,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e autor principal do artigo.
Segundo pesquisador, as
mudanças climáticas podem redistribuir a força das interações ecológicas entre
as espécies de presas e predadores. Os resultados mostram que temperaturas mais
altas e um clima mais estável e menos sazonal levam a uma maior pressão de
predação. Porém, a maior instabilidade no clima que acompanha as mudanças
climáticas em curso, especialmente nas regiões tropicais, levará a uma
diminuição geral na pressão de predação nos trópicos. Em contraste, algumas
regiões de zonas temperadas sofrerão aumento da pressão de predação.
“Essa
reorganização das forças de interação entre espécies poderá ter consequências
desastrosas para o funcionamento dos ecossistemas terrestres e afetar os
serviços ecossistêmicos que eles oferecem, como o controle biológico e o ciclo
de nutrientes”, disse Romero.
Um tipo de vespa parasitando
uma lagarta é exemplo de um eficiente controle biológico.
Os agricultores orgânicos nos
trópicos, por exemplo, dependem do controle biológico exercido pelos inimigos
naturais das pragas de lavoura. No entanto, as mudanças climáticas previstas
poderão diminuir a efetividade desses predadores no controle de pragas.
O novo estudo se baseou em
dados previamente coletados em uma pesquisa publicada na
revista Science em
2017, sob a coordenação de Tomas Roslin, da Universidade Sueca de Ciências da
Agricultura, de Uppsala, na Suécia, e também da Universidade de Helsinque, na
Finlândia.
Nesse trabalho anterior,
os pesquisadores avaliaram a impressão de mordidas em lagartas artificiais para
mostrar que, quanto mais aumenta o gradiente latitudinal dos ecossistemas (em
direção às regiões temperadas e polares), a probabilidade de um herbívoro ser
comido por um predador é apenas uma fração do que ocorre nas regiões
equatoriais.
O estudo foi feito a
partir da mensuração do risco de predação de 2.879 lagartas artificiais
moldadas com massa de modelar verde. Elas foram monitoradas em 31 locais do
planeta ao longo de um gradiente latitudinal que se estendeu desde o paralelo
30,4° sul, na altura do Rio Grande do Sul, da África do Sul e do centro da
Austrália, até o paralelo 74,3° norte, na altura do Ártico canadense, da
Groenlândia e do extremo norte da Sibéria. Os 31 locais estavam distribuídos em
um gradiente de elevação que ia desde o nível do mar até 2.100 metros de
altitude, ou seja, pouco abaixo da altitude da Cidade do México (2.240 metros).
As lagartas artificiais
foram coladas na parte superior de folhas inteiras em plântulas ou arbustos com
no máximo 1 metro de altura. Com base na análise das marcas de dentadas e
bicadas preservadas na massa de modelar, os pesquisadores avaliaram que seis
grupos de predadores foram afetados: aves, lagartos, mamíferos, artrópodes e
gastrópodes (caracóis ou lesmas).
Ajuste climático
No artigo da Science, os autores confirmaram a
hipótese de que a pressão de interação biótica aumenta em direção ao Equador e
diminui em direção aos polos. No trabalho agora publicado na Nature Climate Change, o que se fez
foi confrontar os dados de predação das lagartas e suas localizações com dados
bioclimáticos do presente e do futuro, com base em diversos modelos climáticos
que preveem as alterações no clima a partir das emissões de dióxido de carbono.
“Utilizamos modelagem de
nicho para estudar interações bióticas, método originalmente desenvolvido para
prever a distribuição espacial de espécies”, disse.
Para o novo estudo, os
autores usaram a WorldClim 2, uma base de dados de 19 variáveis bioclimáticas
aplicadas globalmente em uma grade com resolução espacial de 1 quilômetro
quadrado.
Em
seguida, foi aplicado o método de modelagem de equações estruturais para
determinar a importância relativa dos efeitos diretos e indiretos da latitude
absoluta, elevação e do clima local subjacente (incluindo componentes
climáticos da precipitação e temperatura) na pressão de predação. Segundo
Romero, esses modelos revelaram que os dados de predação foram mais explicados
pelas variações nos componentes da temperatura.
Os dados sugerem que, com a
elevação das temperaturas, o nível de pressão de predação se elevará
moderadamente nas regiões temperadas, que se espalham por América do Norte e
Ásia. Nos países escandinavos, no Reino Unido e no Alasca, o aumento da pressão
de predação entre artrópodes será maior.
Projeções futuras
Os pesquisadores foram
capazes de prever a redistribuição da pressão de predação em todo o globo,
projetada para o cenário climático de 2070. “De maneira geral, o que pudemos
constatar foi que, para 2070, a pressão de predação poderá ser sensivelmente
afetada pela variação de temperatura, mas possivelmente não será afetada pelas
mudanças na precipitação”, disse Romero.
Segundo ele, a pressão de
predação será afetada tanto pelo aumento quanto pela instabilidade da
temperatura (elevações e reduções bruscas) em determinados ecossistemas.
“A instabilidade de
temperatura, mais do que o seu aumento, diminuirá a pressão de predação. E esse
impacto será exacerbado em regiões tropicais, onde se prevê que o clima se
tornará mais instável”, disse Romero.
Os dados sugerem que, com
a elevação das temperaturas, o nível de pressão de predação se elevará
moderadamente nas regiões temperadas, que se espalham por América do Norte e
Ásia. Nos países escandinavos, no Reino Unido e no Alasca, o aumento da pressão
de predação entre artrópodes será maior.
A pressão de predação será
reduzida justamente nas regiões equatoriais, que concentram os ecossistemas
mais biodiversos do planeta, ou seja, a África equatorial, o Sudeste Asiático,
a Indonésia e as regiões tropicais da América do Sul, América Central e Caribe.
Os dados sugerem que,
juntamente com a Colômbia, o Brasil será particularmente afetado. Talvez o
Brasil seja o país mais afetado, devido à sua posição nos trópicos e à grande
extensão da Floresta Amazônica.
“A mudança climática não
se reflete apenas nas mudanças de distribuição das espécies, mas também nas
mudanças de interação entre elas”, disse Romero. “Nos trópicos poderá surtir
efeitos sobre o rendimento da agricultura tropical, com o consequente aumento
das ameaças à segurança alimentar, devido a uma diminuição na eficiência do
controle biológico em áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas”, disse.
Além de Romero e de Roslin,
também participaram do trabalho o biólogo Thadeu Sobral-Souza, do Instituto de
Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em Rio Claro; Thiago
Gonçalves-Souza, da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Nicholas Marino,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pavel Kratina, da Queen Mary
University of London, no Reino Unido, e William Petry, do Institute of
Integrative Biology, na Suíça.
O estudo também contou com
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep). (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário