Poluição urbana de Manaus aumenta em até 400%
a formação de aerossóis pela floresta amazônica.
Poluição
em Manaus afeta Floresta Amazônica.
Estudo
internacional com a participação de pesquisadores brasileiros descobriu que a
poluição urbana vinda de Manaus (AM) aumenta – muito mais do que o esperado – a
formação dos aerossóis produzidos pela própria floresta amazônica.
De
acordo com o artigo publicado na revista Nature Communications,
a poluição urbana resulta em um aumento médio de 200%, com picos de até 400%,
na formação dos aerossóis orgânicos secundários. O trabalho teve apoio da
FAPESP por meio da campanha científica Green Ocean Amazon (GOAmazon) e de um Projeto
Temático vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças
Climáticas Globais (PFPMCG).
O
aumento exagerado dos aerossóis produzidos pela floresta tem impacto
significativo em fatores importantes para as mudanças climáticas globais, como
o balanço radioativo, a produção de nuvens e de chuva, assim como na taxa de
fotossíntese das plantas. Em situações em que a poluição urbana não afeta
a floresta, os aerossóis orgânicos são produzidos no solo da Amazônia. Porém,
como o estudo mostrou, em quantidades muito inferiores.
Estudos
semelhantes realizados em florestas boreais – que são a base da modelagem
climática global – apresentavam aumento de no máximo 60% dos aerossóis
orgânicos secundários em florestas impactadas pela poluição de cidades
próximas.
“Pela
primeira vez, conseguimos entender e prever com modelos as concentrações de
aerossóis na Amazônia. Já era sabido que os modelos climáticos do hemisfério
Norte não se aplicam aos casos da floresta amazônica. Víamos que a conta,
baseada nos estudos anteriores, não fechava. Portanto, os resultados dessa nova
pesquisa vão trazer maior acuidade aos modelos meteorológicos, assim como à modelagem
climática regional e global”, disse Paulo
Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP)
e um dos autores do artigo.
De
acordo com Artaxo, o próximo passo é englobar a química dos aerossóis tropicais
nos modelos climáticos globais, como os do Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo,
conseguindo assim prever melhor os ciclos hidrológicos da Amazônia e
identificar alterações nos padrões de chuva de toda a região tropical do
planeta.
Gases emitidos pelas fontes de poluição existentes
na cidade de Manaus (na foto acima), como por exemplo, os óxidos de nitrogênio
(NOx), oxidam na atmosfera da floresta, condensam e dão origem aos aerossóis
secundários, que alteram incidência de luz solar e formação de chuvas.
Pequena alteração, grande mudança
Aerossóis
são partículas (sólidas, líquidas ou gasosas) suspensas no ar. Podem ser
produzidos naturalmente pela floresta, como partículas primárias, ou
secundariamente na atmosfera a partir de precursores gasosos (COV) emitidos
pelas florestas (aerossóis orgânicos secundários), por exemplo, ou por
atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis.
O
aumento de até 400% dos aerossóis orgânicos secundários em virtude da pluma de
poluição de Manaus tem um impacto muito significativo no ecossistema. Essas
partículas são importantes para a transmissão de radiação solar na atmosfera,
para a formação e o desenvolvimento de nuvens, produzindo chuva, entre outros
efeitos.
O
grupo de pesquisadores conseguiu observar e medir os compostos que vêm da pluma
de poluição manauara, como ozônio (O3), óxidos de nitrogênio (NOx),
dióxido de enxofre (SO2) e radicais hidroxila (OH).
“Quando
surge uma grande quantidade de enxofre e de compostos nitrogenados na
atmosfera, vindos como poluição, ocorre uma oxidação muito mais rápida desses
vapores orgânicos na floresta. Essa conversão cria muitos aerossóis novos,
muito mais do que se teria de maneira puramente natural”, disse Henrique
Barbosa, professor do IF-USP e também autor do artigo.
No
estudo, a equipe internacional de pesquisadores analisou as consequências
dessas mudanças tanto do ponto de vista experimental e observacional, quanto
utilizando modelagem numérica dos processos atmosféricos. A equipe também
simulou matematicamente a formação dessa grande quantidade de aerossóis,
identificando os processos associados à sua origem e os mecanismos químicos que
faltavam nos modelos usados até então.
“A
Amazônia é uma região extremamente limpa de poluição. Um minúsculo aumento de
compostos nitrogenados, por exemplo, provoca um aumento brutal de aerossóis na
floresta. A perturbação causada pela emissão antropogênica é muito violenta e
tem impactos em todo o clima da região, no sistema hidrológico, assim como no
clima global”, disse Barbosa.
Essa
alteração tem forte impacto sobretudo na formação das nuvens na Amazônia.
“Observamos como, por causa da quantidade de aerossóis ultrafinos nas nuvens,
muda a velocidade do ar ascendente. Isso deixa as nuvens mais vigorosas e com
mais água precipitável”, disse Barbosa.
Poluição de Manaus inibe fotossíntese e reduz chuvas
Por onde passa, a pluma de poluição que emana da
capital amazonense interfere nos mecanismos de produção de partículas de
aerossóis.
Barcos em Manaus: a interação da pluma urbana com as
emissões naturais da floresta produz ozônio em níveis que podem ser fitotóxicos
para a vegetação.
Fotossíntese
A
quantidade de aerossóis também influencia fortemente a fotossíntese da
floresta, que depende da radiação solar para a fixação de carbono pelo
ecossistema.
“Percebemos
que, até certo ponto, o aumento dos aerossóis secundários torna a fotossíntese
mais eficiente. Depois disso, as reações se dão de forma mais lenta”,
disse Barbosa.
De
acordo com o pesquisador, isso acontece por causa da interação dos aerossóis
com a radiação solar. Circulando livremente no ar, os aerossóis podem mudar a
quantidade de radiação na floresta, seja ela direta (aquela que faz sombra) ou
difusa.
Na
floresta, como a vegetação tem diferentes níveis de altura das folhas, a
radiação difusa tem mais facilidade de penetrar na copa e atingir até as folhas
mais baixas – sendo, portanto, mais eficiente para a planta fazer a
fotossíntese.
Já
a radiação direta ilumina apenas as camadas mais altas de folhas e, depois de
atingi-las, faz a sombra. “Quando há mais aerossol na atmosfera, aumenta a
fotossíntese. Porém, se tiver demais, atrapalha. No fim das contas, não importa
se aumenta a oferta de radiação difusa. No balanço final, o aerossol acaba
diminuindo tanto a luz solar que a planta não consegue fixar muito carbono”,
disse Barbosa.
Isopreno
De
acordo com os pesquisadores, o estudo mostrou que as florestas tropicais são
muito mais dinâmicas do que se imaginava. “O aumento de aerossóis causado pela
poluição é muito maior nas florestas tropicais [400%] do que nas boreais [60%].
Isso se deve aos mecanismos diferentes de emissão e oxidação, além da presença
de isopreno apenas nas tropicais”, disse Artaxo.
O
isopreno é um gás composto orgânico volátil (COV) emitido pelas plantas em
florestas tropicais como parte de seu processo metabólico. Ele é emitido em
grandes quantidades pela floresta amazônica e tem meia-vida curta na atmosfera,
se transformando em partículas de aerossóis. “A transformação do isopreno em
partículas é muito acelerada pela presença da poluição de Manaus,
particularmente pelas emissões de óxidos de nitrogênio”, disse Artaxo.
Nas
florestas boreais não há emissão de isopreno, mas de outro COV, o terpeno, e em
quantidades muito baixas. Esse gás, no entanto, tem uma química atmosférica
completamente diferente da observada no caso do isopreno.
“Isso
faz com que as emissões de florestas tropicais sejam chave na produção de
partículas e também na formação de ozônio, com uma química que era desconhecida
antes do experimento GoAmazon. Agora que conhecemos os mecanismos químicos,
podemos englobá-los nos modelos climáticos globais, melhorando nosso
entendimento do papel das florestas tropicais no clima do planeta”, disse
Artaxo.
O
pesquisador ressalta que o aumento de aerossóis orgânicos secundários não está
relacionado apenas com a poluição urbana, como a emitida por veículos. Pode ser
resultado de outras atividades geradoras de óxido de nitrogênio, como as
queimadas de florestas ou a operação de geradores em cidades pequenas na
Amazônia.
“Descobrimos
que os óxidos de nitrogênio são o elemento catalisador da formação dos
aerossóis orgânicos secundários. Se tiver esse composto na poluição,
independentemente da causa ou origem, esse processo de intensificação da
produção de partículas vai ocorrer”, disse Artaxo.
Poluição gerada por Manaus está afetando a Amazônia.
Maior precisão
Atualmente,
os modelos climáticos usam majoritariamente processos oriundos de estudos
realizados no hemisfério Norte e, no caso dos aerossóis orgânicos secundários e
seus impactos, não representam a realidade da Amazônia ou das florestas
tropicais.
Para
chegar ao novo modelo, com dados da floresta amazônica, foram usadas medidas
feitas em aviões do Departamento de Energia dos Estados Unidos (US-DoE),
medidas obtidas em superfície em várias estações amostradoras e um complexo
programa de computador que simula a química da atmosfera e a meteorologia em
escala regional, possibilitando relacionar meteorologia a processos químicos na
atmosfera acima da floresta.
Com
os dados de todas as reações químicas que ocorrem nesse processo, os
pesquisadores conseguiram calibrar um modelo já existente (WRF-Chem), que
acopla a dinâmica atmosférica com as complexas reações químicas para simular a
dispersão da pluma de poluição e da produção extra de aerossóis pela interação
poluição-emissões biogênicas naturais da floresta.
O
próximo passo é integrar esses processos nos modelos climáticos globais,
permitindo aprimorar a previsão de chuva e dos processos de formação de
partículas em nível global, melhorando o entendimento do papel das florestas
tropicais nas mudanças climáticas globais.
Fenômeno
impacta a produção de nuvens e de chuva, com consequências para o clima local e
global, alertaram pesquisadores em estudo publicado na Nature Communications.
Poluição
de Manaus aumenta a formação dos aerossóis produzidos pela própria floresta. O
NOx emitido em Manaus aumenta a concentração de OH e de ozônio (setas marrons),
substâncias que aceleram a oxidação dos hidrocarbonetos emitidos naturalmente
pela floresta (isopreno; setas verdes). A ilustração ainda mostra que, na
ausência da poluição urbana, as emissões de NOx no solo (setas roxas) também
impulsionam o ciclo oxidante, porém em quantidade muito menor. (ecodebate)
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