Brasil e as mudanças
climáticas: o que ‘Alice no País das Maravilhas’ tem a dizer?
Dois trechos de Alice no País
das Maravilhas, de Lewis Carroll, descrevem bem onde o Brasil está em termos de
preparação para as mudanças climáticas e onde deveria estar.
“Não adianta voltar para
ontem, porque eu era uma pessoa diferente então.”
“Minha querida, aqui devemos
correr o mais rápido que pudermos, apenas para ficar no mesmo lugar. E se você
quiser ir a qualquer outro lugar, você deve correr duas vezes mais rápido que
isso.”
Não é possível pensar e administrar
o país com o olhar fora da realidade do presente e dos riscos futuros. As
condições estão mudando muito rapidamente. Não atuar, permanecer parado,
significa, na verdade, retroceder, pois não somente as condições se modificam,
mas também a forma como outros governos e organizações sociais e econômicas
respondem às mudanças climáticas.
Observações sistemáticas de
mudanças nas variáveis climáticas e hidrológicas em todo o mundo não deixam
mais dúvida de que as mudanças do clima estão ocorrendo. Pesquisas científicas
rigorosas demonstram que os gases de efeito estufa emitidos pelas atividades
humanas são hoje os principais vetores de mudança. Sem ações de redução das
emissões de gases de efeito estufa é provável que ocorram rupturas
significativas nos sistemas físicos e ecológicos da Terra e nos sistemas
sociais com impactos sobre a segurança alimentar, hídrica, energética e a saúde
humana.
A comunidade científica brasileira tem
contribuído para o avanço da compreensão de mudanças climáticas e seus efeitos,
em particular sobre os impactos para nosso continente. Nossa capacidade de
olhar a Terra como um todo e modelar o complexo sistema de interações entre
superfície terrestre, oceano, criosfera e atmosfera, envolvendo tanto processos
físicos como biológicos, avançou significativamente nas últimas décadas. Sempre
haverá algum nível de incerteza na compreensão de um sistema tão complexo
quanto o clima global e suas manifestações locais. No entanto, o nível de
concordância científica sobre o aquecimento global antropogênico é extremamente
alto porque as evidências de apoio são esmagadoramente fortes.
A despeito de todas as
evidências científicas sérias disponíveis, a geração de desinformação com
argumentos contra a ciência climática persiste. Uma agenda anticiência e
tomadores de decisão que desconsideram a primazia do conhecimento representam
um grave descompromisso com a sociedade brasileira, e com o destino das futuras
gerações.
Alegar um viés ideológico na
veracidade das mudanças climáticas provocadas pelas atividades humanas cria
obstáculos para ações concretas por parte do governo e da sociedade para nossa
adaptação.
E por que precisamos nos
preparar para um clima em mudança? Embora esforços para reduzir as emissões de
gases de efeito estufa sejam imprescindíveis, as emissões pretéritas
continuarão a impactar o clima global por muitas décadas até séculos. Além
disso, uma redução lenta de emissões futuras significa que as alterações
climáticas adicionais irão agravar os impactos que diversas comunidades e
setores da economia já estão experimentando. Nos últimos anos, eventos
climáticos extremos têm deflagrado inundações, deslizamentos de terra, secas e
incêndios florestais. Tais eventos deverão aumentar ainda mais no futuro devido
às mudanças climáticas.
O Brasil deve se preparar para um clima em
mudança que impacta a economia e a sociedade. É preciso lembrar que as mudanças
climáticas têm impactos desproporcionais sobre diferentes segmentos sociais e
as questões de justiça social devem ser amplamente debatidas e consideradas.
Para isso, mudanças climáticas devem ser integradas na formulação de políticas
públicas abrangentes e na elaboração e identificação de ações de mitigação e
adaptação para aumentar a resiliência de serviços e infraestrutura. Nossos
sistemas naturais constituem um importante ativo do país no enfrentamento das
mudanças climáticas por meio de soluções baseadas na natureza e nos serviços
ecossistêmicos com melhoria da qualidade de vida da população.
Alice no País das Maravilhas
mudanças climáticas: Aquecimento global piora a poluição na Baía de Guanabara.
O Brasil precisa retomar com
seriedade essa agenda da qual já foi um protagonista global respeitado.
Contamos com uma comunidade científica qualificada e atuante na área de
mudanças climáticas, que vem contribuindo para o esforço mundial de geração de
conhecimento e na elaboração de soluções. Não há tempo a perder encobrindo os
fatos com alegações espúrias e irresponsáveis que não encontram respaldo em
boas práticas científicas. A sociedade brasileira tem o direito de estar
preparada para enfrentar as mudanças climáticas por meio da gestão eficiente de
seus governantes e, ao mesmo tempo, o dever de contribuir para os esforços
globais de mitigação, respaldados por conhecimento científico robusto.
(ecodebate)
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