Por que é mais correto falar
em ‘crise climática’ e não em ‘mudança climática’.
A realidade informativa da
Espanha, incluindo este jornal, utiliza de maneira habitual termos como
“mudança climática” e “aquecimento global” para se referir aos problemas
ambientais sofridos pelo planeta. Embora estes conceitos sejam válidos, a
expressão “crise climática” parece ter penetrado nos ambientes ecologistas. Com
ela se busca evidenciar que a situação ambiental do planeta pende de um fio
temporal de tão somente dez anos, conforme advertem os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
A reportagem é de Alejandro Tena, publicada
por Público, 12-06-2019. A tradução é do Cepat.
Foram justamente os
cientistas do IPCC que empregaram as palavras “crise” e “emergência” para se
referir à situação climática do presente. Alguns conceitos que foram reunidos
pelos coletivos sociais, que durante os últimos meses foram às ruas da Europa,
capitaneados pela jovem Greta Thunberg, para reivindicar ações políticas que
revertam os riscos ambientais para os quais caminha a humanidade.
Isto não quer dizer que os
outros termos tenham ficado desatualizados. De fato, continuarão aparecendo nas
informações, conforme acontece com o restante das publicações científicas. No
entanto, o reconhecimento da crise climática em nível midiático tem a ver com
“subir o nível do debate”, expõe Héctor
de Prado, responsável por Energia e Clima em Amigos da Terra. “Afinal, trata-se de comunicar, mas é necessário dar o significado
real às palavras e é preciso fazer isso de uma maneira honesta”, acrescenta.
“Quando mudamos a linguagem,
também mudamos a forma como pensamos”, argumenta Javier Andaluz, responsável
pelo Clima, em Ecologistas em Ação. O ativista expõe que a mudança terminológica que
está ocorrendo nos últimos meses tem a ver com “assumir e aceitar que estamos
diante de um desafio de grandes proporções, que nos afeta em muitíssimos
aspectos da vida cotidiana”.
Trata-se, além disso, de uma
medida que transcende os meios de comunicação. Um bom exemplo disso é o The Guardian,que no último mês de maio
decidiu incluir “crise climática” dentro de seu livro de estilo. “Queremos nos
assegurar que estamos sendo cientificamente precisos, ao mesmo tempo em que nos
comunicamos claramente com os leitores sobre este tema tão importante”,
argumentava Katharine Viner, chefe de edição do jornal britânico.
A trilha do jornal inglês
também foi seguida pela própria Fundéu espanhola – fundação que vela pelo bom uso da linguagem
nos meios de comunicação -, que há uma semana publicou uma nota na qual
advertia que o conceito “crise climática” era o “mais adequado para se referir
à grandeza e as consequências do aquecimento global causado pela atividade
humana”.
“Embora nos meios de
comunicação vem sendo empregada a denominação mudança climática para
se referir ao aumento da
temperatura do planeta
Terra, provocado pelas emissões de gases do efeito estufa e a dependência dos
combustíveis fósseis, amplos setores da comunidade científica consideram que se
trata de uma fórmula que não descreve com a suficiente precisão a gravidade da
situação atual”, expunha a fundação da Agência EFE.
Diferenças terminológicas
Mudança climática, aquecimento global, crise climática. São conceitos válidos. Inclusive, podem ser
empregados como sinônimos em nível informativo, mas têm diferenças importantes
em nível científico.
Quando falamos em mudança
climática, estamos nos referindo estritamente ao fenômeno físico que se deu no
planeta e que continua ocorrendo, seja de maneira natural ou induzida pelo ser
humano. Ou seja, as mutações climáticas, as modificações nas temperaturas e as
precipitações ou as transformações dos padrões do vento são qualidades que
estão presentes ao longo da história do planeta. Este termo, por conseguinte,
não incide na origem antropogênica da conjuntura climática do
presente.
O aquecimento global, por sua
parte, é o fenômeno final ou o resultado climático que se está experimentando
na atualidade. Este termo, em nível científico, faz referência ao aumento das
temperaturas do planeta e a como estas podem mudar os ecossistemas.
No entanto, a terminologia
referente à “crise” e à “emergência”
climática, sem negar nada do
anterior, aponta para a ação do ser humano e as emissões que este gera como
causa principal das mutações que estão ocorrendo na Terra. Nesse sentido, a
palavra “crise” se enche de conteúdo social e aproxima da sociedade um problema
que até o momento poderia parecer alheio à humanidade.
A emergência climática
O cada vez mais comum uso da
palavra “crise” para se referir às consequências do aquecimento
global induzido pelo ser humano vem ligado às múltiplas manifestações verdes
que percorrem a Europa e outras regiões do planeta. Alguns protestos civis que
buscam, acima de tudo, fazer com que as instituições governamentais reconheçam
a emergência climática.
Esta é a reação que se requer
a partir dos coletivos ambientalistas para reverter a crise climática atual.
Desta forma, a declaração de emergência se vincula a duas premissas: reconhecer
o problema e esboçar um eixo de atuação para resolvê-lo. No momento, o Reino Unido é o
primeiro país a aprovar esta medida. Sua declaração foi acompanhada pelas
da Irlanda, Escócia e Gales. Além disso, nos Estados Unidos e Austrália, há 17 cidades
que aprovaram a declaração. No caso da Europa, além do espaço britânico e
irlandês, só encontramos declarações regionais impulsionadas por governos
locais da Itália, Alemanha, Suíça, França e Espanha (declaração impulsionada pelo Governo da
Catalunha).
Embora
a lista de declarações de emergência seja breve, a realidade mostra que, no
momento, estas não estão carregadas da ambição que se reivindica nas ruas.
Assim, uma medida que se apresenta como revolucionária acaba se tornando algo
simbólico e isto é algo que também pode ocorrer com a popularização do termo
“crise climática”.
“É necessário evitar que se
torne uma expressão batida, conforme aconteceu, em seu momento, com a palavra
sustentabilidade”, opina De Prado. No entanto, Andaluz aponta o risco que pode supor esvaziar de conteúdo expressões tão importantes como
estas. “Se perdemos o tempo adulterando os termos, é que não entendemos nada do
que supõe reconhecer a crise climática”, alfineta o ativista, para evidenciar que o ser
humano tem apenas uma década para enfrentar a “crise climática”. (ecodebate)
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