Emergência Climática – Nível
do mar sobe com velocidade 2,5 vezes maior do que a do século 20, aponta IPCC.
Frequência e intensidade de
eventos extremos costeiros, como inundações, devem aumentar até 2100, indica
relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da
ONU
Elton Alisson | Agência
FAPESP – O aquecimento global tem aumentado a temperatura dos oceanos e o
derretimento das geleiras e dos mantos de gelo nas regiões polares e
montanhosas do planeta. Essa combinação de fatores tem levado a um aumento do
nível do mar e, consequentemente, da frequência e intensidade dos eventos extremos
costeiros, como inundações.
As conclusões são de um
relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês) sobre oceano e criosfera – as partes congeladas do
planeta.
Um sumário para formuladores
de políticas foi lançado em 25/09/2019 em Mônaco, dois dias após a
abertura da Cúpula do Clima em Nova York, nos Estados Unidos, em que líderes
mundiais foram pressionados a implementar medidas mais ambiciosas para combater
o aquecimento global.
“O oceano e a criosfera estão
‘esquentando’ em decorrência das mudanças climáticas há décadas e as
consequências para a natureza e a humanidade são amplas e severas”, declarou Ko
Barret, vice-presidente do IPCC.
“As rápidas mudanças no
oceano e nas partes congeladas do nosso planeta estão forçando tanto as pessoas
das cidades costeiras como de comunidades remotas do Ártico a alterar
fundamentalmente seu modo de vida”, afirmou.
De acordo com o documento,
aprovado pelos 195 países membros do IPCC, o nível do mar subiu globalmente em
torno de 15 centímetros (cm) durante todo o século 20 e, atualmente está
subindo a uma velocidade duas vezes e meia maior – a 0,36 cm por ano. E esse
ritmo está acelerando.
Mesmo que as emissões de
gases de efeito estufa (GEE) fossem bastante reduzidas e o aquecimento global
limitado a bem menos que 2ºC dos níveis pré-industriais o nível do mar subiria
entre 30 e 60 centímetros até 2100.
Se as emissões de GEE
continuarem aumentando fortemente, o nível do mar pode subir entre 60 e 110
centímetros no mesmo período, de acordo com as projeções dos cientistas autores
do documento.
“Nas últimas décadas, a taxa de aumento do nível
mar se acelerou devido ao aumento crescente do aporte de água proveniente do
derretimento das geleiras, principalmente na Groenlândia e na Antártica, e da
expansão da água do mar pelo aumento da temperatura marinha”, disse Valérie
Masson-Delmotte, diretora de pesquisa da Comissão de Energias Alternativas e
Energia Atômica da França e copresidente do grupo de trabalho 1 do IPCC.
Eventos extremos
A elevação do nível do mar
aumentará a frequência de eventos extremos que ocorrem, por exemplo, durante a
maré alta e tempestades intensas. As indicações são de que, com qualquer grau
de aquecimento adicional, eventos que ocorreram uma vez por século no passado
acontecerão todos os anos em meados do século 21 em muitas regiões, aumentando
os riscos para muitas cidades costeiras baixas e pequenas ilhas, prevê o
relatório.
As ondas de calor marítimas
também dobraram em frequência desde 1982 e estão aumentando em intensidade. A
frequência desses eventos será 20 vezes mais alta em um cenário de 2°C de
aquecimento, em comparação com os níveis pré-industriais. Elas podem ocorrer 50
vezes mais frequentemente se as emissões continuarem a aumentar fortemente,
aponta o relatório.
“Várias abordagens de
adaptação já estão sendo implementadas, muitas vezes em resposta a inundações,
e o relatório destaca a diversidade de opções disponíveis para cada contexto”,
afirmou Masson-Delmotte.
Segundo a cientista, a nova
avaliação também revisou para a cima a contribuição projetada da camada de gelo
da Antártica para o aumento do nível do mar até 2100 em um cenário de altas
emissões de GEE.
Declínio de geleiras
“As projeções da elevação do
nível do mar para 2100 e além estão relacionadas a como os mantos de gelo
reagirão ao aquecimento, especialmente na Antártica. Ainda há grandes
incertezas”, ponderou.
Os 670 milhões de pessoas que
vivem em regiões montanhosas estão cada vez mais expostos aos riscos de
avalanches e inundações e mudanças na disponibilidade de água pelo declínio de
geleiras, neve, gelo e permafrost – solo permanentemente congelado –, aponta o
relatório.
Em cenários de alta emissão
de GEE, estima-se que geleiras menores encontradas, por exemplo, na Europa, nos
Andes e na Indonésia poderão perder mais de 80% de sua massa de gelo atual
até 2100.
À medida que as geleiras das
montanhas recuam, também são alteradas a disponibilidade e a qualidade de água
para onde se dirige a corrente (a jusante), com implicações para setores como
agricultura e energia hidrelétrica, ressaltam os cientistas.
No Ártico, a extensão do gelo
marinho também está diminuindo gradativamente a cada mês do ano. Uma parte
expressiva dos quatro milhões de pessoas que vivem permanentemente na região –
especialmente povos indígenas – já ajustou suas atividades de caça, por
exemplo, à sazonalidade das condições de terra, gelo e neve, e algumas
comunidades costeiras já estão se deslocando.
“Limitar o aquecimento
ajudaria essa população a se adaptar às mudanças no suprimento de água e aos
riscos, como deslizamento de terra”, disse Panmao Zhai, co-presidente do grupo
de trabalho I do IPCC.
Maior absorção de calor
O aquecimento global já
atingiu 1ºC acima do nível pré-industrial, devido ao aumento das emissões de
gases de efeito estufa.
Até o momento, o oceano
absorveu mais de 90% do excesso de calor no sistema climático e, em 2100,
absorverá entre duas e quatro vezes mais calor do que nos últimos 40 anos se o
aquecimento global for limitado a 2°C e até cinco a sete vezes mais com
emissões mais altas, estimam os cientistas.
O oceano também absorveu
entre 20% e 30% das emissões de dióxido de carbono induzidas pelo homem desde
1980, causando a sua acidificação.
A captação contínua de
carbono pelo oceano até 2100 exacerbará esse fenômeno provocado pelo aumento da
concentração e da dissolução de dióxido de carbono, que diminui o pH da água
superficial, elevando a acidez e causando a destruição de recifes de corais,
por exemplo.
O aquecimento e a
acidificação dos oceanos, a perda de oxigênio e as mudanças nos aportes de
nutrientes já estão afetando a distribuição e a abundância da vida marinha em
áreas costeiras, em mar aberto e no fundo do mar.
No futuro, algumas regiões,
principalmente os oceanos tropicais, sofrerão reduções adicionais, alerta o
relatório.
“Reduzir as emissões de gases
de efeito estufa limitará os impactos nos ecossistemas oceânicos. Diminuir
outras pressões, como a poluição, ajudará ainda mais a vida marinha a lidar com
mudanças no ambiente”, disse Hans-Otto Pörtner, pesquisador da University of
Bremen, na Alemanha, e copresidente do grupo de trabalho 2 do IPCC.
Década dos oceanos
O relatório se insere em uma
série de ações voltadas a destacar o papel fundamental dos oceanos na regulação
do clima do planeta, ao redistribuir o calor que chega em excesso à região
tropical até as regiões polares, ao mesmo tempo em que leva o frio dos polos
para os trópicos.
As ações foram intensificadas
a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a
Rio+20 –, em 2012, no Rio de Janeiro. O evento culminou na realização da
Conferência da ONU sobre os Oceanos em junho de 2017 em Nova York, nos Estados
Unidos, e na proclamação, no mesmo ano, do período de 2021 a 2030 como a Década
da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável – a Década do Oceano.
Esse período corresponde à
última fase da Agenda 2030 – um plano de ação estabelecido pela ONU em 2015
para erradicar a pobreza e proteger o planeta, que contém 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODSs), um deles (14) especialmente dedicado aos
oceanos.
A fim de fortalecer essa
agenda de ações da ONU no Brasil, América Latina e Caribe, o professor do
Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) Alexander Turra
propôs à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) a criação de uma cátedra no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP)
para o estudo da sustentabilidade dos ecossistemas marinhos e costeiros.
A proposta foi aceita e, no
início de junho, foi inaugurada na USP a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade
dos Oceanos.
“A proposta da cátedra é
canalizar e impulsionar ações voltadas a fortalecer a agenda sobre oceanos na
academia e na sociedade”, disse Turra à Agência FAPESP.
Uma das funções da cátedra é
fomentar e dinamizar a pesquisa oceanográfica integrada e interdisciplinar.
“É preciso integrar na
pesquisa oceanográfica a visão das ciências naturais com as sociais, uma vez
que o mar é um sistema socioecológico, e não só natural”, afirmou Turra.
Outras linhas de ação da
cátedra são disseminar o conhecimento sobre oceanos – a chamada cultura
oceânica –, fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações a
partir dos recursos marinhos e articular o conhecimento científico com a tomada
de decisão pelos agentes públicos.
Frequência e intensidade de
eventos extremos costeiros, como inundações, devem aumentar até 2100, indica
relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da
ONU. (ecodebate)
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