Com o objetivo de entender
como as mudanças climáticas podem impactar diferentes ecossistemas, 27
pesquisadores do Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Guiana Francesa e
Porto Rico realizaram, em sete locais, experimentos envolvendo o ambiente
aquático existente no interior das bromélias – que serve de habitat para larvas
de insetos e outros pequenos organismos.
Eles descobriram que, ao
contrário do que se poderia pensar, não são os organismos do topo da cadeia
alimentar que mais sofrem com a instabilidade de chuvas, um dos efeitos
esperados das mudanças climáticas, mas sim os organismos da base, os menores.
Os resultados da pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), foram publicados na revista Nature Communications.
Segundo o ecólogo Gustavo
Quevedo Romero, primeiro autor do artigo, estudos replicados geograficamente
para entender como as mudanças climáticas podem afetar os ecossistemas são raros.
Porém, necessários para melhor entender como cada região geográfica e cada
ecossistema serão impactados. E os resultados observados nos experimentos com
as bromélias contradizem parte dos estudos de ecologia com foco em mudanças
climáticas e resiliência das espécies já publicados.
“Manipulamos quantidade e
frequência das chuvas nos microcosmos [interior de bromélias] seguindo modelos
que preveem mudanças climáticas para as próximas décadas. No mesmo experimento,
criamos tanto condições de seca quanto de enchente e um índice de estabilidade
hidrológica dentro de cada bromélia. Assim, na amostragem, havia bromélias com
condições hidrológicas mais estáveis, cujo volume de água variava pouco ao
longo do tempo, e com condições mais instáveis”, conta Romero, professor do
Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
à Agência FAPESP.
Pela literatura, acrescenta o
docente, sabe-se que animais maiores sofrem mais com as mudanças climáticas,
especialmente porque têm menos espaço para se alimentar. “Mas mostramos que,
neste caso, a base da cadeia alimentar pode ser mais sensível, e mudanças nela
podem modificar o restante dos níveis tróficos acima”, explica o pesquisador.
O cientista afirma que,
apesar de haver variações locais de suscetibilidade das espécies às mudanças
climáticas, chamou a atenção dos pesquisadores o fato de encontrarem um padrão
único, consistente, em todos os sete locais estudados: predadores são sempre
beneficiados em ambientes mais secos, e organismos pequenos são prejudicados em
ambientes pequenos e mais favorecidos em ambientes maiores, onde chove mais.
“Fizemos experimentos em
regiões mais áridas, como a de Santa Fé, na Argentina, e em regiões onde
dificilmente ocorre aridez, como a Costa Rica e a Guiana Francesa. E esse
padrão se manteve”, ressalta.
Ele ressalta que o grupo
encontrou consistência geográfica nos resultados do trabalho. “A razão da biomassa
de predadores em relação à biomassa de presas, que representa pirâmides
ecológicas de biomassa, se repetiu para todas as áreas nas plantas estudadas,
sendo consistente ao longo do espaço geográfico, independentemente do pool de
espécies e do fato de os organismos estarem mais ou menos adaptados à seca”,
pontua.
A pesquisa mostra que as
mudanças climáticas, principalmente quando associadas à seca, causam
instabilidade nas redes alimentares. “Quando mais predadores ocorrem em uma
bromélia com menos volume de água, maior o efeito de predação, de cima para
baixo, nas comunidades das presas. Assim, as redes alimentares se
desestabilizam, o que pode gerar extinções locais das espécies, tanto de presas
quanto de predadores”, enfatiza.
Em resumo: apesar de os predadores se beneficiarem nos ambientes pequenos causados pela seca, esses ambientes são mais instáveis, mais propensos ao risco de extinção e colapsos das redes ecológicas.
Níveis tróficos
O grupo trabalhou com três
níveis tróficos: os predadores de topo, os mesopredadores e os detritívoros.
Esses últimos são muito pequenos e alimentam-se de detritos. “Não vimos nenhum
efeito das mudanças climáticas para os mesopredadores, que não foram afetados
pelos tratamentos que fizemos”, avalia.
No microcosmo das bromélias,
eles são representados por larvas de insetos pequenos que se alimentam de
outros pequenos organismos e, geralmente, são considerados como espécies
oportunistas.
Quanto aos organismos
menores, os detritívoros e filtradores, embora se beneficiem com a chuva,
também são afetados negativamente quando a instabilidade climática é maior e
quando a quantidade de chuvas é muito grande. “Como exemplo, quando chove
muito, seja numa lagoa, num lago, ou dentro de uma bromélia, o sistema transborda
e lixivia os nutrientes e microrganismos. Mostramos em outros estudos que
bactérias, microinvertebrados e nutrientes, como nitrato e fosfato, são
grandemente lixiviados”, salienta.
Romero explica que as
bromélias são ambientes naturais em que os cientistas conseguem explorar
diversos aspectos de um ecossistema: são pequenas, fáceis de manipular e,
muitas vezes, é possível projetar os resultados obtidos nelas para sistemas
maiores, como lagoas e lagos, pois estudos realizados nesses ambientes maiores
apresentam resultados semelhantes aos realizados nos microcosmos das bromélias.
“As bromélias têm
distribuição neotropical e, apesar de serem ambientes pequenos, podem acumular
até 50 mil litros de água por hectare em florestas, servindo como fonte de água
para animais terrestres, como aves e mamíferos, e como ecossistemas inteiros
para organismos que vivem em ambientes aquáticos”, destaca.
O desenho do experimento foi
decidido em duas reuniões realizadas pelo grupo. A equipe composta por
pesquisadores da França, Canadá, Estados Unidos, Porto Rico, Colômbia,
Argentina e Brasil seguiu o mesmo protocolo nas sete áreas onde os experimentos
foram conduzidos.
Foram selecionadas 30
bromélias em cada um dos sete locais, em um total de 210. Como cada região tem
uma flora diferente de bromélias, os cientistas não conseguiram usar as mesmas
espécies, utilizando as mais comuns de cada região. Essas plantas eram
coletadas, lavadas e desinfetadas para retirada de todos os macro e microrganismos
presentes, como bactérias, fungos e outros.
“Lavamos e limpamos bem as
bromélias, para que essas tivessem a sua biota aquática ‘começando do zero’.
Então, para reiniciar as colônias e comunidades nos ecossistemas experimentais,
dividimos igualmente os detritos grossos e finos retirados previamente das 30
bromélias e recolocamos, em cada planta, a mesma comunidade de invertebrados e
grupos funcionais que havia sido retirada. Depois disso, retornamos as
bromélias para o campo e instalamos sobre elas coberturas plásticas
individuais, tipo guarda-chuva, para que as chuvas não impactassem os
resultados”, explica.
Os cientistas simularam o
regime de chuvas de cada região, conforme uma média de pluviosidade dos últimos
cinco anos, estabelecendo uma média local com base no volume e na frequência
das chuvas em cada sítio.
“Manipulamos a quantidade de
água e a frequência das chuvas ao longo de dois meses em cada local. Como
tínhamos uma média para cada região geográfica, tudo o que variou para baixo
foi considerado seca, e o que variou para cima foi considerado inundação.
Manipulamos os extremos, seca e enchente, e ninguém tinha feito isso antes”,
detalha Romero.
“Quase 50% da população
mundial depende da água produzida através das montanhas”.
Para o futuro, Romero afirma que há interesse em trabalhar manipulando estressores ambientais, como mudanças em precipitação e aquecimento climático, bem como poluição ambiental, em diversos sistemas de água doce. (ecodebate)
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