Pantanal: entenda as causas e
consequências dos incêndios no bioma.
Todo ano nos deparamos com
queimadas e incêndios que ocorrem
principalmente nos biomas Cerrado e Amazônia. A cada estação seca
que chega, vemos as imagens fortes de áreas em chamas, bichos morrendo, pessoas
sendo afetadas. Neste ano, a esses dois biomas adiciona-se
o Pantanal, com quase um quinto
de seu território de 15 milhões de hectares afetado pelo fogo.
O Pantanal é uma extensa planície de inundação cuja maior parte está localizada no Brasil, mas também compreende terras na Bolívia e no Paraguai. Longe de ser uma unidade homogênea, cada região do Pantanal tem suas próprias características de vegetação e ritmo de inundações, como Nabileque, Rio Negro, Nhecolândia, Paraguai, Miranda, Melgaço, entre outras. De forma geral, existem um ou mais pulsos de inundação durante o ano que fazem com que os rios extravasem suas calhas e inundem extensas regiões.
Área queimada no Pantanal no primeiro semestre de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).
Entre janeiro e junho deste
ano, de acordo com dados do Centro de Arquivo Ativo e Distribuído de Processos
Terrestres (LP DAAC) da Nasa, 330 mil hectares do Pantanal foram queimados,
quase o dobro da área afetada pelo fogo no primeiro semestre de 2019 e 30% mais
que a soma de toda área queimada no mesmo
período entre 2016 e 2019 (como pode ser visto no gráfico acima).
E o cenário entre julho e
setembro parece ser muito pior, com uma área queimada estimada em mais de dois
milhões de hectares, já que, nesse período, a seca, os ventos e a ação humana
tendem a ser mais acentuados. De fato, o número de focos de calor desde o
início de julho (conferir gráfico abaixo) já é três vezes maior que o observado
em 2019 e cinco vezes maior que a média de focos de 2016 a 2019, segundo dados
coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) até 20/09/20.
Mas por que isso ocorre?
Quais são as consequências? Todo fogo é igual? As respostas a essas perguntas são
fundamentais para entender esse problema complexo e de grande impacto que tem
se exacerbado não apenas no Brasil, mas em muitas partes do mundo.
Por que o fogo ocorre?
Número de focos de calor no Pantanal entre julho e setembro de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).
Sempre que houver acúmulo de
combustível e condições meteorológicas favoráveis há o risco de ocorrência
de fogo. O combustível
geralmente é composto por restos vegetais secos, incluindo tanto folhas mortas
quanto capim vivo, e material lenhoso fino, como galhos e gravetos. Já as
condições meteorológicas estão relacionadas a longos períodos de estiagem, com
queda da umidade relativa, altas temperaturas e, para piorar, ventos fortes ou
constantes. Mas o fogo só vai ocorrer se houver uma fonte de ignição. Fogo de origem
natural é pouco provável e pode estar associado à combustão espontânea, um
evento extremamente raro, ou a descargas elétricas (raios), nas transições de
estações ou nos “veranicos”, períodos curtos de seca que ocorrem no meio de
estações chuvosas. Portanto, de longe
a mais importante causa de ignição de fogo é o homem, seja por ação intencional
ou acidental.
Todo fogo é igual?
Não, os efeitos do fogo
variam segundo suas características – como intensidade e persistência –, assim
como em função de sua recorrência e, acima de tudo, com o tipo de ambiente
impactado. Existem diferentes resistências e resiliências em relação ao fogo.
Lembrando que a resistência ao fogo é o conjunto de características
microclimáticas e da vegetação que impedem ou reduzem em muito sua ignição e
propagação. Já a resiliência ao fogo é a capacidade do ambiente queimado
retornar ao mesmo estágio de organização após a ocorrência de uma queimada.
Assim, uma floresta úmida,
como a que encontramos em grande parte da Amazônia e Mata Atlântica, em condições
normais, dificilmente queimaria. Nesses ambientes os organismos não possuem
adaptações de proteção ao fogo e, caso isto ocorra, os danos são extensos e a
recuperação pode levar dezenas de anos para acontecer. Essas áreas são
consideradas como sensíveis ao fogo (veja mapa abaixo). O Cerrado e o Pantanal
possuem vegetações mais resilientes e, consequentemente, menos sensíveis. No
entanto, de acordo com a severidade, o fogo pode alterar a estrutura e o
funcionamento dos ecossistemas nesses biomas.
O fogo natural, por sua vez,
ocorre em períodos de clima mais ameno e com grande possibilidade de chuva logo
após o evento de queima; por essa razão tende a ser mais brando e menos
extenso, possibilitando a recuperação rápida da vegetação, sem afetar profundamente
os habitats nem a oferta de alimento para a fauna.
O terceiro fato a se observar
em relação aos efeitos do fogo é a sua recorrência, pois pode haver efeitos
cumulativos relacionados à frequência ou ao intervalo de tempo entre as
queimadas. Queimadas frequentes tendem a selecionar as espécies mais
resistentes e eliminar as mais sensíveis. Intervalos curtos de queima podem
interferir nos processos de floração, frutificação e estabelecimento de
plântulas, alterando a estrutura da vegetação, eliminando, por exemplo, as
árvores e tornando a fisionomia mais campestre.
Quais as consequências do fogo?
Os primeiros efeitos do fogo
são os mais evidentes: a elevação da temperatura e a queima do combustível. Os
efeitos imediatos do aumento de temperatura podem ser fatais para a própria
vegetação e para animais que não conseguem fugir ou não apresentam proteções
especiais. Já a queima do combustível transforma a biomassa em fumaça e cinza.
Após um fogo severo, a perda
de parte ou totalidade da vegetação superficial muda de forma significativa o
balanço de energia da área. As cinzas escuras ajudam a absorver o calor do sol
e as temperaturas do solo podem se elevar de forma significativa, aumentando a
evaporação de qualquer água que ainda reste no solo. Em ambientes florestais,
após o fogo, a entrada de luz também altera o microclima, facilitando a
propagação de espécies invasoras e alterando a composição da flora. As
transformações na vegetação do pós-fogo afetam diretamente a fauna que
conseguiu sobreviver às chamas.
Esse entendimento da dinâmica
do fogo e das respostas dos diferentes sistemas naturais é fundamental para o
estabelecimento de linhas de ação de comando e controle bem estruturadas para
evitar incêndios criminosos, assim como de ações de prevenção. O bom manejo das
terras agrícolas, seja de pasto plantado, ou seja, de agricultura, evita o uso
do fogo, como indicam estudos sobre alternativas a queimadas. Além disso, as
áreas de vegetação natural no Cerrado e Pantanal podem ser manejadas para
evitar o acúmulo de combustível e incêndios devastadores.
Não é porque o fogo ocorre
todos os anos que ele deve ser visto num contexto de normalidade. Ao contrário,
o aumento na frequência de incêndios severos atingindo áreas cada vez maiores
deve soar um alarme, sobretudo porque esse cenário é resultado da ação humana.
Esses incêndios tendem a se tornar cada vez piores devido ao aumento da
temperatura e dos períodos de seca em boa parte do território brasileiro como
resultado das mudanças climáticas que
estão sendo aceleradas por estes mesmos incêndios. (globo)
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