quinta-feira, 11 de março de 2021

Queda da fecundidade e decrescimento da população chinesa

“Todos os nossos problemas ambientais se tornam mais fáceis de resolver com menos gente e mais difíceis e, em última instância, impossíveis de resolver com cada vez mais pessoas”. David Attenborough

A China é o país mais populoso do mundo, tinha 554 milhões de habitantes em 1950, passou para quase 900 milhões no início da década de 1970 e tem atualmente 1,44 bilhão de habitantes. É mais do que toda a população da África e, também para efeito comparativo, mais do que toda a população das Américas (do Norte, Central e do Sul). Ou ainda, cerca de duas vezes a população da Europa. Portanto, não é pouca gente.

A demografia da China tem gerado reações ciclotimias. No passado foi comum o medo com a “explosão populacional”. Agora o medo é com a “implosão populacional”. Desta forma, o receio do crescimento agora mudou para o pavor do decrescimento populacional. O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU, mostra o comportamento da Taxa de Fecundidade Total (TFT) para o período 1950 a 2020 e projeções até 2100. Nota-se que a TFT que estava acima de 6 filhos por mulher na época da Revolução Comunista de 1949, caiu na década de 1950, mas voltou a subir com a Revolução Cultural dos anos de 1960.

No início dos anos de 1970 foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família. A política foi um sucesso e a TFT caiu para 3 filhos por mulher. Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único” – a iniciativa controlista mais draconiana da história da humanidade – e a TFT ficou abaixo do nível de reposição (2,1 filhos) já na década de 1990.

Como a TFT está abaixo do nível de reposição por mais de 30 anos (e como a China é um país de emigração e não imigração) a população total do país vai começar a diminuir em breve. Se a TFT se recuperar um pouco o decrescimento da população será moderado, mas se a TFT continuar caindo o declínio da população, assim como o envelhecimento da estrutura etária, será acentuado.

Os gráficos abaixo mostram diversos indicadores demográficos para a China. Nota-se que a população de 0-14 anos já diminui desde 1975, a população de 15-24 anos já diminui desde 1990 e a população de 25-64 parou de crescer em 2015. Somente a população idosa (65 anos e mais) continua crescendo. A população em idade ativa (15-64 anos) começou a decrescer em 2014.

Com o decrescimento da PIA, depois de mais de 30 anos da política de filho único, a orientação governamental começou a mudar. As autoridades chinesas anunciaram o fim da política do filho único, permitindo que os casais tivessem dois filhos a partir de 1º de janeiro de 2016. Alguns analistas esperavam uma “explosão” de nascimentos. O que não ocorreu. Entre 2016 e 2019, o nascimento caiu de 13 por 1.000 pessoas para 10 por mil. Em 2019, a taxa de casamentos na China despencou pelo sexto ano consecutivo para 6,6 por 1.000 pessoas, uma queda de 33% em relação a 2013 e o menor nível em 14 anos, de acordo com dados do Ministério de Assuntos Civis.

Reportagem da CNN (Nectar Gan, 30/01/2021) mostra que o desenvolvimento chinês (ocorrido em função do aproveitamento do bônus demográfico gerado pela queda da fecundidade) possibilitou um empoderamento das mulheres, que agora não querem reproduzir o velho modelo de donas de casa. Na década de 1990, o governo chinês acelerou a implantação da educação obrigatória de nove anos, trazendo para a sala de aula meninas em áreas atingidas pela pobreza. Em 1999, o governo expandiu o ensino superior para aumentar as matrículas nas universidades. Em 2016, as mulheres passaram a ultrapassar os homens nos programas de ensino superior, representando 52,5% dos estudantes universitários e 50,6% dos estudantes de pós-graduação.

Com o aumento da educação, as mulheres ganharam independência econômica, então o casamento não é mais uma necessidade para as mulheres como era no passado. As mulheres agora querem buscar o autodesenvolvimento e uma carreira antes de se casar. Mas as normas de gênero e as tradições patriarcais não acompanharam essas mudanças. Na China, muitos homens e sogros ainda esperam que as mulheres cuidem da maioria dos filhos e das tarefas domésticas após o casamento, mesmo que tenham empregos em tempo integral.

As estatísticas mostram que ambos os sexos estão atrasando o casamento. De 1990 a 2016, a idade média dos primeiros casamentos aumentou de 22 para 25 para as mulheres chinesas e de 24 para 27 para os homens chineses, de acordo com a Academia Chinesa de Ciências Sociais. Hoje em dia, a capacidade econômica das mulheres melhorou, então é muito bom morar sozinha. Se você encontrar um homem para se casar e formar uma família, haverá muito mais estresse e sua qualidade de vida diminuirá proporcionalmente. Como a sociedade chinesa não aceita tranquilamente os filhos fora do casamento, a menor nupcialidade significa também menor fecundidade.

O resultado é o nascimento de menos crianças. Em 2016, imediatamente depois que se permitiu o segundo filho, nasceram 17,9 milhões de crianças, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas da China. Apenas 1,3 milhão a mais do que em 2015 e metade do que o Governo previa. Já em 2017, o número de nascimentos foi ainda menor, 17,2 milhões de novos bebês, muito abaixo dos 20 milhões estimados pelas autoridades. Em 2018, nasceram 15,2 milhões de bebês e, em 2019, houve o recorde de baixa com 14,7 milhões de nascimentos.

Mas com a pandemia da covid-19 a redução da natalidade foi maior ainda (embora não tenha sido publicado os números definitivos). A China concluiu o seu censo demográfico no final do ano passado, de acordo com o National Bureau of Statistics e os resultados preliminares devem ser publicados em abril. Matéria do jornal South China Morning Post (Sidney Leng, 02/02/2021) mostra que os dados populacionais divulgados por algumas províncias e cidades chinesas mostraram quedas dramáticas no número de recém-nascidos em 2020 em comparação com o ano anterior (que teve recorde de baixa). Ao longo de janeiro, algumas províncias e cidades chinesas divulgaram seus próprios dados de nascimento por meio de relatórios do governo e da mídia estatal – e em alguns casos as taxas de natalidade caíram mais de 30% em 2020 em relação ao ano anterior.

Na cidade de Guangzhou, capital da província de Guangdong, potência econômica do sul, o número de bebês recém-nascidos caiu para o nível mais baixo em quase uma década. Cerca de 195.500 bebês nasceram em Guangzhou, uma queda de 17% em relação a 2019 e 33% abaixo de 2017. Na região autônoma de Ningxia Hui, uma área sem litoral no noroeste da China onde vive a minoria étnica Hui, o número de recém-nascidos foi ligeiramente acima de 80.000 no ano passado, uma queda de 16 por cento em relação a 2019. A capital Yinchuan registrou cerca de 24.400 novos bebês, uma queda de 11,9% em relação a 2019. Assim, pode-se prever que o número de nascimentos em 2020 seja o mais baixo das últimas décadas.

Todos estes números mostram que a população chinesa vai parar de crescer nos próximos anos e começar a decrescer na segunda metade da atual década. O envelhecimento será também de grande proporção. Porém, a China se preparou para isto aproveitando o bônus demográfico, quando retirou quase 1 bilhão de chineses da extrema pobreza e construiu uma economia produtiva e competitiva capaz de dar o salto para o caminho que leva ao clube dos país ricos.

Para lidar com este novo desafio, a China investiu pesado em capital humano (avançando de maneira espetacular com a educação básica e com o ensino superior), avançou na infraestrutura e em uma estrutura produtiva complexa, investiu em ciência e tecnologia (digitalização e rede 5G, robotização, inteligência artificial, etc.). Assim, quando a população e a força de trabalho caírem, haverá uma mão-de-obra mais qualificada produzindo várias vezes do que se produz hoje. O país terá mais idosos, mas, com altas taxas de poupança e investimento, haverá recursos para financiar as suas necessidades e para garantir o avanço geral, a sustentabilidade ambiental e o progresso humano.

Queda da fecundidade e o decrescimento populacional não serão empecilhos para o aumento da qualidade de vida dos chineses. Ao contrário, o menor número de pessoas possibilitará o aumento dos salários e facilitará a solução dos problemas ambientais.

Chineses compram água e comida em supermercado de Zhanjiang antes da chegada do tufão Mangkhut, que havia passado pelas Filipinas.

Crescimento populacional da China desacelera apesar de fim da política do filho único.

Especialistas temem que envelhecimento da população chinesa pressione a economia local, que passa por desaceleração.

Qualquer país que fizer o dever de casa durante o período do bônus demográfico não precisa temer a nova configuração demográfica.

Para as próximas décadas a China pensa em abandonar a métrica do Produto Interno Bruto (PIB) e adotar a métrica do Produto Ecossistêmico Bruto (PEB) que resume o valor dos serviços ecossistêmicos em uma única métrica monetária, conforme mostra artigo de Zhiyun Ouyang et. al. (PNAS, 08/06/2020). Com a redução da população e a recuperação dos ecossistemas a China vai buscar um desenvolvimento mais verde inclusivo, para amenizar a enorme poluição do país, que tem a maior pegada ecológica do mundo.

A nova dinâmica demográfica não deve impedir a ascensão da China como mostrou Clyde Prestowitz no livro “The World Turned Upside Down – America, China, and the Struggle for Global Leadership” (fevereiro de 2021). Segundo o autor, quando a China ingressou na Organização Mundial do Comércio em 2001, a maioria dos especialistas esperava que as regras e procedimentos da OMC liberalizassem a China e a tornassem uma parte interessada responsável na ordem mundial liberal. Mas isto não ocorreu. A China hoje não está se liberalizando nem econômica nem politicamente, mas, está se tornando mais autoritária e mercantilista. O que aumenta os problemas e os perigos da “Armadilha de Tucídides”.

Estimativa da população da China e cenários para 2100.

"O decrescimento da população da China nas próximas décadas vai aliviar um pouco a pressão ambiental, mesmo porque os níveis de poluição tornam impossível manter o crescimento dos últimos anos".

Seria totalmente desastroso se a China adotasse políticas pronatalistas coercitivas para enfrentar uma possível ameaça do Ocidente. Buscar resolver a questão da redução absoluta da população em idade ativa e o envelhecimento populacional com aumento da produtividade do trabalho é a melhor perspectiva. Pois uma economia mais produtiva e mais sustentável ajuda a China e ao mundo. O globo precisa de menor pegada ecológica e maior biocapacidade. (ecodebate)

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