terça-feira, 7 de setembro de 2021

Crimes dos Poderosos e a Produção da Fome no Brasil

No VII Congresso Nacional de Educação Ambiental e no IX Encontro Nordestino de Biogeografia, que ocorrerá nos dias 15 a 18 de setembro deste ano, na modalidade virtual, tratarei sobre a temática da segurança e soberania alimentar, utilizando como referencial a criminalidade dos poderosos e a produção da fome no Brasil, com especial atenção para os danos provocados pelo agronegócio.

Os estudos sobre os crimes dos poderosos são interessantes do ponto de vista estratégico para pensarmos em maneiras de enfrentar as problemáticas que envolvem a atuação conjunta do Estado com as corporações, e compreendermos como os atores econômicos atuam, tanto na produção de ações nocivas, quanto nas formas sofisticadas de negação e justificação de danos.

Os crimes dos poderosos podem ser identificados e classificados pelas seguintes categorias denominadas e desenvolvidas por Barak (2017) como (i) crimes de globalização; (ii) crimes corporativos; (iii) crimes ambientais; (iv) crimes financeiros; (v) crimes estatais; (vi) crimes estatais-corporativos e (vii) crimes rotinizados pelo estado.

Isto quer dizer que os crimes dos pequenos e grandes poderosos dizem respeito as violações de direitos humanos praticadas por organizações privadas e públicas, que atuam contra a democratização dos espaços, envolvendo questões políticas relacionadas a maiores direitos e equidade de gênero, raça, etnia, religião, sexualidade (FRIEDRICHS, 2015). Tratam-se, portanto, de ações e omissões que revelam o poder e a legitimidade para o cometimento de crimes bárbaros, sem que as condutas dos perpetradores sejam enquadradas como tais, bem como suas identidades reveladas (BARAK, 2015).

Desde o início da pandemia, o Estado tem apostado em estratégias próprias da criminalidade dos poderosos como a negação da responsabilidade e a condenação dos condenadores (ZAFFARONI, 2007). O período pandêmico no Brasil, se tornou a forma mais sofisticada de justificação de danos provocados pelo Estado. Desde as queimadas na Amazônia no início de 2020, com a culpabilização direcionada aos povos indígenas, ONGs e a imprensa (GIMENES, 2020), até a culpabilização do aumento no preço dos alimentos sobre as pessoas que cumpriam a recomendação do isolamento social (BEHNKE, 2020); a alegação presidencial de que a fome no Brasil é um alarme populista, não passando de uma mentira (JIMÉNEZ, 2019); a condenação dos jornalistas e das jornalistas por provocarem um pânico moral sobre o vírus da COVID-19 (SOARES, 2021); e a responsabilidade sobre o caos na saúde pública sendo atribuída a nova variante do vírus, e não a forma de gestão do Estado brasileiro diante da pandemia (REUTERS, 2021).
Nutricídio: A relação entre a indústria da agropecuária e a produção da fome no Brasil.

Na categoria dos crimes estatais-corporativos, podemos verificar uma aliança entre as atividades de grandes corporações com o Estado, o qual possui papel preponderante na garantia dos interesses privados daquelas. O agronegócio ocupa este lugar, pois recebe investimentos e subsídios do Estado, fazendo uso de dinheiro público para impulsionar seus negócios, assim como de grandes bancos e setores privados, com foco na expansão tecnológica e na exportação de commodities (CASTILHO; FUHRMANN, 2020; FUHRMANN, 2020). Além dos investimentos e incentivos econômicos, o agronegócio também tem suas dívidas perdoadas e ações nocivas legitimadas pelo Estado. No governo Temer, houve o perdão de R$ 47,4 bilhões em dívidas de 131 mil contribuintes, além do parcelamento de R$ 59,5 bilhões em até 175 prestações (FERNANDES, 2019). Até março de 2019, ano em que a reforma da previdência foi aprovada, a dívida ativa brasileira estava em R$ 491,2 bilhões. Os maiores devedores da dívida previdenciária são grandes bancos e empresas privadas como JBS, Vale\SA, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, empresas bilionárias do agronegócio, grandes madeireiras e frigoríficos (CONTENTE, 2021).

No mesmo sentido, as atividades do agronegócio, apesar de serem responsáveis pelo cometimento de uma série de danos socioambientais, passam imunes pelo sistema de justiça, contando com o aval do Estado. A agropecuária está diretamente relacionada ao aumento das queimadas na Amazônia; é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia; assevera as desigualdades sociais, em razão do modelo de monocultura adotado, pautado na concentração de renda nas mãos de poucos, além do baixo nível de empregabilidade, e dos benefícios jurídicos como a isenção fiscal; integra a maior parte da lista suja de trabalho análogo a escravidão; está envolvida no cometimento de assassinatos de lideranças indígenas e ativistas ambientais; além de produzir inúmeros danos à saúde, em decorrência do uso de agrotóxicos e transgênicos na monocultura (FRANÇA et al, 2020).

Em contrapartida aos investimentos estatais e corporativos, bem como a não responsabilização das ações nocivas do agronegócio, houve um completo desmonte dos programas sociais pelo governo nos últimos anos. No primeiro ato presidencial de 2019, Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) através de uma Medida Provisória (CAMPELLO; BRANDÃO, 2021), o que prejudicou e impactou severamente na organização política do combate à fome no país e, até o momento, não foi rearticulada. Bolsonaro também extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pela centralização de pautas de combate à fome, transformando-o em uma secretaria inserida no Ministério da Cidadania, cujo foco é cultura e esporte (GOVERNO DO BRASIL, 2019). O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também foi afetado, que garantia o direito a refeição de 43 milhões de crianças, diariamente.

O Congresso Nacional postulou a transferência dos recursos que auxiliavam na compra da merenda escolar para o domicílio das crianças, no entanto, tal pedido foi vetado pelo presidente (G1, 2020). Bolsonaro também vetou o aumento dos recursos para compras públicas do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na Lei Assis de Carvalho (735/20), aprovada pelo Congresso Nacional para apoiar os trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar na pandemia, e que também foi um programa responsável por tirar o Brasil do Mapa da Fome (MELITO, 2020).

Nesse sentido, há uma preferência do Estado em perdoar dívidas de grandes bancos, empresas frigoríficas, e empresários bilionários, ao mesmo tempo em que extingue e reduz investimentos na área da agricultura familiar e nos programas sociais que objetivam combater a fome no país, afetando, especialmente, populações negras, mulheres, campesinos e campesinas.

Fome coletiva, pandemia e genocídio.

Dos dias 15 à 18/09/21 conversaremos a respeito dos dados aqui elencados, com especial atenção para o aumento substancial do número de pessoas enfrentando alguma forma de insegurança alimentar no Brasil, e a sua relação com o modelo produtivo exportador do agronegócio, enfatizando o papel ativo do Estado na produção das violências alimentares. (ecodebate)

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