Os estudos sobre os crimes
dos poderosos são interessantes do ponto de vista estratégico para pensarmos em
maneiras de enfrentar as problemáticas que envolvem a atuação conjunta do
Estado com as corporações, e compreendermos como os atores econômicos atuam,
tanto na produção de ações nocivas, quanto nas formas sofisticadas de negação e
justificação de danos.
Os crimes dos poderosos podem
ser identificados e classificados pelas seguintes categorias denominadas e
desenvolvidas por Barak (2017) como (i) crimes de globalização; (ii) crimes
corporativos; (iii) crimes ambientais; (iv) crimes financeiros; (v) crimes
estatais; (vi) crimes estatais-corporativos e (vii) crimes rotinizados pelo
estado.
Isto quer dizer que os crimes
dos pequenos e grandes poderosos dizem respeito as violações de direitos
humanos praticadas por organizações privadas e públicas, que atuam contra a
democratização dos espaços, envolvendo questões políticas relacionadas a
maiores direitos e equidade de gênero, raça, etnia, religião, sexualidade
(FRIEDRICHS, 2015). Tratam-se, portanto, de ações e omissões que revelam o
poder e a legitimidade para o cometimento de crimes bárbaros, sem que as
condutas dos perpetradores sejam enquadradas como tais, bem como suas
identidades reveladas (BARAK, 2015).
Na categoria dos crimes
estatais-corporativos, podemos verificar uma aliança entre as atividades de
grandes corporações com o Estado, o qual possui papel preponderante na garantia
dos interesses privados daquelas. O agronegócio ocupa este lugar, pois recebe
investimentos e subsídios do Estado, fazendo uso de dinheiro público para impulsionar
seus negócios, assim como de grandes bancos e setores privados, com foco na
expansão tecnológica e na exportação de commodities (CASTILHO; FUHRMANN, 2020;
FUHRMANN, 2020). Além dos investimentos e incentivos econômicos, o agronegócio
também tem suas dívidas perdoadas e ações nocivas legitimadas pelo Estado. No
governo Temer, houve o perdão de R$ 47,4 bilhões em dívidas de 131 mil
contribuintes, além do parcelamento de R$ 59,5 bilhões em até 175 prestações
(FERNANDES, 2019). Até março de 2019, ano em que a reforma da previdência foi
aprovada, a dívida ativa brasileira estava em R$ 491,2 bilhões. Os maiores
devedores da dívida previdenciária são grandes bancos e empresas privadas como
JBS, Vale\SA, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, empresas bilionárias do
agronegócio, grandes madeireiras e frigoríficos (CONTENTE, 2021).
No mesmo sentido, as
atividades do agronegócio, apesar de serem responsáveis pelo cometimento de uma
série de danos socioambientais, passam imunes pelo sistema de justiça, contando
com o aval do Estado. A agropecuária está diretamente relacionada ao aumento
das queimadas na Amazônia; é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia;
assevera as desigualdades sociais, em razão do modelo de monocultura adotado,
pautado na concentração de renda nas mãos de poucos, além do baixo nível de
empregabilidade, e dos benefícios jurídicos como a isenção fiscal; integra a
maior parte da lista suja de trabalho análogo a escravidão; está envolvida no
cometimento de assassinatos de lideranças indígenas e ativistas ambientais;
além de produzir inúmeros danos à saúde, em decorrência do uso de agrotóxicos e
transgênicos na monocultura (FRANÇA et al, 2020).
Em contrapartida aos
investimentos estatais e corporativos, bem como a não responsabilização das
ações nocivas do agronegócio, houve um completo desmonte dos programas sociais
pelo governo nos últimos anos. No primeiro ato presidencial de 2019, Bolsonaro
extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)
através de uma Medida Provisória (CAMPELLO; BRANDÃO, 2021), o que prejudicou e
impactou severamente na organização política do combate à fome no país e, até o
momento, não foi rearticulada. Bolsonaro também extinguiu o Ministério do
Desenvolvimento Social, responsável pela centralização de pautas de combate à
fome, transformando-o em uma secretaria inserida no Ministério da Cidadania,
cujo foco é cultura e esporte (GOVERNO DO BRASIL, 2019). O Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) também foi afetado, que garantia o direito a
refeição de 43 milhões de crianças, diariamente.
O Congresso Nacional postulou
a transferência dos recursos que auxiliavam na compra da merenda escolar para o
domicílio das crianças, no entanto, tal pedido foi vetado pelo presidente (G1,
2020). Bolsonaro também vetou o aumento dos recursos para compras públicas do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na Lei Assis de Carvalho (735/20),
aprovada pelo Congresso Nacional para apoiar os trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar
na pandemia, e que também foi um programa responsável por tirar o Brasil do
Mapa da Fome (MELITO, 2020).
Nesse sentido, há uma preferência do Estado em perdoar dívidas de grandes bancos, empresas frigoríficas, e empresários bilionários, ao mesmo tempo em que extingue e reduz investimentos na área da agricultura familiar e nos programas sociais que objetivam combater a fome no país, afetando, especialmente, populações negras, mulheres, campesinos e campesinas.
Fome coletiva, pandemia e genocídio.
Dos dias 15 à 18/09/21 conversaremos a respeito dos dados aqui elencados, com especial atenção para o aumento substancial do número de pessoas enfrentando alguma forma de insegurança alimentar no Brasil, e a sua relação com o modelo produtivo exportador do agronegócio, enfatizando o papel ativo do Estado na produção das violências alimentares. (ecodebate)
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