O absurdo das enormes perdas de água nas
canalizações de distribuição, o enorme desperdício por parte os usuários
finais, a criminosa poluição das águas urbanas, o desmatamento e a ocupação
urbana generalizada de mananciais, a generalizada impermeabilização promovida
pelas cidades, a perda quase total do volume hídrico de chuvas ocasionais,
compõem alguns desses paradoxos e aberrações.
No caso específico do melhor aproveitamento das
águas de chuva o país pode, a partir dessas constatações, dar um enorme salto
de qualidade em um período de tempo razoavelmente curto, com resultado
fantástico para o balanço hídrico de suas cidades. Até porque, e especialmente
em épocas de crise hídrica, choca-nos testemunhar o enorme desperdício de boa
água quando de chuvas torrenciais urbanas.
Constitui um incrível paradoxo o fato de uma cidade
em crise hídrica permitir que tal caudal de água boa se esvaia pelo sistema de
drenagem sem um mínimo aproveitamento!
Precisamos distinguir nesse caso dois tipos de aproveitamento de águas de chuva: o direto e o indireto.
Sobre o armazenamento direto, não há dúvida que os reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva para usos mais brutos, como lavagem de pisos internos, praças, arruamentos, autos, regas de vegetação, descargas sanitárias, operações em caldeiras e processos industriais, etc. em muito aliviariam o sistema público de oferta de água tratada potável. Pode-se inclusive pensar em grandes reservatórios urbanos subterrâneos implantados em áreas urbanas circunscritas, nas quais, pelo tipo e consolidação da urbanização presente, o grau de contaminação das águas de escoamento superficial fosse mais baixo e tolerável.
O piscinão do Pacaembu, na cidade de São Paulo,
seria um bom exemplo. Essas águas passariam por algum mínimo tratamento local e
poderiam após ser utilizadas para vários fins que não exigissem sua
potabilidade.
Mas há também a excepcional e esquecida
possibilidade de armazenamento indireto, ou seja, armazenamento da água de
chuva devidamente infiltrada no solo e acumulada nas camadas que compõem o
substrato geológico das cidades; em outras palavras a água subterrânea. É
conhecida a propriedade das cidades em impermeabilizar os terrenos e impedir a
retenção e a infiltração das águas de chuva, lançando-as rápida e diretamente
nos sistemas de drenagem superficial, fator causal das enchentes urbanas. Em
sequência, através de córregos e rios essas águas são conduzidas sem nenhum
aproveitamento para fora do município.
Se, através de uma série de dispositivos, como os próprios reservatórios domésticos e empresariais aliados à capacidade de infiltração, a disseminação de bosques florestados no espaço urbano, a obrigatoriedade de adoção de pisos, pavimentos e outros tantos dispositivos drenantes e infiltrantes, a cidade aumentar sua capacidade de infiltrar e reter águas de chuva estaremos não só reduzindo o risco de enchentes, como “abastecendo” o grande reservatório geológico subterrâneo com milhões de metros cúbicos de boa água; a ser retirada e aproveitada através da instalação de uma rede de poços profundos.
Nisso tudo está, obviamente, envolvida uma profunda questão de mudança cultural, capaz de se traduzir em inovadoras e revolucionárias políticas públicas de proteção, conservação e uso de recursos hídricos. Não há o que esperar, mãos à obra. (ecodebate)
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