"Brasil precisa tratar a água como uma
prioridade de segurança nacional", dizem cientistas.
O Brasil tem a maior quantidade de água doce do
mundo. ⅔
do Rio Amazonas, no Norte brasileiro, por exemplo, já seriam capazes de suprir
a demanda mundial de água. Apesar disso, o país enfrenta a terceira crise
hídrica em 20 anos e a maior já registrada em 91 anos, por causa,
principalmente, da má gestão do recurso natural.
Um alerta para o problema foi publicado em um artigo
de opinião na revista Nature, assinado por 3 pesquisadores e endossado por
outros 95 cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais, entre
eles Carlos Nobre e Paulo Artaxo.
Intitulado O Brasil está em crise hídrica - é necessário
um plano de seca, o texto alerta que, se o país não investir em pesquisa,
monitoramento do solo e em novas fontes de energia renováveis, futuras crises
hídricas encarecerão ainda mais o valor da energia e poderão comprometer a
segurança alimentar do país e do mundo.
"Crise hídrica no Brasil é uma crise
mundial", diz trecho do documento, lembrando que o país produz quase 15%
da carne bovina do mundo, cultiva mais de um terço das safras de açúcar e é
responsável por ⅓
das exportações de café, além de outros produtos globalmente importantes, como
soja. "Brasil precisa tratar a água como uma prioridade de segurança
nacional", afirmam os cientistas.
"Vivemos uma grave crise hídrica causada, por
um lado, pela seca e pelas mudanças climáticas, mas, por outro, pela falta de
gestão da água no país", afirma Augusto Getirana, pesquisador do
Laboratório de Ciências Hidrológicas do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA,
um dos autores do artigo de opinião.
Segundo os cientistas, o país não faz monitoramento
da umidade do solo, não tem um plano de gestão da água e não tem dados para
prever a ocorrência de futuras secas e crises hídricas.
"O Brasil precisa mudar a forma como trata a água. Ela é um bem abundante aqui, mas usada de forma pouco produtiva", diz a pesquisadora Renata Libonati dos Santos, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, que também assina o artigo.
A pior crise hídrica em 91 anos ameaça a produção de energia e de alimentos e reflete os impactos ambientais do agronegócio.
O texto publicado na Nature sugere quatro pontos:
1. Otimizar
o uso da água para que atividades essenciais não fiquem à mercê de chuvas
2.
Diversificar fontes de energia
3. Criar um
plano de secas
4. Acabar
com desmatamento na Amazônia
A seguir, detalhes sobre cada um dos pontos.
Otimizar o uso da água
O artigo aponta que, apesar da produção agrícola ser
responsável por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, nem metade
da agricultura é irrigada.
"Apenas 13% da nossa agricultura é irrigada.
Isso quer dizer que todo o resto da produção nacional depende das chuvas. Esse
é só um dos exemplos que demonstra como o país precisa otimizar o uso da
água", explica Getirana.
O documento destaca que o Brasil encontra-se sobre
grandes aquíferos - recursos valiosos, e subutilizados. "O setor agrícola
deve construir resiliência climática usando essas águas subterrâneas,
especialmente durante secas hidrológicas extremas", diz o texto.
Porém, a exploração das águas subterrâneas pela
agricultura precisa ser feita de forma sustentável, para evitar o esgotamento
do recurso natural. Para isso, o governo precisa investir em monitoramento do
solo e pesquisas.
Por isso, além de otimizar o seu uso, os cientistas
também afirmam que é preciso gerir melhor os recursos que o país tem.
Um estudo sobre a perda de água potável durante a
distribuição à população, publicado neste ano pelo Instituto Trata Brasil,
revelou que são desperdiçadas diariamente 7,5 mil piscinas olímpicas de água
tratada, ou sete vezes o volume do Sistema Cantareira – maior conjunto de
reservatórios para abastecimento do estado de São Paulo. Essa quantidade de
água potável desperdiçada seria suficiente para abastecer mais de 63 milhões de
brasileiros em um ano.
"O Brasil tem água, mas ela precisa ser bem gerida por meio de políticas públicas", diz Getirana.
Reservatório da Usina Hidrelétrica Paraibuna é um dos reguladores das vazões do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo fornecimento de água para cidades do Vale do Paraíba e do Estado do Rio de Janeiro.
Diversificar a fonte de geração de energia
Este ano, muitas cidades enfrentam um racionamento
de água iminente e reservatórios importantes atingiram menos de 20% da
capacidade, lembra o artigo.
Diante da seca e sem investir em outras fontes
renováveis de energia, o Brasil teve que voltar a queimar combustíveis fósseis
- um dos principais vilões do efeito estufa.
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico/ONS
mostram que o país produziu 13,2% da eletricidade do país em julho/2021 a
partir de termelétricas, o maior volume de sua história. Além de poluente, este
tipo de energia também é mais cara e elevou em 130% a conta de luz do
brasileiro.
"Em um cenário de mudanças climáticas e aumento
das secas, não podemos basear a economia de um país inteiro em apenas uma
matriz energética, no caso, a água", afirma Getirana.
No artigo publicado na Nature, os cientistas sugerem
como alternativa às hidrelétricas que o país amplie a capacidade de energia
eólica e solar.
Plano de secas e investimento em monitoramento
Nos últimos 20 anos, o Brasil passou por 3 grandes
secas: apagão de 2001, crise hídrica de 2014 e atual crise de 2021. O artigo
afirma que, apesar do passado recente, pouco mudou na gestão da seca no país, mostrando
que o problema vai além de um governo ou outro.
"A falta de gestão da água é um problema de
Estado", diz Getirana.
"Durante décadas, houve uma falha governamental
em reconhecer a seca como uma questão de segurança nacional e
internacional", diz trecho do documento.
Porém, para que um plano nacional de secas seja
elaborado, o Brasil precisa monitorar a umidade dos solos, ser capaz de
rastrear a variabilidade e a disponibilidade da água subterrânea em todo o país
e investir em pesquisa científica.
"O Brasil monitora água subterrânea em 409
locais em todo o país; para colocar isso em perspectiva, as redes
norte-americana e indiana têm mais de 16 mil e 22 mil pontos de monitoramento,
respectivamente. Não há sistemas nacionais para rastrear a umidade do solo no
Brasil, e o monitoramento do uso da água é irregular", diz outro trecho do
artigo.
Após a crise hídrica de 2014, a Agência Nacional de
Águas (ANA) criou o Monitor das Secas, mas a plataforma online não faz previsão
das secas, apenas mostra a situação atual, e com defasagem de um mês.
Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=SZDP5bWNQ6Y
Enchentes, secas, neve e calor: "já não falamos em mudança, mas em colapso climático".
Acabar com o desmatamento
Libonati dos Santos explica que a Amazônia está
ligada a todo o fluxo de água no Brasil. "O desmatamento da floresta tem
alterado esse fluxo, deixando as regiões Sudeste e Centro-Oeste mais
secas", diz a pesquisadora da UFRJ.
Isso acontece por causa de um fenômeno chamado de
rios voadores, em que a umidade proveniente da transpiração das árvores da
Amazônia é carregada pelas nuvens para outras regiões do país e até para
algumas cidades da América do Sul – como uma bomba de água que abastece o
Centro-oeste e o Sudeste do Brasil, região mais afetada pela atual crise
hídrica.
Uma pesquisa da FAPESP mostrou que uma única árvore
grande na Amazônia, com copa de 20 metros de diâmetro, pode bombear do solo mil
litros de água por dia. Por isso, o desmatamento da floresta está relacionado
com as secas em todo o país.
Um dos efeitos do acumulado de desmatamento nos
últimos anos pode ser a atual seca que afeta parte do Brasil. Mapas do Monitor
das Secas mostram como a atual seca migrou do Nordeste, em 2014, para o
Centro-Oeste e Sudeste este ano.
Desde 2019, a Amazônia vem registrando recordes de
desmatamento mês após mês. Dados do Imazon mostraram que entre agosto de 2020 e
julho de 2021, o desmatamento na Amazônia foi o maior em dez anos: foram
devastados 10.476 km² no período, taxa 57% maior que no período anterior, que
já havia sido recorde.
Secas mais frequentes
Getirana ressalta que as crises hídricas estão ocorrendo em um menor intervalo de tempo: enquanto que 13 anos separaram o apagão de 2001 e a crise hídrica de 2014 e 2015, na crise atual bastaram apenas seis anos.
"Além de já estar muito mais frequente, o relatório da ONU sobre as mudanças climáticas alertou este ano que as secas ocorrerão com mais frequência na América do Sul devido às mudanças climáticas. Precisamos nos preparar hoje com políticas públicas", diz o cientista. (brasildefato)
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