terça-feira, 1 de março de 2022

O papel do metano no aquecimento global e a COP26

Reduzir a quantidade de metano na atmosfera é estratégico do ponto de vista da velocidade de aquecimento do planeta. Compromisso firmado em Glasgow é um bom início.

Os impactos cada vez mais claros da mudança global do clima vêm chamando a atenção para a necessidade de redução profunda das emissões de dióxido de carbono/CO2. Apesar de dominar o efeito de aquecimento do planeta, o CO2 não é o único gás de efeito estufa emitido por atividades humanas. Metano/CH4, óxido nitroso/N2O e outros gases menos relevantes também contribuem para o aumento da temperatura média global.

O metano, em particular, é a segunda fonte mais importante de aquecimento, atrás apenas do CO2. Emitido em grandes quantidades por diversos setores da economia, o CH4 se destaca pelo elevado potencial de retenção de calor se comparado ao CO2, sobretudo ao longo dos primeiros anos após sua liberação na atmosfera.

Se, por um lado, a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) frustrou expectativas por políticas climáticas mais ambiciosas, alguns compromissos importantes foram firmados durante a conferência. Um deles é o Compromisso Global do Metano (Global Methane Pledge).

1. O quanto o metano aquece o planeta?

A quantidade de CH4 na atmosfera é bastante inferior à de CO2. Enquanto a concentração do CO2 é reportada em partes por milhão (ppm), a concentração de CH4 é tipicamente medida em partes por bilhão (ppb), unidade mil vezes inferior. No entanto, essa quantidade vem crescendo rapidamente desde a revolução industrial. Conforme mostra a figura 1.1, entre os anos 1000 e 1800 a concentração de CH4 manteve-se estável no patamar de 680 ppb. A partir do século 19, esse valor aumentou abruptamente, atingindo 800 ppb em 1900, 1.100 ppb em 1950 e quase 1.900 ppb em 2020.

Ainda assim, em comparação com o CO2 (415 ppm ou 415.000 ppb), esse número parece bastante baixo. Ocorre que a capacidade de retenção de calor do CH4 é muito superior à do CO2 e, assim, quantidades relativamente pequenas de CH4 possuem potencial de aquecimento do planeta similar a quantidades muito maiores de CO2.

Para se ter uma ideia, apesar de sua curta vida na atmosfera (cerca de 12-14 anos), sob o ponto de vista de um horizonte temporal de 100 anos o CH4 é 27 vezes mais potente que o CO2 como gás de efeito estufa. Já sob um horizonte temporal de 20 anos, o CH4 retém 80 vezes mais calor que o CO2.

Em resumo, enquanto o CO2 (que tem vida média atmosférica da ordem de séculos) está fortemente associado à evolução de longo prazo da temperatura, o CH4 aquece intensamente o planeta logo após ser emitido, tendo papel essencial na dinâmica do aumento de temperatura. Conforme mostra a figura 2.2, calcula-se que o forçamento radiativo associado ao CH4 tenha atualmente um efeito de +0,51ºC sobre a temperatura média do planeta (em comparação com +0,79ºC do CO2).

A dinâmica de alta retenção de calor logo após a emissão é a chave para compreender a importância estratégica da redução das emissões de CH4 no curto prazo. Com a temperatura média do planeta já mais de 1ºC acima do período de referência e pontos de não retorno cada vez mais próximos, a desaceleração imediata do aquecimento permite ganhar tempo. Nesse sentido, reduzir a quantidade de CH4 na atmosfera é imprescindível. Dada a sua curta vida média, isso significa reduzir rápida e drasticamente suas emissões.

2. Qual é a origem das emissões de CH4?

Há emissões de CH4 de origem natural e antrópica. As emissões naturais (cerca de 200 milhões de toneladas por ano) advêm sobretudo de áreas pantanosas, onde condições anaeróbias favorecem a formação de CH4 a partir da decomposição de matéria orgânica.

Já as emissões antrópicas representam cerca de 360 milhões de toneladas anuais e têm origens diversas (vide figura 3). O setor de energia é uma delas. A produção e consumo de combustíveis fósseis envolve liberação de CH4 em diversos níveis. Em poços de petróleo, por exemplo, é comum que se descartem grandes quantidades de gases considerados indesejáveis (tipicamente ricos em CH4), extraídos de forma associada ao óleo cru (tal processo é conhecido como venting).

No caso do gás natural (constituído basicamente por CH4), vazamentos podem ocorrer durante toda a cadeia (produção, transporte, distribuição e consumo), a exemplo de gases de escape não queimados em motores de carros e navios. Quando consideradas de forma acumulada, essas perdas têm impacto climático expressivo.

Ainda mais relevante que o setor de energia é a agropecuária, responsável pela emissão de quase 150 milhões de toneladas anuais de CH4. Nesse caso, a maior parte das emissões vem da criação de gado (fermentação entérica em animais ruminantes, esterco), mas também do cultivo de arroz (a lavoura arrozeira de alagadiço geralmente possui uma lâmina d’água que diminui a disponibilidade de oxigênio no solo adjacente, favorecendo a produção de CH4 por bactérias).

Outra fonte de emissões de CH4 é o setor de resíduos. Em lixões e aterros, a grande quantidade de resíduos sólidos favorece a degradação anaeróbia de matéria orgânica, formando CH4. Por meio de processos similares, o CH4 também é emitido durante o manuseio e tratamento de esgoto.

As queimadas, além de gerarem emissões de CO2, também produzem quantidades significativas de CH4.

3. O Brasil está entre os grandes emissores?

Conforme mostra a figura 4 3 os maiores emissores de CH4 são China, Rússia e Índia. Os Estados Unidos aparecem em quarto lugar, seguidos pelo Brasil. Juntos, esses cinco países representam quase metade das emissões globais do gás.

No caso da China, que responde por 16% do total, as emissões estão fortemente associadas à mineração de carvão (que ainda representa a base da enorme geração elétrica do país) e à agropecuária (não por acaso, o país lidera a produção global de arroz).

No caso da vice-líder Rússia (11% do total), a principal origem das emissões é o setor de hidrocarbonetos (o país é o segundo produtor mundial de gás natural e o terceiro de petróleo). A maior parte dessas emissões advém de venting e vazamentos (inclusive, a Rússia tem sido acusada de subestimar e negligenciar suas emissões de CH4).

Já a Índia (9%) apresenta um perfil de emissões completamente diferente. Com o maior rebanho bovino do mundo, a agropecuária indiana tem peso muito superior ao dos setores de energia e resíduos.

Os Estados Unidos (8%) apresentam maior diversidade em termos de fontes de emissões: o peso do setor de óleo e gás é aproximadamente equivalente ao da pecuária. A participação do setor de resíduos é também considerável.

O Brasil responde por 5% das emissões globais de CH4, destacando-se por um valor per capita bastante superior ao de China e Índia (em termos de indicador per capita, apenas a Rússia supera o Brasil). Isso se deve ao tamanho do setor pecuário brasileiro (o país é o maior exportador de carne do mundo), que possui basicamente uma cabeça de gado por habitante.

4. O que é o Compromisso Global do Metano?

O Compromisso Global do Metano é uma iniciativa conjunta dos Estados Unidos e da Europa, proposta em setembro/2021 durante o MEF (Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, na sigla em inglês), que visa a uma redução de pelo menos 30% no montante global de emissões de CH4 em 2030 (em comparação com 2020).

Durante a COP26 em Glasgow (novembro/2021), esse compromisso de redução de emissões foi assinado por mais de 100 países, incluindo o Brasil, tendo sido considerado um dos resultados mais positivos da conferência.

Ocorre que, considerando-se os signatários atuais, o compromisso cobre apenas metade das emissões globais de CH4. China, Rússia e Índia, por exemplo, ainda não se comprometeram com a redução proposta.

5. O Compromisso Global do Metano é ambicioso?

Sem dúvida, o Compromisso Global do Metano é uma iniciativa importante para ajudar a desacelerar o aumento de temperatura do planeta, estabilizá-la, e eventualmente até reduzi-la. Estima-se que, caso cumprido globalmente, esse esforço possa significar 0,2ºC a menos na temperatura média global em 2050.

No entanto, considerando a grande relevância do tema, é preciso questionar o valor de 30% estabelecido como meta. Estudos recentes apontam que, apenas utilizando tecnologias já existentes, seria possível promover uma redução de até 57% nas emissões anuais de CH4. Inclusive, um quarto dessas emissões poderia ser eliminado com custo líquido nulo, uma vez que, no caso do setor de óleo e gás, reduzir as perdas de CH4 significa aumentar a receita. Mesmo na mineração de carvão e no setor de resíduos há alternativas economicamente interessantes para mitigação das emissões de CH4, como o aproveitamento do gás para geração de eletricidade.

Opções de mitigação também existem no setor de agricultura: as emissões de CH4 associadas ao cultivo de arroz podem cair consideravelmente caso os produtores adotem as melhores práticas de irrigação e de manejo do solo.

No caso da pecuária, a principal fonte global de CH4, o desafio é maior. Dietas menos intensivas em carne vermelha são uma alternativa, na medida em que permitiriam a existência de menores rebanhos bovinos. Contudo, promover mudanças de dieta em larga escala não é uma tarefa simples, especialmente considerando-se a clara correlação entre renda per capita e consumo de carne (é desejável e esperado que haja um aumento da renda per capita global ao longo das próximas décadas). Sob uma perspectiva mais conservadora, os caminhos para a redução das emissões de CH4 da pecuária seriam o aumento da produtividade (associado, por exemplo, a ciclos de abate mais curtos – o que envolve a já conhecida questão da crueldade animal) e a utilização de suplementos alimentares que diminuam a produção de CH4 durante a digestão dos animais.

Em resumo, o Compromisso Global do Metano é ambicioso, é bem-vindo, mas também poderia ter sido ainda mais ousado. (nexojornal)

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