De Paris a Cairo: o que cidades turísticas fazem contra a poluição do ar.
Poluição na vista para a Torre Eiffel, em Paris (França).
Os
desequilíbrios causados pelo aquecimento global já têm mostrado seus efeitos na
indústria do turismo. Um estudo de 2014 analisou diversos cruzeiros e excursões
ao Ártico e constatou que a redução de visibilidade provocada pelas mudanças
climáticas reduz também a vontade de voltar a esses destinos.
Outro
estudo, divulgado ano passado pela publicação acadêmica "Journal of Travel
Research", mostrou que 93% das pessoas que foram à China e se incomodaram
com a poluição do ar não têm vontade de voltar ao país.
Ainda
assim, segundo a mesma pesquisa, é difícil quantificar perdas financeiras
ligadas a essas experiências negativas. A poluição atmosférica é vista como um
dos grandes pontos negativos por turistas em países como Índia, Indonésia e
Tailândia. Só que, de acordo com o Banco Mundial, até 2019, antes do estouro da
pandemia, o número de desembarques nesses lugares só cresceu.
Evidentemente,
a experiência de viajantes é apenas um dano colateral de algo que, em primeira
medida, é assunto de saúde pública e de qualidade de vida das populações
locais. Mas é algo que já tem impactado, de alguma forma, os destinos mais
famosos do mundo.
Veja
o que a poluição já causou em seis metrópoles espalhadas pelo planeta — e o que
seus governos têm feito para reverter a situação.
Agra, na Índia
Vista poluída para o Taj Mahal, em Agra (Índia).
A
cidade que abriga o templo mais famoso da Índia e um dos cartões-postais mais
reconhecidos do planeta tem, assim como toda grande cidade indiana, um ar
imundo. Segundo a empresa suíça IQ Air, que mede e ranqueia a qualidade do ar,
35 das 50 cidades mais poluídas do mundo em 2021 ficam na Índia (Agra é a 36ª).
Todo
inverno, um nevoeiro cinzento e pegajoso cobre o Taj Mahal. No norte da Índia,
a combinação de escapamentos de veículos, chaminés de fábricas e queimadas no
campo deixam o céu com uma camada espessa de poluição.
No ano passado, em alguns dias o índice de PM 2.5 (partículas microscópicas, inaláveis e dispersas no ar), chegou a 160 por metro cúbico, uma taxa dez vezes mais alta do que o máximo recomendado pela OMS. O cenário era pavoroso: não dava para ver o Taj Mahal com nitidez mesmo a poucos metros de distância, segundo a agência de notícias AFP.
Portão do Taj Mahal, Agra, Índia.
A
cidade de 4,4 milhões de habitantes lançou em 2019 um plano de ação que engloba
tópicos como transporte e tratamento de lixo. A situação é tão periclitante que
a Suprema Corte da Índia determinou que o governo local tomasse providências.
A
poluição atmosférica descolore a superfície de mármore e outros materiais do
Taj Mahal, o que é uma tragédia arquitetônica. O mausoléu, há séculos, encanta
pela forma como reflete a luz solar ao longo do dia e das estações. Mas a
sujeira do ar está corroendo até isso.
O
governo do estado de Uttar Pradesh se comprometeu a adquirir 650 ônibus
elétricos, e empresas privadas apresentaram projetos para tratar o desperdício
de plástico e limpar o rio Yamuna. O projeto faz parte de um grande plano de
reduzir a poluição atmosférica de 102 cidades indianas até 2025.
Cairo, no Egito
Vista poluída para as pirâmides, no Cairo (Egito).
A
capital do Egito já foi apontada como uma cidade inviável. Tanto que o governo
do Egito está erguendo uma nova capital administrativa. O aumento das
temperaturas, das chuvas pesadas e das inundações é uma ameaça não só ao dia a
dia de seus quase 10 milhões de habitantes, mas também à herança arqueológica
do Antigo Egito.
As
pedras de sarcófagos já mudaram de cor e racharam, por causa da umidade e do
calor excessivos. Granitos rosas perderam a tonalidade — alguns a ponto de
ficarem cinzas — em questão de 15 anos.
Zawi
Hawass, ex-ministro das Antiguidades, declarou que virtualmente todos os sítios
arqueológicos ao ar livre estão ameaçados pelos ventos mais fortes, pelas
enchentes e pela umidade e calor crescentes.
A poluição atmosférica da maior região metropolitana da África é preocupante. O monóxido de carbono emitido por veículos no Grande Cairo, onde vivem 21 milhões de pessoas, provoca a erosão do calcário e do arenito presentes nos blocos de pirâmide e outras antigas estruturas.
Vista das mesquitas de Sultan Hassan e Al-Rifai, no Cairo (Egito).
Nos
últimos anos, para tentar conter a situação, o governo investiu na ampliação da
terceira linha do metrô da capital, o que teve impacto direto na redução de
circulação de carros: 13%, segundo o Banco Mundial, que apoiou um programa que,
entre outras medidas, reduziu os subsídios para combustíveis.
O
programa também está aumentando a frota de ônibus elétricos na cidade, mas o
foco principal é afastar cada vez mais as pessoas dos carros — que precisarão
ser trocados por meios de transporte não-motorizados, uma vez que carro
elétrico não é uma realidade viável hoje no país.
Los Angeles, nos Estados Unidos.
A famosa "smog", de Los Angeles (EUA).
Smog,
mistura de neblina com fumaça, é uma velha conhecida na segunda maior cidade
dos Estados Unidos.
Em
julho de 1943, uma cortina cinzenta cobriu Los Angeles. Após o episódio, a
cidade ganhou a primeira agência reguladora de qualidade do ar no país. Nos
anos 1960, depois que os cientistas descobriram que o fenômeno era causado pelo
ozônio formado pelo contato dos óxidos de nitrogênio cuspido pelos escapamentos
com o oxigênio da atmosfera, sob ação da luz solar, o foco de ação ficou mais
nítido: era preciso melhorar os carros.
Uma série de medidas para tornar combustíveis menos poluentes e veículos mais eficientes surgiu desde então. Mas não era só isso que tornava o ar da cidade ruim. A geografia conta, como sempre.
Dia poluído em Los Angeles.
As
montanhas que cercam a metrópole impedem que a poluição se dissipe. Há quase
75% de dias ensolarados por ano e a Bacia de Los Angeles costuma ter uma camada
de ar quente em cima de uma de ar frio, o que dificulta ainda mais a dispersão.
Fora
que o Porto de Los Angeles é o mais movimentado do país e que a cidade tem,
reconhecidamente, um trânsito muito ruim. Los Angeles cresceu em torno do
carro, mas agora quer se livrar dele.
Até
2028, a ideia é que 30% dos veículos nas ruas e 80% dos novos carros vendidos
sejam elétricos.
Caminhões também estão na mira, e a principal rodovia que leva ao porto quer ser o "primeiro corredor de transporte de bens com emissão zero de poluentes", segundo uma reportagem da revista "Fast Company". Quanto aos ônibus, as autoridades apostam que amenidades como wifi e tomadas USB vão convencer as pessoas a deixar o carro em casa.
Letreiro de Hollywood, em Los Angeles.
Bicicletas
compartilhadas e scooters elétricas fazem parte do plano. Para aumentar a
segurança, a prefeitura testou uma ciclovia de mão-dupla protegida de carros no
centro da cidade.
A quantidade de ozônio no ar hoje é menor do que nos anos 1980. Mas em 2020, mesmo com a pandemia, voltou aos níveis de 1997.
Paris, na França
A
segunda cidade mais visitada do mundo, destino de 19 milhões de visitantes
estrangeiros, é, ao mesmo tempo, uma capital apinhada de gente, no centro de
uma região metropolitana de 11 milhões de pessoas, a maior da União Europeia.
Paris pode ser o símbolo máximo de turismo urbano e cultural, mas é também uma
metrópole — com problemas de metrópole.
Desde
2014 a capital francesa vem implementando iniciativas para reduzir a poluição
atmosférica. Os resultados já são perceptíveis, mesmo descontando os efeitos do
isolamento social imposto pela pandemia, segundo o IQ Air: a taxa de PM 2.5
caiu de 15,4 em 2017 para 12,2 em 2020.
A prefeitura local vem incentivando o uso de transporte público e meios não-motorizados. Baniu carros fabricados antes de 1997 das ruas. Desde 2019, toda a Grande Paris tem uma restrição de circulação em determinados horários que varia de acordo com o tipo de veículo e com o distrito. Em 2030, somente carros elétricos ou movidos a hidrogênio poderão entrar na capital.
Vista para área mais turística de Paris, na França.
Em
dias de smog, o transporte público é gratuito. Há um projeto de lei para tornar
ônibus e metrô de graça permanentemente.
Não
é benevolência política. Em 2016, quase 48 mil pessoas morreram em decorrência
da poluição atmosférica na França. Um ar que mata pode facilmente arruinar a
vista de Montmartre e frustrar as férias de milhões de pessoas, que movimentam
mais de US$ 14 bilhões na cidade por ano — e isso não é bom negócio para
ninguém.
Pequim, na China.
Vista poluída da Cidade Proibida, em Pequim.
A
capital chinesa já foi sinônimo de poluição. Mas, nos anos 2000, às vésperas de
sediar a suntuosa Olimpíada de 2008, ela iniciou a mudança que hoje serve de
exemplo a muitas metrópoles.
Após
os Jogos, houve pressão internacional para que a cidade se comprometesse de
fato com a poluição atmosférica. A embaixada americana passou a tuitar
diariamente a qualidade do ar, e em 2012 o governo enfim começou a tomar
medidas mais claras.
O gás natural substituiu o carvão na indústria, na geração de energia e no aquecimento das casas. A cidade impôs restrições a caminhões e foi uma das primeiras a estimular os carros elétricos — hoje, Pequim é a capital mundial do carro elétrico, nenhuma cidade tem mais que ela.
Vista para a Praça da Paz Celestial, em Pequim (China).
Não
que o ar seja uma maravilha. A taxa de partículas dispersas ainda é cinco vezes
mais alta que o máximo recomendado pela OMS. Mas já foi dez vezes. Hoje, em
algumas épocas do ano, Pequim é menos poluída do que Londres, algo impensável há
duas décadas.
Para
o turismo, é uma mudança necessária. Em 2013, após um inverno marcado por
índices terríveis de qualidade, o número de desembarques internacionais chegou
a despencar 15%.
Santiago, no Chile.
Vista de Santiago do Chile.
Ar mais
poluído do mundo não é o de Pequim ou Nova Déli, mas sim, Santiago do Chile.
Em
alguns dias de junho, a capital chilena era a cidade com o pior ar do planeta,
segundo os medidores em tempo real do IQ Air. É um padrão que se repete nos
invernos no Chile e em alguns vizinhos andinos (Lima não fica muito atrás no
ranking).
Nos
anos 1990, a situação era de doer. Em 1996, o smog que cobriu Santiago espalhou
uma onda de gripe que mandou 3,5 mil crianças para o hospital por dia.
Em
1999, o governo decretou emergência ambiental, situação que se repetiu em 2015.
No último decreto, mais de 1,3 mil fábricas precisaram suspender as atividades,
80% dos carros ficaram parados e a população de mais de 6 milhões de pessoas
entupiu o metrô.
Santiago é uma metrópole encravada em um vale entre os Andes e a Cordilheira da Costa, o que forma bolsões de ar que não deixam a poluição escapar com facilidade. É por isso que o turista que chega à cidade esperando ver os colossais Andes com nitidez acaba muitas vezes se frustrando com a névoa suja.
Vista poluída de Santiago, capital do Chile.
Para
mudar a situação, a capital do Chile integrou a "Breathe Life 2030",
uma campanha da OMS de combate à poluição atmosférica. A cidade também
aprimorou o protocolo de emergência a fim de emitir alertas públicos e
coordenar ações em diversas esferas para otimizar seus efeitos.
No
transporte, o foco principal são os ônibus. Santiago tem a maior frota de
ônibus elétricos do mundo fora da China. (uol)
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