O artigo a seguir analisa o relatório conjunto IPBES-IPCC
co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, da Plataforma
Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e
do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), publicado no dia
10/06/2021. O documento foi elaborado pelos 50 maiores especialistas mundiais em
biodiversidade e mudanças climáticas, como apontam os autores Danielly de Paiva
Magalhães e Paulo M. Buss.
No relatório, destacam-se as conexões da biodiversidade e do clima
no bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as
políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o
desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. “O importante e
inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e
estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade
e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções
adequadas para qualquer delas”, escrevem.
O artigo é de Danielly de Paiva, bióloga e doutora em Química Ambiental e Magalhães Paulo M. Buss, doutor em Ciências e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz), publicado por Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz – CCE, 01/07/2021.
Eis o artigo.
Proteger a biodiversidade, evitar mudanças climáticas perigosas e
promover uma qualidade de vida aceitável e equitativa para todos são os
desafios de três acordos globais: o Plano Estratégico para a Biodiversidade
2011-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB); o Acordo de Paris para
a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); e os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS),
respectivamente. Embora cada uma dessas iniciativas tenha objetivos
específicos, suas consequências e sucesso estão intimamente ligados – o
fracasso em lidar conjuntamente com a dupla crise de mudança climática e
declínio da biodiversidade pode comprometer a boa qualidade de vida das pessoas
(IPBES, 2019).
A necessidade de considerar as inter-relações dessas três crises
foi analisada no recém-lançado relatório conjunto da Plataforma
Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e
do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), intitulado IPBES-IPCC
co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, produzido
pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças
climáticas.
O relatório explora as conexões da biodiversidade e do clima para o bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. O relatório reforça que a ação das atividades humanas, como alterações no uso da terra/mar e a combustão de combustíveis fósseis, são as principais causas diretas da perda de biodiversidade e mudanças climáticas, porque altera a superfície terrestre, a química atmosférica e dos oceanos. Como sabido, o constante aumento da concentração de gases de efeito estufa desde a revolução industrial não somente causa a elevação da temperatura média da Terra, mas também altera os regimes de chuva e aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes, furacões, tornados, ondas de calor e queimadas. Como exemplo, nos ambientes aquáticos, as altas temperaturas diminuem a concentração de oxigênio e promovem a acidificação do ambiente – essas alterações impactam negativamente a biodiversidade, devido às modificações nas condições ótimas de sobrevivência e perda de habitats. Reciprocamente, biodiversidade tem papel fundamental nos ciclos de carbono, nitrogênio e água, e sua perda exacerba os efeitos das mudanças climáticas e torna ainda mais difícil controlá-los.
Entre os esforços citados pelo relatório para a preservação da biodiversidade e controle do aquecimento global estão: diminuição da queima de combustíveis fósseis e a substituição por energias renováveis, diminuição do desmatamento nos trópicos, conservação de ecossistemas ricos em carbono (ex: manguezais, turfeiras, savanas e pântanos), promoção de agricultura orgânica e silvicultura sustentáveis, e corte de subsídios às atividades econômicas prejudiciais ao ambiente.
As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam
ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e
a saúde pública. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por
populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou
economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.
Mas qual a relação da temperatura e da biodiversidade com a
qualidade de vida humana? A sociedade humana depende dos serviços que a
natureza oferece. Portanto, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade
representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança
alimentar e a saúde pública. As mudanças climáticas também ameaçam os elementos
básicos de que todos precisamos para uma boa saúde, como ar limpo, água
potável, produção de alimentos e abrigo seguro, e minará décadas de progresso
na saúde global. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por
populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou
economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.
A pandemia de Covid-19 nos trouxe evidências concretas sobre as
inter-relações da biodiversidade e as mudanças climáticas na saúde humana. A
degradação e alteração ambiental, juntamente com o crescimento do comércio de
animais selvagens, aproximaram a vida selvagem de animais domésticos e seres
humanos, como os morcegos que carregam vírus que podem cruzar as fronteiras das
espécies. A mudança climática gerou a perda de habitat que contribui para essa
proximidade e também ampliou (por meio de enchentes, ondas de calor, incêndios
florestais e insegurança alimentar) o sofrimento dos humanos durante a pandemia
pela Covid-19.
O importante e inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções adequadas para qualquer delas. As políticas que abordam simultaneamente as sinergias entre a mitigação da perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que consideram seus impactos sociais, oferecem a oportunidade de maximizar os co-benefícios e ajudar a atender às aspirações de desenvolvimento de todos. A implementação de soluções bem-sucedidas e transformadoras tem implicações específicas para sua governança conjunta.
A contribuição da natureza ao bem-estar humano.
Há uma certa urgência para enfrentar esses desafios conjuntamente.
Nenhuma das vinte metas de Aichi acordadas para 2020 foram totalmente
alcançadas pelos países signatários – apenas 23% estavam alinhadas com as metas
do plano. O Acordo de Paris tem a ambição de manter até 2030 o aumento de até
2°C dos níveis pré-industriais, com objetivo de ficar o mais próximo de 1,5°C.
No entanto, a temperatura global já aumentou 1,2°C. Outras projeções sugerem
que alcançaremos temporariamente 1,5°C, em um dos próximos cinco anos (WMO,
2021). Eventos catastróficos são esperados, se o aumento da temperatura for
1,5°C acima dos níveis pré-industriais, como perda de biodiversidade e perda e
degradação de habitat.
Os próximos passos nesses fascinantes e desafiadores espaços
globais da questão ambiental são a COP 15 da Biodiversidade (Kunming, China,
11-24/11/2021) e a COP 26 sobre Mudança Climática (Glasgow, Escócia,
1-12/12/2021).
De acordo com o último Relatório de Lacuna das Emissões (em inglês
Emissions Gap Report 2020), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente, as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (em inglês
Nationally Determined Contributions – NDCs) permanecem seriamente inadequadas
para atingir os objetivos climáticos do Acordo de Paris e levariam a um aumento
de temperatura de 3,2°C (3° – 3,5°C) pelo final do século, com probabilidade de
66%. No melhor cenário, se todos as NDCs forem implementados e os países
alcançarem suas emissões líquidas zero, as projeções até o final do século são
estimadas em 2,5–2,6°C. Essas projeções já são bastante preocupantes para a
questão ambiental e, na área da saúde, as estimativas são de que, entre 2030 e
2050, as mudanças climáticas deverão causar aproximadamente 250 mil mortes
adicionais por ano, de desnutrição, malária, dengue (e outras doenças
transmitidas por vetores), diarreia e estresse por calor. Os custos diretos de
danos à saúde (ou seja, excluindo os custos em setores determinantes da saúde,
como agricultura, água e saneamento) são estimados em US$ 2 a 4 bilhões/ano,
até 2030. No entanto, essas projeções não consideram os efeitos da perda da
biodiversidade.
Os próximos passos nesses fascinantes e desafiadores espaços globais da questão ambiental são a COP 15 da Biodiversidade (Kunming, China, 11-24/10/2021) e a COP 26 sobre Mudança Climática (Glasgow, Escócia, 1-12/11/2021). A décima quinta reunião da Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) vai revisar a implementação do Plano Estratégico da CDB para a Biodiversidade 2011-2020. Prevê-se também que será tomada a decisão final sobre a estrutura global de biodiversidade pós-2020, assim como decisões sobre tópicos relacionados, incluindo capacitação e mobilização de recursos. Já a COP 26, esperada com ansiedade pelos ativistas de todo o mundo, promete uma árdua batalha entre governos, empresas e sociedade civil sobre a ambição com que o mundo tratará de impedir a catástrofe ambiental.
Conservar a Biodiversidade é preservar o Bem-estar Humano. (ecodebate)
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