O relatório mostra que 40
milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco
climático ou ambiental, e aponta os impactos da crise climática na garantia de
direitos das futuras gerações.
Além disso, o relatório revela que mais de dois milhões de pessoas foram mortas, desapareceram, ficaram feridas, enfermas, desabrigadas ou desalojadas diretamente por desastres ambientais em 2021 no Brasil.
UNICEF quer mais progressos na educação no campo das alterações climáticas tendo os menores de idade como prioridade.
Na semana em que líderes
mundiais se reúnem para a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP27), no Egito, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) faz um alerta: crianças e adolescentes são os mais impactados pelas
mudanças climáticas, e precisam ser priorizados. No Brasil, 40 milhões de
meninas e meninos estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental (60%
do total) e as mudanças climáticas comprometem a garantia de direitos
fundamentais. É o que revela o relatório “Crianças, Adolescentes e Mudanças
Climáticas no Brasil”, lançado pelo UNICEF em 09/11/22.
O relatório chama a atenção
para a urgência de priorizar crianças e adolescentes nos debates e políticas
voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas. A crise climática impacta
desde a frequência de chuvas até a amplitude térmica e as ondas de calor; da
quantidade e da intensidade de eventos extremos, como ciclones e queimadas, até
o prolongamento de secas extremas. Todos esses fenômenos afetam a vida humana
de diversas formas, colocando em risco o bem-estar, o desenvolvimento e a
própria sobrevivência de pessoas em todo o planeta.
“Mudanças climáticas e
degradação ambiental enfraquecem os direitos de crianças e adolescentes”,
explica a representante interina do UNICEF no Brasil, Paola Babos. “Eles são os
menos responsáveis pelas mudanças climáticas, mas suportarão o maior fardo de
seu impacto. Por estarem em uma fase mais sensível de desenvolvimento, meninas
e meninos são os mais prejudicados diretamente. Além disso, serviços, políticas
e instituições que atendem às necessidades deles e de suas famílias são
comprometidos pela crise climática”.
Os efeitos dessa crise afetam
desproporcionalmente crianças e adolescentes que vivem em situação de maior
vulnerabilidade, já privados de outros direitos – principalmente negros,
indígenas, quilombolas, e pertencentes a outros povos e comunidades
tradicionais; migrantes e/ou refugiados; crianças e adolescentes com
deficiência; além de meninas. Apesar disso, o relatório aponta para o fato de
que a maioria das políticas públicas e dos planos nacionais referentes ao clima
e ao meio ambiente mencionarem pouco ou ignorarem completamente as
vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes, em geral, e desses
grupos mais vulneráveis, em particular.
Entendendo esse cenário, o relatório apresenta o impacto que as mudanças climáticas e a degradação ambiental podem ter sobre direitos de crianças e adolescentes no Brasil, e os caminhos para reverter esse quadro.
1. Direito à vida, à saúde e ao desenvolvimento
As consequências para a saúde
causadas pelos desastres, pela degradação ambiental e pelo clima alterado podem
ser graves a curto, médio e longo prazo. O estudo cita como exemplo a poluição
do ar que está diretamente associada às mudanças climáticas e que no Brasil é
agravada pelas queimadas e pela queima de combustíveis fósseis em áreas
urbanas, impactando na expectativa de vida da população.
Aproximadamente 2 em cada 5
brasileiros estão expostos a concentrações de PM2.5 (poluição do ar externa)
acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No caso de
crianças e adolescentes, esse número aumenta para 3 em cada 5.
Em crianças, a exposição a
poluentes em altas concentrações e/ou por longos períodos pode afetar o
cérebro, causando atrasos no desenvolvimento, problemas de comportamento e até
mesmo de desenvolvimento intelectual. Em ambientes poluídos, os pulmões de
crianças não se desenvolvem completamente, e o sistema imunológico fica
fragilizado em função da exposição ao ar poluído. Infecções respiratórias, que
já são comuns em crianças, ficam mais severas e mais frequentes em ambientes
poluídos.
Outro exemplo citado no estudo
é o aumento do risco de transmissão de doenças como malária, febre amarela e
dengue no Brasil com as mudanças nos padrões de chuva e temperatura; a grande
maioria das vítimas letais dessas doenças são crianças pequenas.
Ainda na área de saúde, a
insegurança alimentar também tem relação com as mudanças climáticas. No Brasil,
80% dos alimentos que são consumidos pelas pessoas que vivem na pobreza são
produzidos pela agricultura familiar, em pequenas propriedades rurais. É
justamente o modo de produção mais ameaçado pela crise climática, e com menos
recursos financeiros e técnicos para se adaptar a mudanças no padrão de chuvas
e nas temperaturas médias.
Além disso, o relatório revela que mais de 2 milhões de pessoas foram mortas, desapareceram, ficaram feridas, enfermas, desabrigadas ou desalojadas diretamente por desastres ambientais em 2021 no Brasil.
2. Direito a aprender
Localidades onde acontecem
desastres naturais frequentemente têm escolas afetadas, agravando as
dificuldades de acesso e permanência escolar de crianças e adolescentes,
levando ao aumento da evasão e à dificuldade de manter em funcionamento os
serviços e equipamentos escolares.
O relatório cita um estudo
acerca das áreas de risco de desastres no Brasil que revela que 721 escolas
estão em áreas de risco hidrológico, das quais 525 são escolas públicas; e
1.714 escolas estão localizadas em áreas de risco geológico, sendo que 1.265
são escolas públicas. Considerando apenas os 957 municípios monitorados pelo
estudo, os dados indicam que mais de três milhões de pessoas frequentam
equipamentos escolares em áreas de risco.
Além disso, em geral, quando
não têm suas estruturas afetadas, as unidades escolares são transformadas em
ponto de acolhimento coletivo em comunidades que vivenciam desastres em grandes
proporções, uma tendência que coloca dificuldades para o pronto retorno das
atividades educacionais.
3. Direito à proteção contra
violências
Em situações de grandes
desastres naturais, as pessoas ficam em situações de vulnerabilidade e
incertezas, o que potencializa o risco de violências físicas, morais e sexuais
para crianças. Espaços de acolhimento temporário podem ser especialmente
arriscados se medidas de prevenção não forem pensadas na organização da
resposta.
O relatório também cita que, em regiões onde há pressões ambientais e econômicas e do crime organizado, o risco de exploração sexual de meninas e mulheres é potencializado. Em 2019, as taxas mais altas de meninas de até 14 anos grávidas no país foram registradas em cinco estados da Amazônia Legal (Roraima, Amazonas, Acre, Pará e Amapá) – e nesses casos há violência presumida.
4. Direito à água potável e saneamento
No Brasil, cerca de 15 milhões
de pessoas vivem em áreas urbanas sem acesso à água segura; em áreas rurais,
outros 25 milhões de pessoas têm acesso apenas a níveis básicos de segurança na
água, e para 2,3 milhões de pessoas, a água disponível para beber e para
higiene pessoal não tem qualquer tratamento.
Segundo o Censo Escolar (Inep,
2019), 26% das escolas públicas brasileiras não têm acesso ao abastecimento
público de água, e quase 50% não têm acesso à rede pública de esgoto.
Períodos de secas prolongadas e
enchentes afetam diretamente a captação e o fornecimento de água, provocando
interrupções e falhas na prestação dos serviços, podendo afetar também a
qualidade e aumentar a incidência de doenças transmitidas pela água.
5. Direito à proteção social
No Brasil, a probabilidade de
uma criança ou adolescente viver na pobreza é duas vezes maior do que a de um
adulto. Sendo assim, os impactos das mudanças climáticas na população mais
pobre recaem de maneira mais intensa sobre crianças e adolescentes.
As famílias mais pobres têm
menos recursos para realocar-se ou adaptar-se a mudanças no clima; vivem em
áreas geograficamente mais expostas a desastres; sofrem primeiro, e mais
intensamente, as crises causadas por choques socioambientais e suas
consequências econômicas secundárias.
São os mais pobres que têm
maior probabilidade de viver sem acesso à moradia adequada, água limpa ou
esgoto tratado; são os mais pobres que vivem expostos aos maiores índices de
violência.
Quando a temperatura sobe e as
ondas de calor criam ambientes insalubres para a saúde humana, são as famílias
mais pobres que não têm acesso à ventilação apropriada, muito menos a aparelhos
de ar-condicionado. Quando o rio enche até níveis inéditos, são as comunidades
pobres em casas nas palafitas que submergem. Quando a seca quebra a produção da
agricultura familiar, são as famílias pobres nas zonas rurais – as famílias dos
próprios agricultores familiares – que ficam sem acesso a verduras e grãos a
preços que podem pagar.
As pressões climáticas ou de desastres ambientais tendem a agravar situações de crianças e adolescentes que vivem em contextos de vulnerabilidade social e negligência, podendo levar à ruptura dos seus vínculos protetivos e à violação dos seus direitos.
Recomendações – As mudanças climáticas acendem alerta urgente: já temos um problema e ele pode ficar muito maior. Precisamos lidar com ele agora e mitigar os impactos futuros, diminuir a poluição e promover a adaptação às mudanças já inevitáveis. Com base nessa análise, o relatório do UNICEF apresenta uma lista de recomendações para que crianças e adolescentes sejam prioridade absoluta na pauta climática e para que hoje, e no futuro, não tenham que crescer privados da plena realização dos seus direitos:
• Defender e fortalecer as
instituições e a legislação responsáveis pela garantia de preservação e pelo
enfrentamento da degradação do meio ambiente, garantindo o alcance das metas de
redução de emissões.
• Garantir financiamento e
recursos para a execução de políticas e projetos climáticos sensíveis aos
direitos de crianças, adolescentes e jovens.
• Desenvolver estratégias que
considerem os riscos e potenciais específicos de crianças, adolescentes e
jovens indígenas e de outras comunidades tradicionais, negros e meninas.
• Criar espaços, assegurar e
estimular a participação segura – e a representatividade – de crianças,
adolescentes e jovens nas esferas de debate, decisão e implementação de
políticas públicas relacionadas ao meio ambiente e à crise climática.
• Priorizar investimento em
educação e desenvolvimento de competências de crianças, adolescentes e jovens
sobre o meio ambiente, as mudanças climáticas e as habilidades ecológicas,
capacitando-os para enfrentar a crise climática e participar da crescente economia
verde e azul.
• Adaptar os serviços públicos
que atendem crianças e adolescentes com base nos cenários de vulnerabilidade e
risco de desastres, e nas possibilidades de mudanças de longo prazo nas
temperaturas, no padrão de chuvas e estiagens. Garantir a infraestrutura de
escolas e hospitais, para assegurar o bem-estar dos usuários e a continuidade
dos serviços essenciais.
• Engajar o setor produtivo em
defesa da adoção de medidas de preservação ambiental e de manejo sustentável
das cadeias de produção e transporte.
• Estimular investimentos e outras medidas que promovam e acelerem a transição para uma economia verde, abrindo oportunidades de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens.
As recomendações devem ser colocadas em prática, priorizando sempre grupos mais vulneráveis no que ser refere à idade, gênero, raça e etnia, renda, deficiência e situação migratória. (ecodebate)
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