Arborização nos bairros de maior renda expõe injustiças ambientais em São Paulo.
Com impacto na saúde e até na criminalidade, maior presença de cobertura vegetal em bairros de maior renda escancara injustiças ambientais na cidade.
O mapeamento e a análise socioambiental
da distribuição de árvores na cidade de São Paulo revelou a desigualdade na
cobertura verde na capital paulista. Os dados são de uma pesquisa realizada na
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP.
O estudo escancara a relação
entre uma maior presença de árvores em bairros com uma maior renda per capita –
indicando graves injustiças ambientais e problemas na urbanização do
município.A pesquisadora Bruna Arantes, primeira autora do estudo, utilizou
imagens de satélite e dados fornecidos pela plataforma GeoSampa, portal
coordenado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento que reúne
dados georreferenciados sobre a cidade.
Foram verificadas as
modificações ocorridas nas áreas verdes em São Paulo no período entre 2010 e
2017. O artigo Urban forest and per capita income in the mega-city of Sao
Paulo, Brazil: A spatial pattern analysis foi publicado na revista científica
Cities: The International Journal of Urban Policy and Planning, e faz parte da
pesquisa de doutorado de Bruna Arantes, sob orientação de Demóstenes Ferreira
da Silva Filho.
“A macrozona urbana, a área
mais urbanizada da cidade, teve um aumento de 0,3% na cobertura arbórea. Já na
macrozona ambiental, que são as partes periféricas que têm áreas de reserva, houve
um aumento de 13% [entre 2010 e 2017]” explica Bruna Arantes ao Jornal da USP.
O conceito de macrozona urbana se refere às regiões centrais da cidade, como os bairros da Sé e Mooca, enquanto a ambiental se refere a regiões limítrofes do município, como Parelheiros e Jaraguá.
O mapa da esquerda mostra a divisão entre macrozona urbana (branco) e macrozona ambiental (cinza). O mapa da direita mostra a distribuição arbórea na cidade de São Paulo no ano de 2017 – Imagem: Cedida pela pesquisadora
Contudo, de acordo com a pesquisadora, o saldo positivo deve ser olhado com cautela – principalmente o das zonas centrais. “O movimento é dinâmico. Uma árvore vai ficar doente e será derrubada, vai se construir um condomínio ali, então uma área de árvores será desmatada. Ao mesmo tempo, a Prefeitura está plantando árvores em outros lugares. É um processo dinâmico, mas no saldo está se perdendo muito próximo do que se está ganhando”, afirma. Segundo Bruna Arantes, os benefícios da presença de árvores entre a paisagem urbana são identificados principalmente na saúde da população, com a redução do nível de estresse, a melhora da qualidade do ar e a regulação de temperaturas.
Desigualdade ambiental
Uma análise mais cuidadosa
dos dados também aponta para injustiças ambientais com relação ao acesso a
áreas verdes na cidade. Mesmo que as informações mostrem que as periferias
detêm uma maior cobertura arbórea comparadas às áreas centrais, é preciso ter
em mente em qual lugar as zonas periféricas estão posicionadas em São Paulo:
perto de reservas ambientais, que possuem um rígido acesso controlado.
1ª publicação Quando
consideramos apenas a macrozona urbana, é possível estabelecer uma ligação
direta entre uma maior presença de árvores em bairros com uma maior renda per
capita.
Isso revela que essa distribuição é socialmente injusta. Pessoas que têm mais renda vão andar por ruas arborizadas, vão no parque passear com seus filhos e pets, enquanto pessoas da periferia podem até ter mais presença de árvores perto da casa delas, mas é uma área de reserva. A rua delas não é arborizada, elas não têm parque, não têm lazer em área verde. “A rua delas não tem estrutura, às vezes não tem nem saneamento básico, só uma área de reserva perto”, explica a pesquisadora.
A arborização, neste caso, não só representaria uma melhora na saúde dos moradores, mas ajudaria a solucionar graves problemas urbanos, como os alagamentos. Com a temporada de chuvas em São Paulo, é comum vermos ruas – principalmente nas áreas periféricas – alagadas, com famílias perdendo suas casas, bens e até mesmo suas vidas. Neste caso, as árvores aumentam a permeabilidade do solo, evitando sua erosão e formando jardins filtrantes. O exemplo disso, a própria Prefeitura de São Paulo criou o programa Jardins de Chuva, que realiza intervenções verdes a fim de mitigar os impactos sentidos pelos alagamentos. “Com a distribuição desigual das árvores urbanas, não são oferecidos para todos os moradores os benefícios que eles poderiam ter. A oferta existe apenas a uma parcela da população que já é privilegiada. Então, está sendo cometida uma injustiça ambiental”, ressalta Arantes.
Políticas públicas
participativas
Os resultados encontrados
complementam uma escassa literatura científica sobre o tema em países
latino-americanos. A pesquisa é pioneira na união de dados sociais com a
quantificação e mapeamento da cobertura verde em megacidades no Brasil, e
desperta um importante debate sobre desigualdade urbana e ambiental. Ela
suscita a necessidade de ações vindas da própria população. “O grande poder de
decisão para aumentar as árvores na cidade está na mão das pessoas, não
necessariamente do governo. É muito importante termos políticas públicas
participativas, tais como ações eficientes de conscientização ambiental dos
moradores”, ressalta a pesquisadora.
“O grande poder de decisão para aumentar as árvores na cidade está na mão das pessoas”, diz Bruna Arantes – Imagem: Reprodução/Coordenadoria de Educação Ambiental da Prefeitura de São Paulo.
O Plano Diretor da capital paulista – lei que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2029 – ainda está em fase de revisão e conta com um processo participativo, com a inclusão de sugestões da sociedade civil. “O Plano Diretor da cidade de São Paulo está em fase de revisão e ele tem sido conduzido de forma participativa, ou seja, a população, a comunidade científica e todos que querem contribuir para sua revisão estão sendo chamados e são bem-vindos a contribuir”, explica Bruna Arantes. “Isso é um passo extremamente importante para construir uma cidade mais justa e consciente. Paralelamente, um novo plano de arborização urbana foi proposto com novas metas de plantio e estratégias de arborização. Acredito que tais ações são um grande avanço para o aprimoramento das políticas públicas”, complementa. Em seu estudo, a pesquisadora ainda explora a ligação indireta entre índices de criminalidade e cobertura arbórea – resultados que serão publicados em um artigo científico ainda em produção. (ecodebate)
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