segunda-feira, 3 de julho de 2023

Desmatamento ameaça os remanescentes florestais da Mata Atlântica

A Mata Atlântica é lar de quase 70% da população e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país.

A Mata Atlântica sofreu a derrubada de 20.075 hectares (ha) de floresta no período de um ano, entre outubro/2021 e de 2022, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol. Os dados são do Atlas da Mata Atlântica, pesquisa realizada pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Embora o número represente queda de 7% em relação ao detectado em 2020-2021 (21.642 hectares), a SOS Mata Atlântica avalia que o desmatamento está ainda em um patamar elevado. A área desmatada no último ano é a segunda maior dos últimos seis anos e está 76% acima do valor mais baixo já registrado na série histórica, que foi de 11.399 hectares entre 2017 e 2018.

“Houve uma pequena queda de 7%, mas a gente considera que é uma situação de estabilidade, é uma variação muito pequena em um patamar alto, acima de 20 mil hectares, que é um valor para a Mata Atlântica muito alta se a gente entender que é um processo cumulativo de 500 anos de desmatamento. É um dado muito preocupante. São 55 hectares perdidos por dia”, disse o diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.

Dados da entidade apontam que o bioma é lar de quase 70% da população e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país.

Estados mais desmatados

O levantamento aponta que o desmatamento está concentrado em cinco estados: Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná. Nos três primeiros, Guedes revela que o desmatamento é resultado da expansão – em grande escala – da agricultura e da pecuária. Ressalta que são regiões de fronteira agrícola ainda em abertura.

“No Paraná e em Santa Catarina [tem-se] uma região de fronteira agrícola que a gente considera consolidada, mas que persiste com desmatamento comendo as bordas das matas. Um aumento da área cultivada ali sempre comendo pela borda um pedacinho em cada lugar é muitos desmatamentos pequenos, mas ainda muito relevantes que acumulam milhares de hectares”, indicou.

Cinco estados acumulam 91% do desmatamento: Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha).

Oito estados registraram aumento no desmatamento (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe) e nove mostraram redução (Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo).

Em relação aos municípios, dez concentram 30% do desmatamento total no período. Desses, cinco estão situados em Minas Gerais, um em Mato Grosso do Sul e quatro na Bahia.

Apenas 0,9% das perdas deu-se em áreas protegidas, enquanto 73% ocorreram em terras privadas, o que, segundo a entidade, reforça que as florestas vêm sendo destruídas, sobretudo para dar lugar a pastagens e culturas agrícolas, além da especulação imobiliária – nas proximidades das grandes cidades e no litoral – que também é apontada como outra das causas principais. Guedes citou, também, “uma nuvem de pequenos desmatamentos” espalhados pela expansão urbana e crescimento de infraestrutura e de turismo ao redor das grandes cidades da Mata Atlântica e no litoral.

Para ele, esse quadro de desmatamento é inaceitável para um bioma tão ameaçado e que é fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, como a conservação da água, além de evitar tragédias como a ocorrida no litoral norte de São Paulo, em que houve deslizamento de terras e enxurradas.

Combate

A principal medida para combater o desmatamento na Mata Atlântica é uma fiscalização mais rigorosa, sugeriu Guedes, com respeito à Lei da Mata Atlântica e ao Código Florestal. “Porque a maior parte dessas áreas desmatadas [é de] desmatamentos ilegais. Se a gente tem a ilegalidade, quais são os caminhos? O aumento da fiscalização e os órgãos ambientais tanto federais quanto estaduais e municipais atuando de maneira mais rigorosa”, acentuou.

Na área rural, outras ações consideradas importantes incluem o embargo de áreas desmatadas, que os créditos públicos e privados parem de financiar fazendas que estão desmatando e a interrupção das vendas do que é produzido nessas áreas de desmatamento ilegal.

“Tem um papel para o setor privado que é não comprar matéria-prima proveniente de área desmatada. Então, a gente tem produção de soja, de cana-de-açúcar, de carne de gado em áreas desmatadas e a gente precisa que as empresas cumpram as suas metas de desmatamento zero e parem de comprar”, afirmou. No entorno urbano, ele aponta que os planos diretores das cidades podem colocar limites para expansão, além de criar áreas protegidas, parques e reservas.

Ele avalia que os mecanismos legais estão em risco, a exemplo da Medida Provisória (MP) 1.150, aprovada pela Câmara dos Deputados, que pode contribuir com a destruição do bioma.

“A essência da MP é adiar as etapas para implementação do Código Florestal, então ela adia os prazos, retira as penalidades dos produtores que não se registraram no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Na prática, o que significa é que o Código Florestal não é implementado e a gente não começa a restauração das florestas desmatadas ilegalmente. Isso já tem uma consequência para a Mata Atlântica e para todos os biomas brasileiros, que é atrasar a restauração”, analisou o especialista.

Biomas

O Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), do MapBiomas e que complementa os dados do Atlas da SOS Mata Atlântica, teve o primeiro dado de um ano completo e mostrou que o desmatamento total pode ser quase quatro vezes maior que o documentado até o momento. A base de dados do SAD é mais ampla, o que permite observação mais detalhada.

O Atlas, que considera desmatamentos a partir de três hectares e avalia a conservação dos maiores remanescentes de matas maduras, revela que há 12,4% da área original do bioma. Já o SAD, que abrange remanescentes acima de 0,5 hectare, incluindo florestas maduras e matas jovens em regeneração, mostrou cobertura florestal do bioma de 24%.

Alertas

O levantamento dos desmatamentos identificados entre janeiro e dezembro de 2022 – realizado a partir do Sistema de Alertas de Desmatamento – registrou 9.982 alertas no ano, somando 75.163 hectares perdidos entre florestas maduras e jovens. A área total perdida, portanto, seria quase quatro vezes maior do que a contabilizada pelo Atlas, o que demonstra ameaça tanto às matas jovens quanto às maduras do bioma.

Sobre essa diferença, a fundação explicou que, enquanto o Atlas oferece uma “fotografia” anual do estado de conservação dos grandes fragmentos florestais, que são de maior importância para a biodiversidade, e pretende embasar políticas de longo prazo para a conservação do bioma, os dados do SAD são divulgados semanalmente visando gerar uma documentação completa para cada alerta de desmatamento, buscando maior celeridade e eficácia nas ações dos órgãos responsáveis por combater e fiscalizar o desmatamento. (ecodebate)

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