A transição demográfica é uma
das maiores conquistas sociais da história mundial e brasileira. Em primeiro
lugar, a queda da taxa de mortalidade evitou a continuidade das mortes precoces
e o baixo tempo de vida, fato absolutamente extraordinário e que é a base de
todas as outras conquistas. A esperança de vida ao nascer no Brasil que estava
abaixo de 30 anos no final do século XIX, ultrapassou 70 anos nos anos 2000.
Em segundo lugar, a queda da
taxa de fecundidade foi acompanhada de uma mudança cultural fundamental, pois
as mulheres e os casais trocaram o investimento na quantidade para o
investimento na qualidade dos filhos. Houve uma mudança no fluxo
intergeracional de riqueza que beneficiou toda a sociedade (Alves, 2022), pois
as velhas gerações passaram a investir nas novas gerações, garantindo a
mobilidade intergeracional ascendente. Houve grande redução das desigualdades
de gênero.
A transição demográfica é
sempre acompanhada por uma transição da estrutura etária que, por sua vez, gera
uma janela de oportunidade demográfica que favorece o desenvolvimento humano e
possibilita um salto na qualidade de vida da população.
O gráfico abaixo, com base
nas projeções populacionais do IBGE (revisão 2018), mostra a população em idade
ativa (PIA) de 15 a 64 nos, no Brasil, no período 2010 a 2060. Entre 2010 e
2020, a PIA crescia em ritmo mais rápido do que população total. Entre 2020 e
2037, a PIA continua crescendo, mas em ritmo cada vez mais lento.
O pico populacional da PIA estava estimado para 152,9 milhões de pessoas no ano de 2037. A partir de 2038, a PIA começaria a decrescer no restante do século XXI. Em termos percentuais, a PIA atingiu o máximo de 69% da população total no quinquênio 2015 a 2019, deve cair para 66,3% em 2037 e ficar pouco abaixo de 60% em 2060. Estes números vão mudar um pouco com os resultados do censo 2022.
Segundo a literatura demográfica internacional, o crescimento absoluto da PIA, somado ao aumento relativo da quantidade de pessoas em idade de trabalhar, gera uma grande oportunidade para o avanço econômico e social dos países. Esta fase é conhecida como janela de oportunidade ou 1º bônus demográfico, pois é um momento de ganhos na relação entre “produtores líquidos” potenciais e “consumidores líquidos”.
A fase áurea do 1º bônus
demográfico é quando a PIA cresce mais rápido do que a população total (neste
período a janela de oportunidade está se abrindo). Mas há um período em que a
PIA continua aumentando em termos absolutos, mas cresce menos do que a
população total em termos relativos. Nesta fase, a janela de oportunidade
começa a se fechar, mas só se fecha completamente quando se atinge o pico
populacional da PIA. Nesta segunda fase, mesmo com menor crescimento da PIA,
pode haver aumento da população ocupada (PO). Ou seja, o 1º bônus demográfico
termina completamente quando a PIA começa a encolher.
Os números apresentados acima
são das projeções populacionais do IBGE, divulgados em 2018, antes, portanto,
da pandemia da covid-19. Evidentemente, estas tendências vão apresentar algumas
alterações quando forem divulgados os dados do censo demográfico de 2022 e
forem feitas as novas projeções.
Contudo, os resultados já
divulgados pelo IBGE – que relatam um menor ritmo de crescimento populacional –
já indicam que o pico populacional da PIA deve ser um pouco antecipado,
enquanto o envelhecimento populacional deve apresentar uma aceleração. Numa
estimativa preliminar, podemos dizer que o pico da PIA deve ser antecipado em
cerca de 3 ou 4 anos, isto é, a polução em idade ativa deve começar a decrescer
em 2033 ou em 2034. Desta forma, restam cerca de 10 anos para o fim do 1º
bônus.
Entre 2023 e 2033 ou 2034 a
PIA brasileira vai crescer menos do que a população total, mas a População
Ocupada (PO) pode crescer acima do ritmo demográfico do país. Isto ocorre
porque o Brasil ainda tem uma grande quantidade de pessoas desocupadas
(desemprego aberto), subutilizadas ou na economia informal. Deste modo, existe espaço
para avançar com a bandeira “Pleno emprego e trabalho decente”.
Segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, divulgada 31 de agosto, a
taxa de desocupação ficou em 7,9% no trimestre de maio a julho de 2023,
representando 8,5 milhões de pessoas procurando emprego. A taxa composta de
subutilização ficou em 17,8%, representando uma população subutilizada de 20,3
milhões de pessoas. Portanto, o Brasil teve no trimestre de maio a julho de
2023 cerca de 29 milhões de pessoas procurando emprego ou subutilizadas.
O número de empregados com
carteira de trabalho assinada no setor privado (exclusive trabalhadores
domésticos) foi de 37 milhões. O número de empregados sem carteira assinada no
setor privado ficou em 13,2 milhões. O número de trabalhadores por conta
própria ficou em 25,2 milhões de pessoas. O número de trabalhadores domésticos
ficou em 5,9 milhões de pessoas. A taxa de informalidade foi de 39,1% da
população ocupada, representando 38,9 milhões de trabalhadores informais.
Portanto, a população ocupada no Brasil poderia ser acrescida de 29 milhões de indivíduos (os desempregados mais os subutilizados) e poderia transformar 39 milhões de trabalhadores ocupados informais em trabalhadores formais (com direitos trabalhistas) e mais produtivos (com mais intensidade de tecnologia e qualificação).
A população brasileira passa a ser a 7ª maior do mundo, sendo ultrapassada pela Nigéria (213 milhões).
Para agravar a situação, o
Brasil tem cerca de 7 milhões de jovens de 18 a 24 anos que nem trabalham e nem
estudam (a geração nem-nem), segundo relatório da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que indicou 35,9% de jovens nem-nem no
Brasil em 2022, a segunda maior taxa de um total de 37 países analisados. O
Brasil ficou atrás apenas da África do Sul. Trata-se de uma geração perdida,
sem os direitos humanos básicos e que compromete o futuro do país. Sempre é bom
lembrar que o trabalho é a fonte da riqueza das nações. E quanto mais produtivo
for o trabalho, maior será a riqueza e o bem-estar nacionais.
Reconhecendo que há
desperdício da força de trabalho no Brasil, os números mostram que existe
espaço para o crescimento da população ocupada (PO), a despeito do menor
crescimento da população em idade ativa (PIA). Por conseguinte, o Brasil tem
cerca de 10 anos para aproveitar os últimos momentos do 1º bônus demográfico.
Uma constatação inquestionável é que todo país que avançou nos indicadores de
desenvolvimento humano aproveitou a sua janela de oportunidade.
Evidentemente, o 1º bônus tem
prazo para começar e para terminar. No Brasil, começou em 1970 e terminará no
primeiro quinquênio da década de 2030. Serão mais de 60 anos de oportunidades
demográficas. Este é um fenômeno único e só acontece uma vez na história de
cada país.
Mas o fim do 1º bônus
demográfico, embora traga dificuldades, não é o fim das perspectivas futuras,
pois existem dois outros bônus que podem garantir um maior bem-estar da
população. A redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por
trabalhadores mais produtivos que produzem mais com menos.
O aumento do volume de idosos
pode ser benéfico se contarmos com o envelhecimento saudável e ativo, pois o
grande contingente de pessoas da terceira idade deve ser encarado como um ativo,
e não com um passivo. Desta forma, antes mesmo do fim do 1º bônus, o Brasil
pode aproveitar o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e o 3º bônus
demográfico (bônus da longevidade).
Em síntese, existe espaço
para que a População Ocupada (PO) possa crescer em ritmo superior ao da
População Total (PT), aproveitando os 10 anos finais do 1º bônus demográfico.
Ao mesmo tempo, o país precisa investir na educação, na saúde, na ciência e
tecnologia, na infraestrutura e nos setores com produção de maior valor
agregado para produzir mais com menos (base do 2º bônus). Além disto, é preciso
aproveitar o potencial produtivo dos idosos, garantindo o direito ao trabalho
da população da terceira idade (base do 3º bônus demográfico).
A Coreia do Sul tem aproveitado
plenamente os bônus demográficos
Quando um país aproveita
plenamente os três bônus demográficos ele sai de uma situação de pobreza, para
a renda média e, sendo bem-sucedido, dá o salto para a renda alta e para um
elevado padrão de vida da população. Um dos melhores exemplos de aproveitamento
dos três bônus é a Coreia do Sul, que sofreu a dominação da colonização
japonesa até 1945, conseguiu a independência depois da Segunda Guerra, mas
passou por uma guerra atroz com a Coreia do Norte entre 1950 e 1953.
A Coreia do Sul era um país
pobre e sem muitos recursos naturais na década de 1950. Mas investiu em
educação e saúde da população, avançou rapidamente com a transição demográfica
(redução das taxas de mortalidade e natalidade), elevou as taxas de poupança e
investimento e garantiu a renovação tecnológica da sua estrutura produtiva.
Desta forma aproveitou muito
bem o 1º bônus demográfico (bônus da estrutura etária) pela via do pleno
emprego e do trabalho decente. Ao mesmo tempo aproveitou o 2º bônus demográfico,
investindo em infraestrutura e construindo grandes empresas inovadoras de
penetração internacional, como: Samsung, LG, Kia, Hanwha, Hyundai,etc.
Atualmente a Coreia do Sul investe no aproveitamento do potencial do terceiro
bônus demográfico (bônus da longevidade).
Por conseguinte, a Coreia do
Sul que era um país pobre, passou a ter renda média nas últimas décadas do
século XX e deu um salto para país de renda alta e com alto padrão de vida no
século XXI. Outros casos de grande sucesso ocorreram em Taiwan, Hong Kong e
Singapura. Ou seja, os Tigres Asiáticos são exemplos de países de sucesso para
o mundo, pois venceram a pobreza e construíram nações de alto Índice de
Desenvolvimento Humano.
O gráfico abaixo, com dados
do Maddison Project Database 2020, mostra a renda per capita, em preços
constantes em poder de paridade de compra (ppp), para o mundo, o Brasil e a
Coreia do Sul entre 1918 e 2018. Nota-se que o Brasil e a Coreia tinham renda
per capita abaixo da renda per capita mundial. Entre 1918 (fim da 1ª Guerra
Mundial) e 1942 a renda per capita mundial estava em torno de US$ 2,6 mil,
enquanto a renda per capita do Brasil e da Coreia estava aproximadamente na
metade, em torno de US$ 1,3 mil.
Entre 1940 e 1980, a renda per capita brasileira superou a renda per capita coreana e alcançou a renda per capita mundial. Em 1983 a renda per capita, em torno de US$ 7,3 mil, estava empatada no mundo, no Brasil e na Coreia do Sul. A partir dos anos de 1980 a renda per capita brasileira ficou acima da renda per capita mundial e a renda per capita da Coreia do Sul disparou. Depois da crise de 2015 e 2016, a renda per capita brasileira voltou a ficar abaixo da renda per capita mundial. Em 2018 (último dado disponível), a renda per capita brasileira estava em torno de US$ 14 mil, a renda per capita mundial em US$ 14,5 mil e a renda per capita coreana em US$ 38 mil.
Nos últimos 100 anos, o poder de compra do Brasil e do mundo avançou de um nível de renda baixo para a renda média, mas a renda per capita do Brasil estagnou nos últimos 40 anos e não conseguiu dar o passo seguinte para a renda alta. O Brasil está longe de ter a qualidade de vida dos Tigres Asiáticos, pois não aproveitou bem os dois primeiros bônus (aproveitou parcialmente) e não está se preparando para aproveitar o 3º bônus.
O Brasil ficou no meio do
caminho, conseguiu vencer a pobreza (venceu a baixa renda), mas tem ficado
preso na armadilha da renda média. Evidentemente, ainda dá tempo para promover
o salto para o clube dos países ricos, não no nível da Coreia do Sul, talvez no
nível de Portugal e Espanha. Porém, o tempo é curto e o esforço precisa ser
redobrado.
O IBGE divulgará os dados de
sexo e idade do censo 2022 no dia 06 de setembro de 2023. Com certeza, os dados
vão mostrar que o envelhecimento populacional veio acima do que indicado pelas
projeções de 2018 (sabemos disto porque o total da população veio abaixo do
esperado). A partir destes dados, o Instituto poderá realizar as novas
projeções populacionais e indicar quando a PIA começará a diminuir.
Mas o fato alvissareiro é que a nação brasileira ainda tem tempo para aproveitar os últimos anos do 1º bônus e, desde já, pode capitalizar os benefícios dos outros dois bônus demográficos. O Brasil ainda é capaz de ser o “País do futuro”, mas precisa trabalhar muito e ter um grande senso de urgência.
O grande número de cidades que registraram decréscimo populacional em 2022 deve resultar em disputas na Justiça. Isso porque o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) leva em consideração o tamanho da população de cada cidade. (ecodebate)
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