Um estudo liderado por
pesquisadores brasileiros e publicado na Science aponta que 82% das mais de 2
mil espécies de árvores exclusivas da Mata Atlântica sofrem algum grau de
ameaça de extinção. Do total de 4.950 espécies arbóreas presentes no bioma
(incluindo as que ocorrem também em outros domínios), 65% estão com suas
populações ameaçadas.
É a primeira vez que todas as
populações das quase 5 mil espécies arbóreas da Mata Atlântica têm seu grau de
ameaça avaliado segundo os critérios da União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), maior referência global em espécies
ameaçadas.
“O número [de 82% de espécies
endêmicas ameaçadas] foi um susto para nós, porque usamos uma abordagem
conservadora. Levamos em conta se as espécies tinham ou não floresta
disponível, independentemente de ser ou não uma floresta saudável, por exemplo.
Mas nem todas as espécies conseguem se manter em fragmentos degradados. É
possível, portanto, que a realidade seja ainda mais preocupante”, conta Renato
Lima, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da
Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, e coordenador do estudo.
Parte do trabalho é fruto do
pós-doutorado do pesquisador no Instituto de Biociências da USP, financiado com
bolsa da FAPESP.
O levantamento foi realizado
em mais de 3 milhões de registros de herbários e inventários florestais. Os
pesquisadores adicionaram ainda o maior número possível de informações, como
usos comerciais das espécies e séries temporais de perdas de hábitat, entre
outros. Os dados dos inventários florestais foram armazenados no repositório
TreeCo, administrado por Lima.
Outro dado preocupante
encontrado é que apenas 7% das espécies endêmicas tiveram declínio populacional
abaixo de 30% nas últimas três gerações. A IUCN considera que, acima desse
patamar, a espécie já pode ser considerada “Vulnerável”, a primeira categoria
de ameaça de extinção. Acima dessa estão “Em Perigo” e “Criticamente em
Perigo”.
Entre as ameaçadas, 75% estão
na categoria “Em Perigo”. Já o emblemático pau-brasil (Paubrasilia echinata)
foi listado como “Criticamente em Perigo”, dada a redução estimada de 84% das
suas populações selvagens.
Árvores antes comuns, como a
araucária (Araucaria angustifolia), o palmito-juçara (Euterpe edulis) e a
erva-mate (Ilex paraguariensis), tiveram declínios de pelo menos 50% e por isso
foram classificadas como “Em Perigo”.
Espécies exclusivas da Mata Atlântica, entre elas a canela (espécies como Ocotea odorifera e O. porosa), sofreram reduções de 53% a 89%, sendo classificadas como “Em Perigo” ou “Criticamente em Perigo”.
A Ocotea porosa foi uma das espécies de canela listada no levantamento (Floresta SC)
Levantamento inédito
A IUCN conta com uma série de
critérios para definir o grau de ameaça de uma espécie, seja animal ou vegetal,
divididos entre A, B, C e D. No estudo atual, os pesquisadores observaram que,
quanto mais dados eram inseridos, o grau de ameaça aumentava.
Em linhas gerais, o critério
A avalia o declínio da população nas últimas três gerações; o critério B, o
tamanho da área ocupada pela espécie; e os C e D se a população é pequena e em
declínio ou muito pequena, com menos de 10 mil indivíduos adultos.
“Quando preenchemos menos
critérios da IUCN nas avaliações, o que geralmente tem sido feito até então,
temos seis vezes menos espécies ameaçadas. O uso de critérios que incorporam os
impactos do desmatamento aumenta drasticamente o nosso entendimento sobre o
grau de ameaça das espécies da Mata Atlântica, que é bem maior do que
pensávamos anteriormente”, explica Lima.
Para ilustrar a diferença, o
grupo separou um conjunto de espécies que possuía dados para todos os critérios
e avaliou o grau de ameaça. Levando em conta todas as espécies desse subgrupo,
se considerado apenas o critério A, 91,4% do total de espécies estariam
ameaçadas e 90,3% das exclusivas da Mata Atlântica.
Ao utilizar apenas o critério
B, muitas vezes o único usado em levantamentos do tipo, só 10,7% das espécies
ou 16,6% das endêmicas estariam ameaçadas. Tendo os critérios C e D como referência,
então, 3,2% das endêmicas seriam consideradas ameaçadas e, no máximo, 2,5% do
total.
O método inovador será
utilizado a partir de 2024 para avaliar o grau de ameaça das cerca de 12 mil
espécies vegetais presentes exclusivamente no Brasil e que ainda não passaram
por esse tipo de avaliação. O trabalho é realizado pelo Centro Nacional de
Conservação da Flora, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde atuam alguns
dos coautores do estudo.
Os autores propõem ainda que
o método possa ser utilizado em escala global. Em uma simulação usando dados de
outras florestas tropicais, os pesquisadores atestaram que 30% a 35% das
espécies de árvores do planeta podem estar ameaçadas apenas pelo desmatamento.
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