quarta-feira, 27 de março de 2024

Cartilha traz propostas para combater a grilagem na Amazônia

Material voltado para a educação popular incentiva a coordenação de esforços dos setores público e privado e da sociedade civil no combate à grilagem.
O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) lançou, no âmbito da iniciativa Amazoniar, a cartilha “Por uma Amazônia livre de grilagem”. Além de explicar os mecanismos utilizados por grileiros para a apropriação ilegal de terras públicas e seus impactos no Brasil e no mundo, o material traz propostas do IPAM para combater esse crime que atualmente é a maior causa do desmatamento ilegal na Amazônia brasileira.

“Para combater a grilagem, é fundamental que haja ações coordenadas entre setor público, privado e sociedade civil, e não é preciso estar no território para contribuir. Desenvolvemos essa cartilha para apoiar educadores e ativistas, reunindo informações chave para que qualquer pessoa interessada possa aprender sobre o tema e somar esforços pela conservação da Amazônia”, disse Lucas Ramos, coordenador do Amazoniar.

A grilagem ameaça a sociobiodiversidade da Amazônia, contribuindo significativamente para a crise climática, a perda da resiliência da floresta e, consequentemente, a aproximação do chamado ponto de inflexão.

Esse crime contribui também com o aumento da insegurança alimentar, além da frequência e intensidade de incêndios e queimadas na região.

Por uma Amazônia livre de grilagem

Confira as propostas de soluções do IPAM para o combate à grilagem e, consequentemente, a redução do desmatamento ilegal na Amazônia brasileira.

1. Cancelar e prevenir a criação de registros irregulares de imóveis rurais em sobreposição às áreas de florestas públicas não destinadas

Ferramenta essencial para a regularização ambiental no Brasil, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) vem sendo indevidamente usado por grileiros. O banimento de cadastros fraudulentos da base de dados do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) é a maneira mais imediata de combater a grilagem. Estudo do Amazônia 2030 indica que mais de 100 mil imóveis rurais registrados no sistema nacional estão sobrepostos a áreas de florestas públicas não destinadas na Amazônia. Na prática, uma área quase do tamanho do Uruguai poderia ser protegida da grilagem na região com o cancelamento desses cadastros.

1. Definir um uso para todas as florestas públicas ainda não destinadas

A Amazônia brasileira tem 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, área equivalente ao tamanho da Espanha. Para uma redução definitiva da grilagem, é fundamental que os governos estaduais e federal retomem rapidamente os processos de destinação dessas florestas públicas. Isso significa designar essas áreas, de acordo com suas características, em categorias que permitam sua conservação ou uso sustentável, tal como dita a Lei de Gestão de Florestas Públicas. São exemplos de destinação as unidades de conservação e as terras indígenas, que juntas estocam cerca de 56% do carbono da Amazônia brasileira.

1. Fortalecer a fiscalização e a punição aos grileiros

O aumento nos índices de desmatamento ilegal na Amazônia está, em grande medida, atrelado à fragilização dos órgãos de comando e controle ambiental entre 2018 e 2022. Reforçar a fiscalização e punir quem comete e financia crimes ambientais é fundamental para combater a grilagem e reduzir o desmatamento ilegal imediatamente. O PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia) comprova a eficácia de uma forte política de fiscalização ambiental. Entre 2004, quando foi implementado, e 2012, o Brasil conseguiu reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia. Interrompido em 2018, o PPCDAm voltou a ser implementado apenas em 2023. Desde então, os resultados do Plano vêm se traduzindo numa rápida redução dos índices de desmatamento na região.

1. Promover cooperação entre setores para apoiar ações do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos contra a grilagem

Institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil vêm apoiando ações do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos no controle de danos socioambientais no país. Entre os exemplos de cooperação mencionados na cartilha está a parceria entre o IPAM e o MPF (Ministério Público Federal), que busca o cálculo da quantidade de carbono emitida devido ao desmatamento ilegal da Amazônia para a reparação de danos climáticos. Uma ação civil pública que estimou a emissão de 1,5 milhão de toneladas de carbono em decorrência de desmatamento ilícito projetou uma compensação 181,3% maior do que seria o valor exigido por danos ambientais locais.

1. Criar uma força tarefa nos Estados amazônicos contra a grilagem

O combate à grilagem poderia ganhar força com maior cooperação entre os governos estaduais amazônicos. Uma ação eficaz contra esse crime pode ser a criação de um grupo de trabalho especializado na região, no âmbito do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Formado pelos nove Estados amazônicos, o Consórcio da Amazônia Legal tem como missão “acelerar o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira de forma integrada e cooperativa, considerando as oportunidades e os desafios regionais”.

1. Colocar em prática e melhorar mecanismos de rastreabilidade

Mecanismos de rastreabilidade para, literalmente, “rastrear” e identificar a ligação de produtos com o desmatamento (legal ou ilegal) são uma das grandes demandas do mercado internacional. Dois elementos fundamentais para combater a grilagem e o desmatamento na Amazônia são, portanto, a implementação, colocando em prática medidas já existentes, e o melhoramento contínuo dessas ferramentas. Assim, seria possível acabar com o incentivo à grilagem por parte de mercados e investidores e eliminar o crime das etapas de produção de mercadorias como commodities agrícolas e da pecuária – soja, milho e carne, por exemplo.

1. Apoiar iniciativas populares para o combate à grilagem

A cartilha destaca várias iniciativas de organizações não governamentais e da sociedade civil que atuam na justiça climática para a conservação da Amazônia. Entre elas está o PLIP (Projeto de Lei de Iniciativa Popular) Amazônia de Pé, que conta com o apoio do IPAM. Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir assinando o PLIP em postos de coleta presencialmente. No site da iniciativa, é possível encontrar os endereços de todos os postos, ou propor a instalação de um novo ponto de coleta de assinaturas na sua cidade. Para que possa ser apresentado pelo povo brasileiro ao Congresso Nacional, é preciso que 1% do eleitorado apoie o projeto – isso dá mais ou menos 1,5 milhão de pessoas.

Sobre o Amazoniar

O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para ampliar o diálogo global sobre a Amazônia. Os ciclos anteriores abordaram temas como as relações comerciais entre Brasil e Europa; o papel dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável da região e sua contribuição para a ciência e a cultura; e o engajamento da juventude nas eleições pela proteção da floresta e os direitos dos povos originários e comunidades tradicionais da região.

Com a proposta de levar a Amazônia para além de suas fronteiras, o Amazoniar já realizou projetos especiais, como um concurso de fotografia, cujas obras selecionadas foram expostas nas ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP 26; e uma série de curtas que compôs a exposição “Fruturos – Amazônia do Amanhã”, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. A iniciativa desenvolveu também cartilhas sobre os possíveis cenários da Amazônia nas eleições de 2022 e soluções para o desmatamento na região, e produziu um minidocumentário com perspectivas de representantes de comunidades tradicionais sobre o Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.

(ecodebate)

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